Liberalismo sofre baque na Argentina, mas cenário eleitoral ainda está indefinido

Eleito em 2015 com uma agenda liberal, o presidente argentino Mauricio Macri toma medidas populistas para estancar queda de popularidade, enquanto Cristina Kirchner lidera as pesquisas de intenção de voto 

Lara Rizério

Publicidade

SÃO PAULO – SÃO PAULO – 22 de novembro de 2015: os defensores do liberalismo econômico comemoravam a eleição de Mauricio Macri à presidência da Argentina. Naquele ano, o kirchnerismo sofreu uma derrota histórica, após 12 anos e sete meses em que Cristina Kirchner e seu marido Nestor, morto em 2010, ficaram no poder.

A vitória de Macri foi guiada principalmente pelo descontentamento com o desempenho econômico, cada vez mais fraco, e pela inflação em alta (superior a 20% no ano e de 54% em 12 meses) durante os últimos anos do governo peronista de Cristina Kirchner. Fora isso, as reservas do Banco Central estavam minguando.

O início de Macri foi auspicioso, mas, dois anos e meio depois, o país volta a viver um período complicado. A inflação disparou, levando o Banco Central a aumentar seguidamente os juros para tentar conter a alta dos preços (recentemente, a taxa passou de 70%). Fora isso, uma maré de azar abalou fortemente a economia no ano passado, com a pior safra agrícola em 70 anos, o que prejudicou a exportação, gerando desequilíbrios na conta corrente.

Continua depois da publicidade

Diante da crise, e da perda de popularidade, Macri se desviou completamente de seu viés liberal e anunciou, neste ano, o congelamento de preços de pelo menos seis produtos considerados essenciais por pelo menos seis meses.

Uma crítica recorrente é a de que Macri se rendeu ao populismo para angariar apoio nas urnas no pleito de fim de ano. Agora, Cristina figura como uma das fortes candidatas na eleição presidencial de outubro. Os que apoiavam Macri hoje torcem o nariz para suas atitudes, enquanto os oposicionistas seguem tentando projetar a candidatura de Cristina que, se eleita, “dobraria” a aposta com mais políticas intervencionistas.

Da perspectiva dos brasileiros, a crise argentina levanta duas questões principais. Uma: se a situação se agravar, quais podem ser os impactos para a nossa economia? Outra: as dificuldades de Macri em seguir uma agenda liberal deixam alguma lição para o governo Bolsonaro?

Continua depois da publicidade

Vale lembrar que Macri teve vitórias importantes no início do governo: ajustou os maiores problemas com o câmbio fixo e conseguiu negociar com os fundos que detinham títulos da dívida argentina, abrindo espaço para o financiamento internacional, por exemplo.

“Houve muitos anos de governo intervencionista com Cristina. Macri foi eleito justamente com uma plataforma de oposição, para fazer um governo liberal, restaurar a capacidade fiscal do governo, retomar as leis de mercado, liberar o câmbio”, destacou o analista político Vitor Scalet, da XP Investimentos, no podcast “Frequência Política” desta semana (ouça a íntegra pelo Spotify clicando aqui).

Ao longo do mandato, afirma Scalet, Macri foi implementando esse tipo de mudança, mas com um gradualismo que se mostrou muito lento.
A economia, que passava por uma recessão, voltou a crescer, mas a inflação foi difícil de controlar. Na opinião de Patrícia Krause, economista da Coface para a América Latina, o BC reduziu os juros cedo demais e estabeleceu metas irrealistas para a inflação.

Continua depois da publicidade

A atual turbulência na Argentina já está afetando o ambiente de negócio entre os dois países. Nos dois primeiros meses do ano, o valor das exportações do Brasil para a Argentina caiu 42,5%, de US$ 2,68 bilhões no primeiro bimestre de 2018 para US$ 1,54 bilhão no mesmo período de 2019. O recuo afeta sobretudo as exportações de produtos industrializados, cujas vendas para o mercado argentino tiveram queda de 43,7% na mesma comparação.

O Brasil exporta itens industrializados para os vizinhos, também comprando produtos manufaturados deles. O comércio bilateral concentra-se no setor automotivo, na metalurgia e em produtos petroquímicos. As vendas de automóveis de passageiros para a Argentina caíram 49,8% em janeiro e fevereiro de 2019 na base anual. As exportações de peças para veículos e tratores recuaram 38,7%. A maior queda porcentual, no entanto, ocorreu com os veículos de carga, cujas exportações para o mercado vizinho diminuíram 64,7%.

Na avaliação de especialistas, caso Cristina vença, é possível que o comércio bilateral entre os dois países seja ainda mais prejudicado. Tal perspectiva fez com que o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, esboçasse preocupação com a situação argentina e dissesse que um retorno de Cristina Kirchner ao governo “poderia transformar a Argentina em outra Venezuela”.

Continua depois da publicidade

Medo exagerado?

O fato, no entanto, é que o cenário eleitoral continua bastante incerto. Amostragem da consultoria Oh! Panel, realizada entre 17 e 22 de abril, mostra que, se as eleições presidenciais fossem hoje, 30% dos entrevistados votariam na ex-presidente Cristina Kirchner, 22% em Macri e 14% no ex-ministro Roberto Lavagna, no primeiro turno.

Mas a Argentina conta ainda com uma grande faixa de eleitores indecisos, entre 28% e 30%, e a economia será um fator-chave para saber para que lado vai essa camada da população. Recentemente, uma boa notícia veio do campo em meio a uma abundante colheita de milho, o que pode trazer alívio para Macri em meio a tantas notícias negativas.

Por outro lado, se Macri seguir na sua tendência de piora da popularidade, uma “carta na manga” dos liberais é lançar a governadora da Província de Buenos Aires, Maria Eugenia Vidal, que tem a popularidade mais preservada. Por enquanto, ela desvia do assunto e afirma que só seria candidata “se Mauricio pedisse”.

Continua depois da publicidade

Vale lembrar que Cristina Kirchner também não se manifestou sobre a sua entrada na disputa.

Se a candidatura de Maria Eugenia se tornar realidade, pode levar a um forte ânimo no mercado financeiro local, além do aumento da confiança. Por isso, alguns analistas e gestores de recursos acreditam que o mercado pode ter exagerado no movimento de aversão a risco em relação ao país. O peso é a pior moeda emergente no ano, com queda de 16% desde janeiro, e o risco-país superou os mil pontos-base.

É o caso de Daniel Delabio, da gestora Exploritas, que tem 7% em posição comprada em ações da Argentina dentro do seu portfólio de América Latina, Para ele, “os riscos estão bastante assimétricos por lá”.

Insira seu e-mail abaixo e receba com exclusividade o Barômetro do Poder, um estudo mensal do InfoMoney com avaliações e projeções das principais casas de análise política do Brasil:

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.