Publicidade
SÃO PAULO – Após voto proferido pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na análise de questão sobre suposta parcialidade do ex-juiz federal Sergio Moro em caso que envolve o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro Kassio Nunes Marques pediu vista no processo (ou seja, mais tempo para avaliar), o que impediu que o julgamento fosse concluído nesta terça-feira (9).
Recém-chegado ao tribunal, Nunes Marques disse que nunca analisou o caso e que precisaria de mais tempo para fazê-lo. “O tempo foi extremamente curto para um membro da corte que jamais participou deste processo”, afirmou.
Os membros da Segunda Turma se debruçam sobre o assunto após Gilmar Mendes, que preside o colegiado, colocar o assunto à mesa mais de dois anos depois de um pedido de vista. A decisão ocorreu um dia após o ministro Edson Fachin anular todas as condenações de Lula proferidas pela Justiça Federal no Paraná relacionadas às investigações conduzidas pela Operação Lava Jato.
Continua depois da publicidade
O relator dos casos no tribunal declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para tratar dos casos envolvendo o tríplex do Guarujá, o sítio de Atibaia e o Instituto Lula, e determinou a remessa dos respectivos autos à Justiça Federal do Distrito Federal. Fachin também declarou a perda de objeto de pedidos de habeas corpus que tratavam da suspeição de Moro.
A decisão de Gilmar Mendes de pautar o pedido suscitou questão de ordem de Fachin logo no início da sessão, que alegou perda do objeto – em movimento que foi entendido nos bastidores como tentativa de mitigar danos à Lava Jato e ao ex-juiz federal. O questionamento foi colocado em deliberação pelos magistrados, que, por 4 votos a 1, decidiram continuar a análise do pedido.
Primeiro a votar na retomada do julgamento, o ministro Gilmar Mendes não economizou nas críticas à Lava Jato e enumerou o que vê como uma série de irregularidades cometidas por Sergio Moro em diversos processos, como a determinação excessiva de prisões cautelares, a violação do sigilo da relação entre cliente e advogado e a prorrogação indefinida de interceptações telefônicas de investigados.
Continua depois da publicidade
“Meu voto não apenas descreve cadeia sucessiva a compromisso da imparcialidade como explicita surgimento e funcionamento do maior escândalo judicial da nossa história”, disse. O magistrado afirmou ainda que Moro teve atuação de “juiz acusador”, interferindo na produção de provas como ouvir delatores e incluir documentos durante a instrução dos casos – ações que, segundo ele, tinham como objetivo maior “inviabilizar de forma definitiva a participação de Lula na vida política nacional”.
“A história recente do Poder Judiciário ficará marcada pelo experimento de um projeto populista de poder político, cuja tônica assentava-se na instrumentalização do processo penal, na deturpação dos valores da Justiça e na elevação mítica de um juiz subserviente a um ideal feroz de violência às garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa, da presunção de inocência e, principalmente, da dignidade da pessoa humana”, pontuou.
“Olhar em retrospecto não esconde que o juiz Sergio Moro, diversas vezes, não se conteve em pular o balcão. Na ordenação dos atos acusadores, o magistrado gerenciava os efeitos extraprocessuais da exposição midiática dos acusados”, disse o ministro. Nos últimos anos, o magistrado se notabilizou no tribunal como um dos maiores críticos à operação.
Continua depois da publicidade
Segundo Mendes, havia pressão da força-tarefa para que magistrados, inclusive ministros de cortes superiores, não tomassem decisões desfavoráveis à Lava Jato. “Os magistrados que concedessem habeas corpus corriam risco de serem massacrados neste conúbio vergonhoso que se estabeleceu entre a mídia e os procuradores”, afirmou.
O ministro reconheceu que “infelizmente” a experiência acumulada durante os anos mostra que houve falha em conter os “primeiros arroubos e abusos do magistrado”. Ele disse que já apoiou a operação e que o combate à corrupção é digno de elogio. Mas ressalvou: “Não se combate crime, cometendo crime”.
Após breve intervalo, o ministro Kassio Nunes Marques pediu vista no julgamento, alegando pouco tempo para analisar o caso. O magistrado sugeriu aos demais colegas da Segunda Turma que, se quisessem, pudessem adiantar seus votos. Ele não tem prazo para devolver o recurso e pedir a retomada do julgamento.
Continua depois da publicidade
Lewandowski se manifestou em seguida, acompanhando divergência aberta por Mendes pela suspeição de Moro e, em consequência, anular todos os atos processuais que levaram à condenação de Lula no processo do tríplex do Guarujá (SP). Em seu voto, o magistrado disse que Lula não foi submetido a um julgamento justo, “mas a um verdadeiro simulacro de ação penal, cuja nulidade salta aos olhos”.
Assim como o presidente do colegiado, Lewandowski mencionou mensagens hackeadas de integrantes da força-tarefa da Lava Jato, cujo acesso pela defesa de Lula foi autorizado pela Segunda Turma. “Não há dificuldade em identificar a indisfarçável parcialidade de todos os atores que levaram à condenação”, disse.
“Comparando-se à miríade de atos processuais heterodoxos e fatos subservientes, não há como deixar de concluir que restou escancarada uma devida confusão entre as atribuições de julgar e acusar por parte do magistrado Sérgio Moro”, complementou.
Continua depois da publicidade
Os ministro Edson Fachin e Cármen Lúcia já haviam votado, em dezembro de 2018, para rejeitar o pedido de suspeição apresentado pela defesa de Lula. Mas a magistrada sinalizou, após a intervenção de Nunes Marques, que vai se manifestar novamente. Até o encerramento de um julgamento, um magistrado pode alterar o seu voto.
(com Reuters)