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SÃO PAULO – Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, fez certa vez um desabafo interessante em entrevista à Revista InfoMoney: “Não há direita no Brasil. Eu sou um órfão político. O mais próximo da direita aqui se parece com a direta francesa, que não gosta de lucro. Direita para mim é algo como a Margaret Thatcher [primeira-ministra britânica de 1979 a 1990, que ficou conhecida como “Dama de Ferro” por promover a desregulamentação do setor financeiro, a flexibilização das leis trabalhistas e a privatização de estatais]. A população brasileira não gosta disso. O PSDB é no máximo de centro, não chega a ser nem de centro-direita. O FHC privatizou mais por pragmatismo do que por convicção e ainda aumentou gastos públicos e impostos.”
A sensação de que há um vácuo de representação política entre os liberais não é exclusiva de Schwartsman e acabou reforçada pela história política recente. FHC e Lula passaram 16 anos no poder mesclando medidas pró-mercado e pró-Estado. Até hoje nenhum dos dois bate no peito para se gabar de políticas tomadas para beneficiar investidores ou elevar a competitividade das empresas. Na verdade, ambos preferem colocar sob holofote os avanços na área social – como os ganhos da população com o controle da inflação ou as políticas de redistribuição de renda. A frustração dos liberais se aprofundou sob Dilma, que tem feito um governo mais intervencionista, centralizador e avesso ao lucro – com resultados no mínimo suspeitos. Explica Paulo Bilyk, sócio da Rio Bravo Investimentos: “No Brasil, ninguém se elege sendo arauto de ideias liberais, das liberdades individuais, da defesa do contribuinte e da crença de que é o indivíduo, e não o Estado, quem gera riqueza. Quem vence eleições no Brasil promete grandes resoluções que passam pelo Estado.”
Se os partidos não abraçam o discurso liberal, há quem o faça. Inspirado nos “think tanks” tão comuns nos EUA, o Instituto Millenium foi criado em 2005 pela economista Patrícia Carlos de Andrade, filha de Evandro Carlos de Andrade, diretor de Jornalismo da Rede Globo entre 1995 e 2001. A ONG foi desde o começo desenhada como um centro de pensamento apartidário, sem fins lucrativos e com a missão de difundir ideias como o fortalecimento de instituições democráticas, a redução das intervenções do Estado na economia, o aumento da competitividade das empresas, a liberdade de imprensa e o aprimoramento da legislação.
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Nos últimos oito anos, o instituto obteve a adesão de importantes apoiadores, como Gustavo Franco, Arminio Fraga, Henrique Meirelles, Fabio Barbosa, João Roberto Marinho, Jorge Gerdau Johannpeter, Edmar Bacha, Fabio Giambiagi, Ives Gandra, Mario Vargas Llosa, e Raul Velloso. No total, são 190 associados que doam parte de seu tempo para a discussão de ideias e a realização de debates em universidades e em redações de empresas de mídia, a publicação de artigos e vídeos no site www.imil.gov.br e a disseminação desse conteúdo nas redes sociais. O instituto não recebe dinheiro de partidos políticos nem de governos e diz que todas as contas são pagas por empresas patrocinadoras – como a Gerdau, a Localiza e a Editora Abril – e também por um grupo de mais de 30 outros doadores, incluindo pessoas físicas.
O Instituto Millenium faz questão de dizer que não incentiva votos no PSDB ou em agremiações de direita, não tem inclinação partidária, não é contra Dilma nem assume uma postura de confrontamento com o governo. O que distancia a ONG e a presidente são apenas as ideias. “Acho que o governo não deve interferir nas decisões das empresas em todos os sentidos”, diz Priscila Pereira Pinto, diretora-executiva do Instituto Millenium. “Precisamos rever a carga tributária elevada, a forma como o governo investe o dinheiro do contribuinte, a qualidade dos serviços públicos, o papel do BNDES em fusões e as leis trabalhistas porque isso afeta o quanto a economia cresce ou não.”
Temas como o PIBinho são abordados de forma a aproximá-los ao dia a dia das pessoas. “O Brasil vai crescer 2% ao ano no primeiro triênio da Dilma. O resultado só não vai ser pior que os dos governos Joaquim Floriano, que enfrentou duas guerras, e Fernando Collor, que recebeu uma hiperinflação de José Sarney”, afirma o historiador Marco Antonio Villa, professor aposentado da UFSCar. Autor de um livro sobre o mensalão, Villa também critica a corrupção. “O Lula gastou R$ 5 bilhões na transposição do rio São Francisco para nada. E o dinheiro que o BNDES enterrou no Eike Batista? Se o Brasil tivesse uma oposição política como a antiga UDN, a refinaria Abreu e Lima [da Petrobras, em Pernambuco, que inicialmente deveria custar R$ 5 bilhões, mas vai sair por R$ 40 bilhões] poderia derrubar um governo.”, afirma.
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O impacto da desorganização das contas públicas no aumento da dívida também não passa em branco. “Na crise de 2008, o governo corretamente não quis cortar gastos para não acentuar a recessão. Mas ao invés de explicar para a sociedade que essa era uma medida temporária, o governo acentuou nos anos seguintes as desonerações tributárias, apesar da queda do crescimento da arrecadação, que, nos últimos 12 meses, chegou próximo a zero. Aí eles apresentam um número de superávit inventado que só queima a credibilidade que foi adquirida a duras penas”, afirma Raul Velloso, especialista em contas públicas. A solução, para ele, será amarga. “Tem que acabar com desonerações, reduzir gastos sem cortar investimentos e mexer em tabus como a fórmula de reajuste do salário mínimo, fazendo com que o aumento volte a ser de acordo com a inflação. Do jeito que está, vira aumento de dívida.”
É a maior intervenção do Estado, no entanto, que mais incomoda os apoiadores do Instituto Millenium. Explica Adriano Pires, especialista em petróleo e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura. “O Estado intervém muito em empresas como a Petrobras e a Eletrobras. O governo se recusa a admitir como privatização o atual programa de concessões. A Infraero arrebentou os aeroportos e tem prioridade para ser sócia nas concessões. No pré-sal, a Petrobras tem que ser operadora e ainda foi criada outra estatal, apelidada de Petrosal. Nos leilões de ferrovias, temos a Valec.” E como as coisas deveriam funcionar então? “O capitalismo é injusto. Cabe ao governo não deixar as empresas terem lucros abusivos ou maltratarem o consumidor. O Estado deveria ser regulador e fiscalizador, sem delegar essas atividades a ninguém, mas não deveria ser o investidor porque não pode se meter a saber mais que o mercado. Muito da corrupção pode ser explicado pelo tamanho do Estado.”
Mas se poderiam beneficiar o crescimento e o emprego, por que então as políticas liberais são tão malvistas pela população? E por que a América Latina tem sido um terreno tão fértil para o plantio de ideias populistas ou promessas de salvações messiânicas? Uma explicação ouvida remonta às diferenças históricas entre as sociedades latina e saxã. “Lucro em inglês é ‘profit’, que deriva de proficiência. Então o cara precisa ser excelente para ter lucro. Já em português a palavra ‘lucro’ vem de ‘logro’. Ou seja, quem lucra é porque engana os outros”, diz Adriano Pires. As diferenças culturais, na verdade, vão muito além da semântica. Os EUA construíram uma sociedade de baixo para cima, em que o indivíduo tem mais liberdade para gerar riqueza, em que há garantia de propriedade e de contratos, em que prefeituras e Estados têm mais poder. É, portanto, uma espécie de Brasil de cabeça para baixo – e é isso que o Millenium sonha mudar.
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Essa matéria foi publicada na edição 47 da revista InfoMoney, referente ao bimestre novembro/dezembro de 2013. Para tornar-se um assinante da revista, clique aqui.