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A sessão pós-Copom, cuja decisão de política monetária foi acompanhada de um comunicado bastante duro do Banco Central, marcou a perda de um importante patamar psicológico para o Ibovespa: os 100 mil pontos. Além disso, contou com outros marcos significativos.
Nesta quinta-feira (23), o índice fechou nos 97.926 pontos, menor nível desde 18 de julho de 2022, com queda de 2,29%, maior baixa desde o primeiro pregão de 2023.
Além disso, o Ibovespa fechou abaixo dos seis dígitos pela primeira vez desde 26 de julho do ano passado, acumulando agora uma baixa de quase 10% no ano. Na mínima do dia, o benchmark chegou nos 96.996 pontos.
Na véspera, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC manteve a Selic em 13,75% ao ano, reforçando que “irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas, que mostrou deterioração adicional”, mostrando assim que há pouco espaço para corte de juros no curto prazo.
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O BC não fez qualquer menção de reduzir a taxa e, pelo contrário, sinalizou mais adversidades que podem, inclusive, fazer com que a Selic possa voltar a subir. Com isso, o comunicado do BC reforçou a visão de grandes bancos de que reduções na Selic ficarão para o segundo semestre do ano, possivelmente só no final desse período.
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O que explica a queda do Ibovespa abaixo dos 100 mil pontos?
Os juros altos por mais tempo afetam negativamente a Bolsa por diferentes razões.
Uma Selic mais baixa costuma impulsionar o consumo. Se as pessoas consomem mais, as empresas tendem a vender mais os seus produtos. Com resultados melhores, as ações dessas companhias tendem a distribuir mais dividendos e também a se valorizar. Já quando a Selic aumenta ou segue em patamares elevados, a atividade econômica em geral acaba arrefecendo, assim como os resultados das empresas.
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Ao mesmo tempo em que estimula o consumo, a Selic baixa também reduz o custo do crédito para as empresas. Isso facilita investimentos, por exemplo, na expansão das instalações ou outros projetos que as permitam crescer. Empresas que crescem tendem a apresentar melhores resultados, o que, novamente, beneficia suas ações. Se, por outro lado, a Selic fica em patamares elevados, todo esse movimento fica prejudicado.
Empresas do setor de varejo e tecnologias são as mais impactadas. Companhias de crescimento mantêm seus fluxos de caixa em períodos muito longos. Empresas de varejo estão associadas ao ciclo de crédito e à atividade econômica local. O impacto pode ser observado na maior queda do Ibovespa – o Magazine Luiza (MGLU3), recuou 13,37%, a R$ 3,11.
Além disso, em linhas gerais, em períodos de Selic elevada os investimentos de renda fixa podem se tornar opções mais atraentes, enquanto em épocas de juros baixos a renda variável tende a oferecer melhores retornos.
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Além desses fatores, o posicionamento da autoridade monetária corrobora receios sobre um acirramento da tensão entre governo e BC, uma vez que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem pressionando a instituição por conta do nível da Selic.
“No mercado, há a percepção de que a temperatura entre o presidente Lula e o BC esquentará ainda mais, com potencialmente mais troca de farpas, pressão e críticas, o que pode contaminar o cenário”, disse à Reuters o superintendente da Necton/BTG Pactual, Marco Tulli. “As medidas recentes do governo vão contra o movimento feito pelo Copom, que na véspera foi mais duro do que o governo esperava”, acrescentou.
Isso pode ser observado no movimento do dólar, que avançou 1%, a R$ 5,29 na compra e na venda, mesmo com os sinais de juros altos por aqui e sinais de desaceleração da alta de juros pelo Federal Reserve podendo favorecer o real ante a divisa americana.
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A percepção de risco aumentou e levou a quedas ainda mais fortes do índice após Lula falar, na tarde desta quinta, que a “história julgará” as decisões do Banco Central de manter a taxa de juros em 13,75%. “Como presidente da República não posso ficar criticando cada relatório do Copom. Eles que paguem o preço do que estão fazendo. A história julgará cada um de nós”, apontou.
A equipe de estratégia da XP apontou que, com riscos fiscais e políticos no radar, as perspectivas daqui pra frente para o mercado seguem mais negativas, e indicam um posicionamento mais cauteloso em relação às ações.
“Com uma trajetória de política fiscal ainda incerta, aguardando uma âncora fiscal crível e um caminho claro para a sustentabilidade fiscal, devemos continuar a ver volatilidade nos mercados, e, portanto, preferimos um posicionamento mais defensivo”, apontam Fernando Ferreira, Jennie Li e Rebecca Nossig, que assinam o relatório da casa.
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Os estrategistas também ressaltam que o debate entre governo e Banco Central alimentou ainda mais a deterioração da perspectiva política e colocou pressão adicional nas expectativas de inflação.
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Além disso, após um recorde de entradas de capital estrangeiro no Brasil em 2022, com mais de R$ 100 bilhões entrando na Bolsa, no final do ano passado, após as eleições, os ativos brasileiros começaram a ter desempenho inferior em relação a seus pares globais devido a preocupações com o ruído político.
Como resultado, em fevereiro, começou a haver saídas de investidores estrangeiros. “Após fortes entradas de capital em janeiro, fevereiro registrou o primeiro fluxo negativo desde maio de 2022 – com saída de R$ 1,7 bilhão – e março se encaminha para o mesmo movimento. Este é um indicador-chave a seguir, já que os investidores estrangeiros têm sido o comprador final de ativos brasileiros, enquanto os investidores locais migraram para renda fixa”, avaliam.
A XP também destaca que o Lucro por Ação (LPA) para os próximos 12 meses projetado pelo mercado para o Ibovespa já caiu mais de 10% desde o pico recente. “Devido a essa combinação (lucros menores e taxas de juros mais altas), não vemos mais o Ibovespa tão atrativo quanto estava alguns meses atrás. Ou seja, a Bolsa brasileira ficou menos atrativa em relação às taxas de juros atuais”, ressaltam os especialistas.
Guilherme Abbud, gestor da Persevera Asset Management, por sua vez, acredita ser difícil a Bolsa cair mais por conta de questões internas. “A Bolsa já precifica hoje crescimento mais fraco, as inseguranças com política econômica e já está muito descontada”, afirma Abud.
“Essa taxa de juros está muito alta e o Brasil está claramente desacelerando”, diz Abud. Segundo ele, a economia ainda não assimilou totalmente o ciclo de aperto monetário conduzido pelo Banco Central e a economia tende “a desacelerar muito mais”.
O gestor também acredita que o mercado superdimensiona o tamanho do risco fical. “O ponto de partida fiscal é muito ‘menos pior’ do que o mercado precifica”, afirma Abud.
Quando os juros cairão?
A XP aponta que uma mudança na visão sobre as taxas de juros poderia rapidamente mudar a dinâmica de queda da Bolsa, já que o risco-retorno ainda é favorável para a Bolsa, mantendo assim a projeção de Ibovespa a 125 mil pontos para o fim do ano.
Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master, também avalia que a perspectiva de corte de juros no futuro pode ajudar a Bolsa. “Ela só vai conseguir subir com mais consistência quando recuperar a perspectiva de crescimento e de corte de juros, que deve ficar para o segundo semestre”, aponta.
Ele cita que as ações de varejistas em queda, a Petrobras (PETR4) sofrendo com a queda do preço do petróleo e os bancos impactados pelas perspectivas de crédito mais complicadas aqui e no exterior explicam o Ibovespa abaixo dos 100 mil.
“Olhando para frente, dentro de seis meses a um ano a situação deve melhorar, quando a gente retomar o ciclo de crescimento e corte de juros”, avalia.
Contudo, como já ressaltado acima, as grandes instituições financeiras destacaram a visão de corte de juros mais longe após o comunicado do Copom.
Na manhã desta quinta-feira, apesar da indicação mais austera, o mercado de juros futuros chegou a embutir um corte de 0,25 ponto percentual na Selic já na reunião de junho do Copom, antes de as expectativas mudarem para uma redução de 0,50 ponto em agosto. Mas bancos globais e casas financeiras brasileiras de peso não compraram a visão de afrouxamento já no segundo trimestre.
“O comunicado do Copom reforça nossa visão de que o afrouxamento da política monetária ocorrerá apenas em novembro”, disse o JPMorgan em relatório, embora tenha citado os recentes problemas no setor bancário internacional – após o colapso de bancos nos EUA e um resgate forçado do Credit Suisse na Europa – como um risco para essa projeção.
Na mesma linha, Citi e Itaú acreditam que o Banco Central só poderá iniciar um processo de redução dos custos dos empréstimos no último trimestre de 2023, com estimativas de que a Selic fique, respectivamente, em 12,25% e 12,50%.
“A menos que vejamos uma mudança significativa no conjunto de informações que possa reduzir significativamente as estimativas de inflação, não vemos espaço para o Copom iniciar os cortes de juros no segundo trimestre de 2023, conforme atualmente embutido na curva de juros”, avaliou o Citi em relatório.
Já a XP sequer espera cortes de juros neste ano, mantendo em seu cenário base projeção de que a Selic seguirá nos atuais 13,75%.
UBS BB, Goldman Sachs e Bradesco, por sua vez, projetam o início de um processo de afrouxamento monetário a partir do segundo semestre, com o primeiro mantendo expectativa de corte de 0,50 ponto percentual dos juros no final do terceiro trimestre, em setembro.
Pedro Canto, analista CNPI da CM Capital, destaca que não vê um cenário positivo no médio e longo prazo para o Ibovespa em meio a esse cenário de juros altos, com pressão principalmente para as ações dos setores cíclicos domésticos, como varejistas e incorporadoras. Assim, o cenário de cautela para as ações brasileiras deve seguir por um bom tempo.
Um possível catalisador, contudo, deve vir do anúncio do arcabouço fiscal, que foi adiado para abril.
Fabrizio Velloni, economista-chefe da Frente Corretora, acredita que uma resolução sobre o arcabouço fiscal é importante para que o estrangeiro retome confiança na Bolsa brasileira. “O estrangeiro tem reticência sobre como o Brasil vai lidar com fiscal. Além disso, os juros nos Estados Unidos estão subindo, o que tira dinheiro de emergentes”.
Na visão do economista, o desconhecimento sobre o arcabouço fiscal tira o Banco Central do viés de reduzir juros ainda este ano, o que acaba dragando dinheiro da Bolsa.
“A Bolsa, na pandemia, cresceu muito mais devido a baixa do juros do que efetivamente lastreada em crescimento das empresas”, diz o economista.
“O movimento de ajuste é natural, ainda mais levando em consideração a expectativa de crescimento do brasil para este ano estar com tendência de redução”.
Patamar é psicológico, mas indica alerta
“Os 100 mil pontos é uma barreira mais ‘psicológica’ do que factual, mas romper esse ponto é uma sinalização muito ruim, principalmente para os investidores de varejo que costumam olhar esses eventos como um sinal adicional de alerta”, explica Juan Espinhel, especialista em investimentos da Ivest Consultoria.
Segundo ele, ainda que a Bolsa possa ser considerada barata, do ponto de vista do múltiplo Preço/ Lucro, a desaceleração da economia impacta negativamente as projeções financeiras das empresas listadas.
“As companhias têm dificuldade de financiar novos projetos de expansão, fazendo com que as projeções de lucros caiam. Então podemos ter um ajuste desses múltiplos pela queda dos lucros e não necessariamente pelo aumento do preço”, diz Espinhel.
Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, diz que quanto mais tempo levar para o Banco Central reduzir juros, maior será o peso das dívidas das companhias listadas em seus respectivos balanços.
“A gente tem visto as parcelas pesando na conta dos consumidores e as próprias dívidas [das empresas] atreladas a CDI. Quanto maior a demora para cortar juros, é um alívio a menos nos balanços”, diz Espinhel.