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SÃO PAULO – Se pouco for feito para o cumprimento de uma agenda de ajuste fiscal, o Brasil corre o risco de se transformar em “um grande Rio de Janeiro”. Essa é a avaliação do presidente do Insper, Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda de 2003 a 2005, no primeiro mandato do presidente Lula. Para o economista, entrevistado pelo jornal Folha de S. Paulo, o atual governo do presidente interino Michel Temer tem se mostrado “fraco” e suscetível a “pressões de grupos”.
“Ele demonstra relativa dubiedade. Se por um lado tem falado em sacrifícios, em fazer reformas como a da Previdência, em propor o teto para os gastos e enfrentar uma série de problemas essenciais para superar o problema fiscal, por outro, no varejo, tem cedido aos grupos de pressão. Este parece ser um governo fraco, que cede a grupos de pressão. E ceder é ir na contramão do ajuste”, avaliou Lisboa. Para ele, o grande problema do país é não cumprir tetos de gastos, o que não garante uma estabilidade na evolução da relação dívida/PIB.
O economista enxerga uma melhora não muito grande em termos de política econômica, mas semelhanças da atual gestão com o anterior na dissonância entre discurso e prática. “O governo não tem um discurso claro e consistente e, no varejo, vai cedendo aos grupos de pressão. Pode ser que isso seja mesmo fruto da interinidade, mas isso vai ter consequências mais à frente”, observou.
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De todo modo, o especialista vislumbra uma janela de oportunidade para enfrentar o problema fiscal estrutural brasileiro, que pode contar com o auxílio de um cenário externo mais favorável aos preços das commodities, além do fato de “as coisas” terem “parado de piorar em termos de atividade”. Agora, Lisboa faz um alerta: “Se nada for feito, mesmo com o teto para os gastos, os números vão piorar. Uma série de fatores estruturais faz com que a despesa pública cresça acima da receita. Sem reformas estruturais profundas, essa janela de oportunidade será perdida e daqui a um ano teremos o retorno da crise, com o agravamento das condições do país”, disse em conversa com o jornalista Fernando Canzian, da Folha.
Lisboa segue pessimista por conta do confuso processo em que tem se dado a transição de poder, além da dificuldade da agenda de reformas que se fazem necessárias. “O problema é que, sem reformas, a despesa pública no Brasil vai continuar crescendo acima da receita nos próximos anos, mesmo que a receita cresça com a melhora na atividade econômica”. Quando questionado sobre o que deveria ser feito até a votação definitiva do impeachment no Senado, o economista responde: “parar de piorar e assumir os problemas com transparência”. “Espero que o que vimos até aqui, durante a interinidade, não tenha sido o prelúdio do que vamos viver depois de agosto. Pois o Brasil pode virar um grande Rio de Janeiro [que decretou estado de calamidade pública em junho]”, concluiu.