Mudança no marco legal do saneamento é alvo de críticas de analistas: qual o impacto para as empresas da Bolsa?

Para o Credit, a notícia é neutra para as empresas listadas do setor, mas interferência pode gerar preocupação; já Genial vê impacto mais direto na Bolsa

Lara Rizério

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Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou dois decretos (nº 11.466/2023 e nº 11.467/2023) para alterar alguns dos termos do novo marco legal do saneamento (Lei 14.026/2020), que foi amparado pelos decretos 10.588/2020 e 10.710/2021 (agora revogados). Os decretos revertem a situação de vários municípios que foram rotulados como “irregulares” nas regras anteriores e, portanto, permitem a atribuição de recursos federais para essas localidades.

A nova regulamentação recebeu críticas das empresas privadas por mudar regras que foram estabelecidas na lei, o que pode gerar insegurança jurídica.

Embora os decretos assinados resolvam alguns dos conflitos criados pelo arcabouço legal, representam mais um movimento da nova administração para interferir no marco aprovado pelo Congresso em 2020, destaca o Credit Suisse.

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Entre as mudanças aprovadas, os analistas do banco suíço destacam o decreto 11.466/2023 (i) que prorroga o prazo para criação de blocos regionais de municípios a partir de 31 de março de 2023 até 31 de dezembro de 2025; (ii) altera os prazos para empresas estatais provarem que são capazes de realizar investimentos para a universalização do serviço (as empresas devem apresentar documentos até 31 de dezembro de 2023, e o regulador emite a decisão final até 31 de março de 2024), além de oferecer mais flexibilidade para comprová-lo; e (iii) presume a capacidade econômica verificada para empresas privatizadas até o ano de 2024.

Além disso, o decreto 11.467/2023 (i) garante a elegibilidade aos recursos federais durante o período de regularização dos serviços, que devem ser concluídos até o ano de 2025, condicionados às provas de equilíbrio econômico; ii) remove o limite de valor do contrato de 25% que poderia ser fornecido por meio de contratos de parcerias público-privadas (PPP); e (iii) prioriza a alocação de recursos federais a projetos cujos leilões foram baseados em tarifa mínima e antecipação de universalização.

O principal argumento para o governo publicar os decretos era permitir que cerca de 1.100 municípios recebessem recursos federais para investimentos em saneamento, em que os contratos de saneamento foram rotulados como ‘irregulares’ em 2020 por regras definidas pelo então aprovado quadro regulamentar, destaca o Credit.

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Com as novas regras, muitos prestadores de serviços locais serão regularizados legalmente e capazes de estabelecer PPPs para a totalidade do escopo de seus serviços. Os investimentos totais permitidos pelas mudanças realizadas chegam a R$ 120 bilhões e contribuirão para as metas de universalização, que permanecem em 99% cobertura de água e 90% de esgoto até 2033. Adicionalmente, a extensão do prazo para formação de blocos regionais permitirá que mais de 2 mil municípios continuem recebendo recursos federais enquanto estruturam seus blocos até 2025.

Para o Credit Suisse, a notícia é neutra para as empresas listadas do setor. Contudo, os sinais de interferência podem gerar preocupação.

Os novos decretos fazem parte da estratégia do governo Lula de permitir maior participação de empresas estatais no setor (em comparação com o governo anterior), também potencialmente mudando as vias de crescimento para as operadoras privadas (mais PPPs).

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“A universalização do serviço continua a ser o principal objetivo, embora as alterações devam implicar tarifas mais elevadas do que no quadro anterior, dada a potencial menor eficiência operacional incorporada”, avalia o Credit. No entanto, os analistas acreditam que os novos decretos não afetarão diretamente as perspectivas de privatização das empresas listadas como Sabesp (SBSP3)  e Copasa (CSMG3) (cujos governadores estão atualmente trabalhando em tais projetos).

“Por fim, notamos que essa medida segue uma tentativa fracassada de mudar os papéis dos ministérios e da Agência Nacional de Águas (ANA) em janeiro”, avalia.

Já para a Genial Investimentos, a notícia é negativa para o setor ao afetar, além de Sabesp e a Copasa, também a tese na Sanepar (SAPR11).

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Cabe destacar que, na última quinta, a Sabesp anunciou a desfiliação da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), da qual é uma das fundadoras, por discordar do posicionamento da entidade. A Aesbe defendeu as mudanças promovidas pelo governo. Copasa e Corsan também comunicaram seus pedidos de desfiliação.

“Em nossa leitura, sob os termos anteriormente aprovados no ano de 2020, o setor deveria ser tomado por uma onda de privatizações à medida que: i) as estatais não alcançassem as metas de universalização dos serviços de água e esgoto propostas, momento este em que a áreas de concessõe teriam que ser licitadas, ii) ausência de capacidade econômica-financeira de acordo com métricas financeiras pré-estabelecidas por parte das estatais e iii) alta competição resultando em prêmios muito expressivos dos leilões recentes, fazendo com que os governadores reconsiderassem a manutenção de uma estatal ineficiente e mal gerida sob seu comando”, avalia a Genial.

Para os analistas da casa, os decretos publicados fazem com que tais empresas do setor permaneçam com limitações e deficiências (baixo crescimento, estrutura de custos ineficiente, ingerência política, distantes da universalização, entre outros) e que mereçam negociar a múltiplos depreciados em relação ao setor de energia elétrica.

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“Com pouco mais de 20 anos de um marco regulatório sólido e bem estabelecido, o setor elétrico alcançou quase duas dezenas de empresas com capital aberto nos seus diversos segmentos de atuação, com grande track record [histórico] de crescimento, atendimento, qualidade na prestação do serviço, geração de valor, pagamento de dividendos e valuations mais interessantes se comparado com o setor de saneamento”, avalia.

Assim, os decretos publicados vão na direção oposta dos pontos citados, o que deve reduzir o apetite de investidores interessados em atuar no setor via novos leilões de privatização (como a Equatorial EQTL3, por exemplo) e é negativa por trazer maiores incertezas sob a estabilidade regulatória do setor, o que fatalmente reduziriam os prêmios/valuations alcançados nos leilões. Isso deve reduzir o eventual interesse de governadores em vender seus ativos de saneamento.

A Genial cita que o mero efeito da possibilidade de alteração no marco do saneamento já trouxe impacto no leilão do setor, caso da recente privatização da Corsan (em dezembro de 2022), em que a mera possibilidade de alteração nos termos do marco já fez com que o leilão tivesse apenas uma oferta um único consórcio interessado com prêmio irrisório em relação ao preço-mínimo estabelecido.

Por outro lado, por se tratar de uma alteração via decreto do poder executivo e não via aprovação de lei, os analistas da Genial imaginam que no futuro as alterações possam ser apreciadas pelo legislativo, barradas via ações diretas de inconstitucionalidade ou até mesmo suspensas/alteradas por presidentes em mandatos futuros.

Impacto em elétricas?

Para o UBS BB, o decreto sobre o saneamento é um marco importante, pois reforça a intenção do governo federal de ter maior participação das capitais dos estados nos investimentos.

“Nossa visão é que mudanças similares de instabilidade regulatória podem ser muito negativas para o setor de concessionárias de energia. O setor de concessionárias de energia é mais dependente da iniciativa de empresas privadas. O processo de privatizações teve início no final dos anos 90 e teve seu marca com a privatização da Eletrobras (ELET6) no ano passado. Sobraram poucas empresas estatais de energia, como a Copel (CPLE6) (acreditamos que a privatização pode acontecer no 3T23) e Cemig (CMIG40 (o governador de Minas Gerais fala sobre a intenção de privatizar, mas acreditamos que será um desafio)”, avaliam os analistas.

Dito isto, o UBS BB considera que quaisquer alterações no quadro legal ou regulamentar das concessionárias de energia devem ser mais discutidas com o setor privado.

Um tema importante a ser discutido no curto prazo é a renovação das concessões de distribuição de energia, sendo que há um detalhe importante na regulamentação. As concessões passam por revisões tarifárias (ciclos de quatro anos em média) sendo que a remuneração do capital é ajustada para refletir investimentos realizados na concessão. Dito isto, qualquer ônus criará um desequilíbrio na concessão, o que contraria a metodologia da avaliação baseada em remuneração da base de ativos.

Segundo os analistas do UBS BB, o Ministério de Minas e Energia pode propor uma renovação de concessões de distribuição com critérios semelhantes aos adotados no decreto 8.461/2015. Ou seja, sem impor custos adicionais, mas exigindo maior qualidade e investimentos na concessão. “No entanto, não descartamos a possibilidade de outros ministérios como o Ministério da Fazenda ou a Casa Civil poderem exigir custos adicionais nos critérios de renovação”, avaliam.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.