Marcio Appel: a lição que o mercado aprendeu em 2016 é não “aposte” em eventos binários

O fundador da meteórica Adam Capital, gestora que captou R$ 5,8 bi nos primeiros 6 meses de vida, recebeu o InfoMoney em seu escritório no Rio de Janeiro; confira os melhores momentos dessa conversa exclusiva

Thiago Salomão

Márcio Appel, sócio fundador da Adam Capital
Márcio Appel, sócio fundador da Adam Capital

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SÃO PAULO – Quem vive a vida do mercado financeiro sabe que esse universo é cheio de “frases feitas”, com jargões tão autoexplicativos que acabam virando mantras que investidores adoram propagar. Admita: alguma vez na vida você já estufou o peito, encheu o pulmão de ar e caprichou no tom de voz para dizer “não coloque todos os ovos no mesmo cesto”, ou então “a tendência é sua amiga (ou “the trend is your friend”, para os mais refinados). Quem nunca fez isso, que atire a primeira pedra.

Pois bem, toda essa introdução é apenas para compartilhar contigo que ouvi uma frase que tem tudo para entrar no dicionário de expressões do investidor, pois trata-se da frase que melhor retrata o que foi 2016 para os participantes do mercado financeiro: não aposte em eventos binários. O autor da frase é Marcio Appel, da Adam Capital, um dos mais badalados nomes da “nova safra” de gestores.

Após 7 anos a frente do Safra Galileo – um dos fundos multimercados mais vencedores do mercado brasileiro -, o engenheiro formado no ITA (Instituto de Tecnologia e Aeronáutica) deixou a vida no banco para abrir a Adam em abril junto com André Salgado. Em apenas 5 meses de vida, os dois fundos da casa totalizam R$ 5,8 bilhões em ativos sob gestão. Desde sua criação (29 de abril), o Adam Macro entrega rentabilidade de 140,5% do CDI, enquanto o Adam Advanced (que adota uma estratégia mais agressiva) chega a incríveis 275,0% do CDI no período, segundo informações disponíveis no comparador de fundos da XP Investimentos.

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Appel recebeu o InfoMoney na última quarta-feira (16) em seu escritório no Leblon para uma conversa sobre como estão as posições atuais do fundo e sobre os aprendizados que 2016 trouxe (ou deveria ter trazido) ao mercado: “eu quero sempre fugir da roleta, dos eventos de curto prazo. O que a gente faz é não só olhar no longo prazo como também montar um portfólio equilibrado para esperar o longo prazo chegar, e esse mês tem sido bem ilustrativo para essa estratégia”, diz o gestor. Confira os principais trechos da conversa.

O que vocês operaram no pós-Trump?
Embora tenha dito que o fundo não tem o costume de operar várias vezes num único dia, Appel revela que a quarta-feira do dia 9 de novembro (primeiro pregão pós-eleição de Trump) foi de muitos negócios por conta de dois movimentos em particular no mercado: a forte queda do peso mexicano (moeda que eles tinham uma forte posição vendida) e o “marasmo” do rendimento dos títulos do tesouro norte-americano.

“Foi um dia que o mercado se mexeu bastante, com o peso mexicano para o nosso objetivo e o Treasury mostrando-se uma oportunidade clara por ficar parado. Então fomos montando posições em treasuries de 10 anos, pois também é uma posição de ‘hedge’ em um eventual aperto mais duro do Fed. Diminuímos bem nossa posição vendida em peso mexicano e simultaneamente tomamos treasuries de 10 anos no dia da eleição do Trump, com yield pouco acima de 1,70%”, explica Appel. (Esclarecimentos sobre a posição: quando ele diz estar comprado na taxa, é como se ele ficasse vendido no PU, ou preço de face do título; logo, a alta do yield resulta em valorização da posição dele). Atualmente, o yield de 10 anos do tesouro americano chegou a 2,40%.

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Segundo Appel, a posição “short” em peso é muito mais do que hedge de curto prazo pelo “risco Trump”: o petróleo abaixo de US$ 50 é ruim o suficiente para a conta corrente mexicana, o que pode fazer a moeda local se desvalorizar – e na análise do gestor, o petróleo tem encontrado resistência de superar esse patamar de preço. Ao mesmo tempo, ela também funciona como um eventual hedge em caso de uma atuação mais dura do Fed em subir juros nos EUA.

“É uma vantagem de ter um portfólio equilibrado, pois você pode tomar decisões com a cabeça mais tranquila, sem sentir a pressão com o evento”, explica Appel.

Marcio Appel, da Adam Capital

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Eleição do Trump? Não vi. Dormi às 21h30
Tal equilíbrio buscado pelo gestor dos fundos da Adam pode ser bem explicado quando perguntei a ele se ele tinha preferência por algum dos dois candidatos à presidência dos Estados Unidos: “da mesma maneira que eu não sei qual será o efeito final do Brexit na Inglaterra, não é claro para mim qual será o efeito final da vitória do Trump. O fato é que meu portfólio era equilibrado o suficiente para que na noite anterior eu ter ido dormir às 21h30 e só ver o resultado das eleições no dia seguinte. E é assim que eu gosto de enfrentar os eventos de curto prazo: se eles me tiram o sono, é sinal que minha carteira não está equilibrada”, resume Appel.

Pode não ser uma “fórmula mágica para investir”, mas essa é a estratégia que o gestor utiliza para montar suas posições no mercado: foco no longo prazo para fugir da histeria curtoprazista dos eventos binários. “Eu quero sempre fugir da roleta, que são os eventos de curto prazo”.

O que muda no Brasil com Trump? Nada
Em linha com sua filosofia de investimentos, Appel afirma que, apesar da volatilidade dos mercados nos pregões pós-eleições norte-americanas, o pano de fundo para suas tomadas de decisões pouco mudaram. “Eu acho que não mudou nada [no cenário para Brasil] depois da vitória do Trump. Para os EUA, o cenário mudou alguma coisa, mas marginal”.

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Por isso mesmo que, com exceção da diminuição do “short” em peso casada com a compra de treasuries americanas, os fundos da Adam mantiveram boa parte das posições pré-eleições. Confira a descrição de cada posição:

Câmbio: “tenho posição comprada em real, que nos deu muito dinheiro por que ela era contra o peso mexicano. Tenho um pedaço de real contra peso mexicano e um pedaço de real contra dólar, que neste preço para mim está atraente”.

Juros: “posição em juros é complicado para mim, pois todo mundo está posicionado nisso e então qualquer susto no mercado provoca uma forte movimentação e fica difícil de deixar a posição. Já não tinha mais NTN-B 2055 há uns 2 meses, troquei por juros pré-fixado. Acho as implícitas muito elevadas, não acho que é uma posição boa hoje”.

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Bolsa americana: “continuo comprado da mesma forma, sigo tranquilo com S&P500. Lembrando que minha posição em bolsa americana é sem o câmbio, ou seja, eu só ganho se a bolsa se valorizar em dólares. Eu não ganho nem perco nada se o dólar andar”.

Bovespa: “estamos zerados em Ibovespa. O motivo é o mesmo do nosso último papo (em setembro, após o impeachment de Dilma), acreditamos que o CDI vai andar mais que o Ibovespa no longo prazo. Bolsa brasileira teria que cair muito para pensarmos em compra”.

Copom: “Antes de qualquer coisa, quero deixar registrado que o trabalho do Banco Central e do Tesouro tem sido excelente, estão corretamente recuperando a credibilidade de forma rápida. Acho que o corte de 25 pontos-base [na reunião de outubro] foi mais uma resposta à evolução das reformas do que uma clareza de buscar a meta de 4,5% de inflação em 2017, que o BC tem colocado como alvo e que eu acredito que ele tem tudo para alcançá-lo. O BC tem feito o correto, que é esperar acontecer para agir, e não ‘torcer’ como fez no passado. O BC tá cortando pouco os juros agora para quando a inflação convergir ele cortar mais rapidamente”.

Economia brasileira: “Tem surpreendido para baixo. A gente já era pessimista com crescimento do Brasil, mas tem sido pior do que achávamos. Isso só reforça a trajetória de real e de juros, apesar do entendimento de muita gente de que quando o Brasil está mal o investidor tem que ‘tomar’ juros, mas na verdade é o contrário, pois a demanda externa está bem (por causa das commodities) mas a demanda interna está fraca”.

Commodities: “Minério é uma das commodities que a não gente gosta de apostar; temos uma posição mais forte com petróleo: sempre que ele chega perto de US$ 50 ele volta a cair. E acho que uma pressão do Trump para aumentar a produção pode vir a pressionar o preço para baixo”.

Qual a lição que o mercado aprendeu em 2016?
“Essa é a que eu aprendi há muito tempo: não aposte nestes eventos [referindo-se ao Brexit, às eleições dos EUA e à tentativa de adivinhar o tamanho do corte das taxas de juros do Copom]”.

Thiago Salomão

Idealizador e apresentador do canal Stock Pickers