Empresa brasileira de criptomoedas atrasa pagamentos e coloca culpa na Binance

Fundador, no entanto, tem passado ligado a esquema de pirâmide financeira com uso de Bitcoin

Lucas Gabriel Marins

Antonio Neto, fundador da Braiscompany, tem passado ligado à pirâmide D9 (Reprodução/Instagram)
Antonio Neto, fundador da Braiscompany, tem passado ligado à pirâmide D9 (Reprodução/Instagram)

Publicidade

A Braiscompany, empresa brasileira que afirma trabalhar com locação de criptomoedas, está atrasando os pagamentos. Investidores confirmaram para a reportagem do InfoMoney que os valores que deveriam ser pagos no dia 30 de dezembro ainda não caíram em suas contas.

O negócio, que tem sede em Campina Grande (PB), capta criptomoedas de pessoas e paga uma remuneração mensal que, segundo os clientes, pode chegar a 9%. O modelo é semelhante ao da Rental Coins, que fazia parte de um esquema fraudulento com cripto criado pelo “Sheik das Criptomoedas”, preso no ano passado.

“Iríamos receber R$ 7 mil (no dia 30), já que o rendimento de dezembro foi de 7%. Não recebemos. Isso está deixando cada vez mais claro que há um problema de liquidez na empresa”, disse um cliente que investiu R$ 100 mil no ano passado e pediu para não ser identificado. Até agora, ele só conseguiu recuperar 20% do valor.

Continua depois da publicidade

Outro investidor, que também pediu para não ter o nome revelado, relatou a mesma situação. “Não consegui receber (no mês passado). Fiz um contrato de R$ 20.000 e outro de R$ 8.400, o que daria R$ 2.000 em média (por mês)”.

A página da Braiscompany no site Reclame Aqui e grupos de conversas e redes sociais foram inundados com reclamações semelhantes nas últimas semanas. Por causa do excesso de críticas, o perfil do Instagram do negócio foi fechado para comentários.

Mudança de versão

A reportagem entrou em contato com a Braiscompany por e-mail pedindo mais detalhes sobre o motivo dos atrasos, mas não obteve resposta até o fechamento deste texto. No final do ano passado, a empresa divulgou para alguns clientes que a demora na liberação do dinheiro estava acontecendo por causa da criação de um novo aplicativo do negócio.

Continua depois da publicidade

Em uma live realizada na noite da segunda-feira (9) no Instagram do advogado Artêmio Picanço, especializado em blockchain, o CEO da Braiscompany, Antonio Inacio da Silva Neto (conhecido mais como Antonio Neto Ais), mudou a versão e disse que a culpa dos atrasos é da Binance, corretora da qual a empresa diz que depende 100% para operar e fazer pagamentos.

“A Binance vem travando os saques e transferências sempre que ultrapassamos o limite de três, quatro ou cinco Bitcoin (BTC). Ela trava por alguns minutos, destrava, desbloqueia, trava novamente. Isso vem acontecendo desde novembro e se agravou em dezembro”.

Ele disse ainda que a exchange agora quer saber a origem do dinheiro e pediu prints de conversas como provas. “Isso vai contra tudo que defendemos de descentralização”, falou.

Continua depois da publicidade

Por meio de nota, a Binance diz que não “realiza quaisquer ações em contas que não sejam devidamente embasadas nos termos e condições, contratos e políticas vigentes e aceitos por todos os usuários”. A empresa não citou o nome da Braiscompany no comunicado.

A corretora também falou que prima pela segurança de seus usuários, tem um programa de compliance robusto – que incorpora princípios e ferramentas de análise para prevenção a ilícitos financeiros – e atua em parceria com as autoridades para evitar que possíveis criminosos utilizem a plataforma.

“A Binance reforça que proteção do usuário e segurança são prioridade e que atua em total colaboração com as autoridades para coibir que pessoas mal intencionadas utilizem a plataforma. A exchange ressalta que tem uma equipe de investigação de renome mundial, com ex-agentes que trabalham em constante coordenação com autoridades locais e internacionais no combate a crimes cibernéticos e financeiros, inclusive no rastreamento preventivo de contas suspeitas e atividades fraudulentas”.

Continua depois da publicidade

Na live, o dono da Braiscompany falou que a empresa faz a gestão de R$ 600 milhões em ativos digitais de 10 mil clientes e que, desse total, apenas 1% (100 pessoas, portanto) não recebeu. Ele disse ainda que, caso o investidor não esteja mais satisfeito com o negócio, pode sair. “Quem estiver incomodado, quebre o contrato”, falou. A multa pelo distrato, no entanto, é de 30% do valor.

“O contrato que assinamos estabelece um deságio de 30% quando a quebra for unilateral e antes do prazo de 12 meses. Dada a situação de insegurança que estamos atravessando, não tenho condições de continuar com a relação comercial estabelecida. Acredito que a confiança deve permear qualquer relação, principalmente a comercial”, disse um cliente que optou por sair do negócio.

Passado ligado a fraudes

Especialistas do mercado financeiro e cripto recomendam para os investidores pesquisarem tudo sobre a empresa e os proprietários antes de fazer qualquer investimento. No caso da Braiscompany, ela foi fundada por Antonio Inacio da Silva Neto e sua esposa, Fabricia Farias Campos (conhecida como Fabricia Ais), em maio de 2018, segundo a Receita Federal.

Continua depois da publicidade

Antes de virarem empresários, no entanto, os dois eram líderes da D9 Club de Empreendedores, um conhecido esquema de pirâmide que usava o Bitcoin como fachada para lesar vítimas, e que deixou milhares de pessoas no prejuízo no Brasil.

No final 2020, os dois respondiam a pelo menos 20 processos judiciais relacionados ao caso. Algumas das ações citavam Danilo Vunjão Santana Gouveia (conhecido como Danilo Dubaiano), criador da D9 que fugiu para Dubai após o caso.

Em 2019, o programa Fantástico, da rede Globo, mostrou como Dubaiano vive uma vida de luxo nos Emirados Árabes Unidos.

Investigações

Em julho de 2020, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu um processo administrativo (PA) para averiguar possíveis irregularidades na Braiscompany. Como havia no negócio indícios de crime contra a economia popular, e o regulador não lida com esse tipo de infração, a autarquia repassou o caso para o Ministério Público da Paraíba.

O MP-Procon, órgão de defesa do consumidor do Ministério Público da Paraíba (MPPB), começou a investigar a empresa naquele ano. Quem assumiu o caso foi o promotor de Justiça Socrates da Costa Agra.

À reportagem, o MPPB disse que recebeu uma consulta em 2020 vinda de um anônimo que desejava investir na empresa, e que oficiou os órgãos do Procon Municipal e Estadual e apurou que não havia reclamação de consumidores lesados. Dessa forma, o processo foi arquivado “por não ser órgão de consulta que garante ou não idoneidade de empresa e por não haver lesão ao consumidor”.

“Por óbvio, o arquivamento não impede que sejam instaurados novos procedimentos com a competente investigação, caso surjam notícias ou informações de lesões aos consumidores”, completou.

Lucas Gabriel Marins

Jornalista colaborador do InfoMoney