Limbo político na Argentina agrava a crise e população teme novo ‘corralito’

Junto com o adiamento de parte do pagamento da dívida de curto prazo do país, várias medidas foram tomadas para contornar o problema do baixo volume de reservas internacionais - mas também acenderam o sinal de alerta entre poupadores

Estadão Conteúdo

Bandeira da Argentina (Shutterstock)
Bandeira da Argentina (Shutterstock)

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A Argentina reviveu na semana o pesadelo do retorno do “corralito”, quando o governo, em 2001, pressionado por uma grave crise, só permitia que população sacasse seu dinheiro do banco a conta-gotas. Após o anúncio de restrições no acesso ao câmbio feito pelo governo de Mauricio Macri domingo passado, argentinos amanheceram em uma fila diante do Banco de La Nación, na esquina da Casa Rosada, em Buenos Aires, antes mesmo que as portas do banco se abrissem.

No anúncio, o governo havia informado que a população precisaria de autorização do Banco Central para comprar mais de US$ 10 mil e as empresas necessitariam de anuência para enviar lucros ao exterior. Junto com o adiamento de parte do pagamento da dívida de curto prazo do país, essas medidas foram tomadas para contornar o problema do baixo volume de reservas internacionais – mas também acenderam o sinal de alerta entre poupadores. 

Nas últimas duas décadas, diante de tantos solavancos na economia, a corrida ao dólar em busca de proteção e a retirada de recursos dos bancos marcaram a história dos argentinos.

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Um analista de sistemas que pediu para não ser identificado contou que sacou na semana passada 80% do que tinha em dólares e os colocou em um cofre no banco. “Já não tinha fila (para sacar). Muita gente tirou suas poupanças logo depois das primárias”, disse.

Corrida. Estimativas do setor financeiro são de que desde 11 de agosto, quando Macri foi derrotado nas eleições primárias por Alberto Fernández e Cristina Kirchner, quase US$ 9 bilhões tenham sido sacados das poupanças em moeda estrangeira. O número corresponde a 27% dos US$ 32,5 bilhões que havia nesse tipo de conta.

O banco central chegou a recomendar que os bancos ficassem abertos até as 17h – o normal seria até as 15h – para que todos que quisessem sacar suas economias fossem atendidos. “Falaram que os bancos estariam abertos por mais horas, que não era para ninguém se preocupar, mas, quando dizem isso, tudo o que produzem é o contrário”, afirmou o analistas de sistemas que falou com o Estado. Ele calcula ter perdido cerca de 30% dos quase US$ 20 mil que tinha em 2001, no corralito. À época, o governo congelou contas bancárias e, depois, transformou em pesos o que havia de depósitos em dólares. “Minha preocupação maior é que se ?pesifiquem? os dólares de novo.”

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Embora o volume de saques venha sendo expressivo, a situação não é tão crítica quanto em 2001. “O que há de similar é a crise de confiança e o perigo de default (não pagamento de dívidas do país). Mas não há condições para um corralito. Naquela época, a situação era de criação de dólar artificial, um problema por causa da conversibilidade (paridade de um para um entre o dólar e o peso argentino)”, diz Fausto Spotorno, da consultoria Ferreres y Asociados.

Segundo fonte do mercado, os banqueiros começaram a semana nervosos, mas terminaram mais tranquilos, pois imaginavam que a corrida aos bancos seria ainda maior. Outra fonte destacou, porém, ser cedo para afirmar que a situação mais crítica tenha ficado para trás. “Não estou nada seguro. A campanha eleitoral começa agora. O quadro é de volatilidade.”

Corralito causou mortes em 2001

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A preocupação exacerbada dos argentinos com a possibilidade de o governo voltar a limitar o acesso às contas bancárias vem do trauma de 2001, quando o corralito chegou a causar mortes. Um dos casos mais emblemáticos foi o do jornalista esportivo Horacio García Blanco, morto, aos 65 anos, seis meses após o ex-presidente Fernando de la Rúa impor as restrições.

García Blanco, que sofria de diabete e pressão alta, entrou na Justiça para tentar liberar suas poupanças e usar o dinheiro para viajar à Espanha. Com cidadania argentina e espanhola, pretendia fazer um transplante de rim em Madrid, onde a operação era mais difundida.

“Havia uma exceção no corralito que permitia que idosos e doentes sacassem suas economias”, diz Mónica Alicia Damuri, advogada e amiga do jornalista. A Justiça, porém, liberou apenas 10% do dinheiro que García Blanco tinha, volume insuficiente para bancar a viagem. Mónica recorreu, mas ele morreu de insuficiência renal antes de uma nova decisão. “O corralito era inconstitucional. Violava o direito à propriedade”, afirma, indignada, a advogada.

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Conhecido nacionalmente por comentar lutas de boxe e partidas de futebol, o jornalista morou o último ano de sua vida na casa de Mónica. Era o marido da advogada que buscava García Blanco diariamente das sessões de hemodiálise. “Quem conheceu Horacio de perto viu como o corralito foi prejudicial.”

Mónica afirma que a medida de limitar o acesso ao câmbio adotada pelo governo de Mauricio Macri é bastante diferente da implantada por De la Rúa em 2001. “Os poupadores continuam podendo sacar suas economias”, diz. “Espero que Macri consiga administrar a situação, para que não se repita algo como o que aconteceu em 2001.” 

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