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SÃO PAULO – O Brasil tem vivido historicamente em um ambiente de excesso de intervencionismo estatal na economia e de elevada tributação, situação que ganhou contornos ainda mais latentes da crise global de 2008 para cá. A leitura é do economista Rodrigo Moita, professor associado do Insper e entrevistado da vez do Podcast Rio Bravo. Na conversa, o especialista trata dos ingredientes microeconômicos que foram determinantes para o cenário de instabilidade na economia brasileira contemporânea, ressaltando os efeitos nocivos da mão pesada do governo sobre a produtividade e o nível de investimentos das empresas em território nacional. Moita é PhD em economia pela University of Illinois e mestre em economia pela Universidade de São Paulo. Confira os melhores momentos da entrevista:
Rio Bravo – Quais são as evidências dos danos das políticas microeconômicas à eficiência e ao crescimento da economia brasileira?
Rodrigo Moita – A evidência é um pouco óbvia, é o baixo crescimento que a gente está tendo hoje em dia. Eu acho que o mais interessante é pensar o que está levando a esse baixo crescimento. Para começar, qual é o problema fundamental na política microeconômica? Há o excesso de interferência estatal e uma tributação elevada. A interferência não falo só em tributação, pode ser uma regulação, como o Estado entra no mercado, altera as regras do jogo etc. Algumas coisas acontecem. Primeira coisa, você distorce os incentivos dos participantes do mercado. Então, por exemplo, se você estivesse numa economia 100% privada, sem mercado liberal, todos os incentivos seriam para maximizar lucros. As ações de todas as empresas seriam para aumentar a produtividade, para ficar mais competitiva, para ganhar mais dinheiro etc. A interferência estatal distorce esse incentivo. Ela vai falar assim: “Talvez a melhor maneira de eu sobreviver ou de aumentar meu lucro não é mais aumentando minha produtividade, mas é, por exemplo, fazendo lobby junto ao governo, conseguindo empréstimo no BNDES…”. Dado que o Estado está tão presente, você sai desse mundo onde seu incentivo é ganho de produtividade para um mundo onde os incentivos, na verdade, são ter as melhores relações possíveis com o Estado, que é quem está interferindo em todas as áreas da economia.
RB – A gente consegue rastrear e demarcar a origem dessa intervenção e dessa atuação mais presente do Estado, que provoca essa distorção?
RM – A troca de governo acho que talvez seja o marco principal. Mas se você olhar na história recente do país, o intervencionismo sempre marcou o Brasil. Os anos 70 talvez tenham sido o auge do intervencionismo na economia. Os anos 80 foram uma época de crise. Nos anos 90, houve um movimento para reduzir a intervenção do Estado. O processo começou com o Plano Real e durou até meados da década passada. A partir daquele ponto, que foi a crise, em 2007, 2008, muda a matriz econômica. Aí o Estado começa um processo de intervenção mais acirrada, mas esse processo já vinha desde o governo do presidente Lula, talvez um pouco mais, mas muito discreto no começo e depois ganha força com a crise internacional de 2008.
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RB – Na sua avaliação, a tentativa de regulação de preços do setor elétrico é uma dessas medidas cujo resultado não foi tão positivo?
RM – 100%. A regulação do setor elétrico é um bom exemplo. Eles queriam reduzir o preço da energia para aumentar a competitividade. Como esse governo decidiu fazer isso? Eles falaram para as empresas: “Vocês vão ter que reduzir os custos da energia”. Só que elas falaram que teriam um problema de caixa. Aí o governo falou: “Não, a gente usa dinheiro do Tesouro para cobrir isso”. Então, para você tentar aumentar a produtividade de um jeito, você piora a produtividade de outro jeito, aumenta a distorção em outro lugar. Para tapar o buraco, você cava outro buraco. Esse é um ótimo exemplo sobre o imbróglio em que a gente se meteu.
RB – De que modo a indústria foi impactada com essas medidas, tomando como marco 2008 para cá?
RM – Eu acho que o impacto foi bem negativo, porque uma das estratégias era o BNDES dar muito crédito para as empresas e dando muito dinheiro para várias coisas. E mesmo assim, o ambiente de investimento deteriorou. Então, mesmo com muito crédito para investimento, o investimento foi sempre muito baixo. Quando você tem muito intervencionismo, você cria muita insegurança regulatória, ou seja, o governo pode mudar as regras do jogo e alterar tudo em um setor ou na economia. Um exemplo é o caso das usinas hidrelétricas, que estavam acabando a concessão, e houve uma grande discussão sobre o que seria feito. Eles mudaram a regra e aí essa discussão foi: o que acontece com isso? Isso freou o investimento nesse tipo de coisa. Então esse setor travou durante um tempo. A instabilidade do ambiente regulatório, o excesso de intervenção, tudo isso prejudica o investimento. Então, na verdade, desde esse ponto aí de 2008, 2009, a indústria entrou num período de baixo investimento, numa estagnação.
RB – Por outro lado, o governo também tentou estabelecer uma agenda propositiva, com um conjunto de políticas que ofereciam subsídio, inovação e também propostas vinculadas ao mercado de trabalho. Essas ações podem ser bem-sucedidas?
RM – É difícil, porque essas ações estão incorrendo no mesmo erro de sempre, que é o governo tentar falar: “eu dou crédito para, por exemplo, inovação, e você, empresário, vai lá e inova com esse crédito que eu te dei”. O oposto a isso seria criar um ambiente de negócios favorável, onde o empresário é livre para fazer o que ele quiser e se ele fizer uma inovação, vai conseguir ter uma patente e ganhar dinheiro. Você tem um incentivo econômico para inovação e não você ter um crédito estatal para inovação. São duas ideias que se opõem aqui, uma de comando e controle do Estado e a outra, uma ideia do mercado agindo em cima disso. Se você tem uma economia pujante, onde, se você conseguir inovar, você vai se dar muito bem, esse incentivo é muito mais forte. Então eu acho que o governo sempre adota a mesma estratégia do comando e controle, pensando muito pouco no papel do mercado. Na verdade, ele não acredita muito no mercado como um agente para fazer isso. Ao longo desses anos, talvez um ponto positivo é que as coisas começaram a dar errado e as pessoas passaram a valorizar um pouco mais a importância do mercado. Essa tanto a da inovação quanto a do mercado de trabalho são medidas que bebem sempre da mesma água. Essa história de o governo dar um crédito para o empresário tomar uma ação… Essas coisas se mostraram bem pouco efetivas ao longo do tempo. Então, não. Não acho que isso tenha um efeito real positivo significante.
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RB – De algum modo, alguma das decisões recentes do ajuste fiscal proposto pelo governo corrige problemas oriundos dessas políticas microeconômicas?
O ajuste fiscal proposto recentemente pelo governo corrige o problema macroeconômico de curto prazo, que é o déficit nas contas públicas. No entanto, para corrigir um problema de curto prazo, está acentuando um problema de longo prazo, que é esse excesso de intervenção do Estado, esse excesso de tributação, que gera uma série de distorções na economia, que reduz atividade econômica, então é uma forma ruim, porque para resolver um problema macroeconômico de curto prazo, você está piorando as distorções. Qual seria o outro lado disso? O governo tinha que enfrentar o problema da ineficiência do governo que está gerando esse gasto. Por exemplo, em vez de aumentar a CPMF, o governo deveria tentar bater de frente com uma reforma da previdência, para tentar reduzir o déficit da previdência, e não aumentar a tributação. Ele devia encarar uma reforma que reduzisse o gasto, e não o aumento de tributo.
RB – O aumento de tributo foi feito no sentido de alcançar um equilíbrio das contas. É uma medida totalmente inválida?
RM – Não, não é porque, nesse momento que já está no pronto-socorro, você tem que fazer o que é preciso, inclusive dar choque para o paciente não morrer. Vale. Chegou nesse momento que eu acho que não tem mais muito o que fazer, ele vai ter que cobrir aquele déficit, tem uma lógica. Está se tentando resolver esse problema macroeconômico de curto prazo, que é a corda no pescoço. O problema de longo prazo na verdade são as baixas taxas de crescimento que a gente vai ter nos próximos anos. O problema de curto prazo, se você não conseguir financiar um déficit, o governo vai ter que financiar esse déficit fazendo o que, emitindo moeda? Vai ter uma volta da hiperinflação? Uma disparada do dólar? Isso é muito ruim. Então ele tem uma lógica de querer aumentar o imposto. Não é a solução dos sonhos de ninguém. O governo deveria tentar de alguma maneira reduzir gastos, diminuir o problema do déficit da previdência, alguma coisa assim, mas aí optou pelo imposto, que a curto prazo faz sentido.
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