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SÃO PAULO – Já não é mais novidade que o ânimo do mercado diante da queda de Dilma Rousseff nas pesquisas eleitorais ocorre por causa do descontentamento dos investidores com as recentes intervenções do governo em diversos setores da economia, como elétrico e os bancos. O professor Sérgio Lazzarini falou durante podcast com a Rio Bravo Investimentos sobre o crescimento da participação do Estado na dinâmica econômica do País, influenciando principalmente o setor privado.
Lazzarini é autor dos livros “Capitalismo de Laços”, publicado pela editora Campus/Elsevier, e “Reiventing State Capitalism”, obra que será editada no Brasil pela Companhia das Letras ainda em 2014. Além disso, ele é PhD em Administração pela John M. Olin School of Business (Washington University), Mestre em Administração pela FEA e professor titular de Organização e Estratégia e diretor de Pesquisa e Pós-Graduação do Insper.
Para Lazzarini, mesmo após o período de privatizações dos anos 1990, as relações existentes entre governo e os negócios permanecem determinantes para a prática empresarial no Brasil, num cenário que só tende a ficar mais complexo com a provável proibição do financiamento privado para partidos e políticos. Veja abaixo a transcrição da entrevista:
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Rio Bravo – Como que um professor de estratégias de empresas se transformou em um analista desse cenário do capitalismo de Estado?
Sérgio Lazzarini – Por uma razão bastante simples. Estando no Brasil não há como fugir desse tema. Por exemplo, há um terço de chance de encontrar na bolsa de valores certa empresa com algum tipo de capital estatal. O Estado como proprietário, pode-se considerar a participação de empréstimos no BNDES, onde se tem 70% de chance, então é muito comum a presença do governo nas empresas brasileiras.
RB – Em termos de pesquisa, você chegou a esse tema especificamente a partir da discussão sobre o papel do BNDES ou isso aconteceu por outros meios?
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SL – Aconteceu da seguinte forma: por volta de 2003 fui convidado para participar de um grupo internacional de pesquisa, onde se queria desvendar a relação dos proprietários dos principais países do mundo e eu fiquei responsável pelo Brasil. Coletamos muitos dados sobre quem são os proprietários das empresas brasileiras – lembrando que 2003 e 2004 tinham acabado os processos de privatizações no Brasil. Analisando os dados, pude perceber que mesmo após as privatizações, tivemos muitos proprietários ligados ao Estado nas empresas, notadamente o próprio BNDES e fundos de pensão de estatais. Isso chamou muito a atenção e o que fiz de lá para cá foi me aprofundar mais, entender as razões desse fenômeno, como ele mudou e fui atualizando esses dados até hoje.
RB – As privatizações dos anos 90 não deveriam ter representado uma quebra entre essa dinâmica de intervenção do Estado e passado de vez as discussões e ações para a iniciativa privada?
SL – O que aconteceu foi que durante as privatizações, basicamente se sedimentou um modelo, que chamamos de “Leviatã Minoritário”, que é o Estado minoritário nas empresas. Então se saiu de muitas empresas estatais que eram totalmente controladas por Estados muito grandes e se disseminou a participação do Estado em pequenas participações de várias empresas. Foi de certa forma, uma mudança da natureza da presença do Estado, mas não necessariamente uma mudança se o Estado está presente ou não.
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RB – Existe algum princípio ideológico que serve como referência para esse modelo de capitalismo de Estado?
SL – Em geral, quem está mais alinhado com uma perspectiva de coordenação da economia, de operar em uma linha desenvolvimentista, onde se está preocupado com falhas de mercado, normalmente vai se achar mais benefícios no capitalismo de Estado. Até quero dizer que não somos contra, necessariamente, essas formas de atuação do Estado em empresas, a questão é ver como isso vai acontecer. Até porque temos estudos que mostram, por exemplo, que o próprio BNDES em momentos da economia brasileira, do final do século passado, teve certo papel importante.
RB – Durante a ditadura militar havia uma intervenção maior do Estado, da mesma forma que nos últimos 12 anos essa intervenção também tem acontecido de maneira drástica. Podemos dizer que por isso que aparentemente existiria esse vínculo ideológico, só que ele não necessariamente está unido por esse tipo de princípio?
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SL – Se pegarmos os militares, como exemplo, eles eram muito pró-coordenação ou pró-desenvolvimentismo naquela época. Aliás, em termos de perspectiva é muito parecido com o que estamos vivendo agora, eu vejo um ponto de inflexão ocorrendo sobre o governo Dilma. Pós privatizações não se sedimenta o modelo do Leviatã Minoritário, mas o que acontece sob o governo Dilma é uma volta a esse Leviatã Majoritário, que é o grande uso de estatais totalmente controladas pelo Estado para influenciar preços e a economia como um todo.
Por exemplo, a Petrobras não vai poder aumentar o preço da gasolina como se gostaria, porque se quer controlar a inflação, isso vem diretamente do governo controlar essas estatais, que foi o que aconteceu muito no período militar e posteriormente na década de 80. Aconteceu que no começo da década de 90, 50% das estatais estavam perdendo dinheiro.
RB – Essa influência pode ser entendida como majoritariamente negativa?
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SL – Podemos dizer o seguinte, se uma estatal não for buscar objetivos além de lucro, ela não precisa ser estatal. Uma empresa estatal pode ter uma estratégia que vai incluir certos objetivos sociais, mas isso deve ser discutido na sociedade, onde se deve ter um mandato claro e uma regra estável de atuação. Exemplo é o de um banco público, que pode ter uma maior preocupação em suprir áreas mais remotas. O problema é quando as regras se modificam muito e para realizar essas intervenções começa a sacrificar a saúde financeira das empresas controladas pelo Estado e de outros veículos estatais. Quando isso ocorre, não tem outra consequência a não ser a de que o sistema vai quebrar.
Infelizmente estamos caminhando nesses dois últimos anos, principalmente, nessa linha de usar o sistema para influenciar preços, com consequências que foram aquém do desejado e com uma conta que teremos que pagar no futuro.
RB – É possível afirmar que houve uma escalada dessa atuação do Estado nos últimos 12 anos?
SL – Durante o governo FHC e o primeiro mandato Lula, tinha essa participação do Estado, que foi remanescente das privatizações. No segundo mandato Lula, teve uma tendência de aumento da atuação, principalmente do BNDES, e isso não começa por conta da crise de 2008, começa antes. Por isso, que muitos movimentos de formação dos chamados “campeões nacionais” com crédito estatal estavam começando antes da crise.
Então, sobre o Lula, se teve essa grande tendência, que é o apoio aos grandes grupos, que também não deram certo como nós estamos vendo atualmente. Já no governo Dilma, volta essa tendência do Leviatã Majoritário, que é fazer realmente intervenções diretas usando as estatais. É como se fosse um pêndulo, tínhamos estatais totalmente controladas até a década de 80, depois vieram às privatizações que moveram primeiramente ao sentido Estado minoritário, mas agora voltou de novo esse pêndulo para esse tipo de atuação que não víamos já há muito tempo.
RB – A crise econômica de 2008 de alguma forma legitimou essa intervenção no Brasil?
SL – A participação do Estado, como já disse, já estava ocorrendo. Durante as privatizações um dos argumentos para se manter BNDES e fundos de pensão nas empresas privatizadas era que o Estado pudesse permanecer e ter certa participação, pelo menos um pouco, nessas empresas. Sempre houve essa preocupação sobre privatizar completamente. Nosso processo de privatização foi muito criticado por grupos mais de esquerda. De fato, a crise de 2008 passou um sinal de que os mercados não funcionam, o que é discutível. Tem várias discussões sobre qual foi a causa da crise e a consequência ou reação foi mover novamente o pêndulo em uma forte ação de defesa de um Estado mais ativo, quanto também poderíamos ter continuado nossa trajetória de reformas.
A crença, por exemplo, se o BNDES não tivesse expandido muito durante a crise, teríamos entrado em algum tipo de recessão, também é discutível, porque nossa economia naquele período estava muita em função de uma conjuntura internacional ditada muito pela China. A China continua crescendo logo depois da crise e nós viemos a reboque. São anos relativamente bons, as pessoas superestimaram qual o efeito do Estado em tentar salvar a economia, teve um papel, mas foi superestimado e isso continua no atual governo.
RB – Para o investidor estrangeiro como é essa intervenção?
SL – Acho que com reação negativa. Vou colocar da seguinte forma, o investidor não tem medo das estatais em geral, tanto é que teve um relatório de um banco muito conhecido há um tempo, inclusive recomendando investimentos em empresas controladas pelo Estado. As empresas com participação do Estado, como a Vale que tem uma participação minoritária ou até mesmo a Petrobras, são empresas que controlam recursos naturais do país, que podem gerar lucro e valor. A questão é que quando os investidores começam a perceber que há uma intervenção incerta, quando as regras do jogo mudam e fica muito difícil de prever, realmente se causa um grau de incerteza para certo investimento que se reduz a atratividade.
RB – No plano internacional quais são países que adotam estratégias semelhantes às do Brasil?
SL – No plano internacional se tem uma gradação, exceto por alguns países anglo-saxônicos, em que se tem muito a participação do Estado. Na Europa continental, na França, por exemplo, há empresas que têm uma participação minoritária do governo. Então, tem uma gradação grande, diferentes graus de intensidade, a China seria um caso onde o peso estatal é muito forte, com muitas empresas controladas pelo Estado. O Brasil está em um campo em que, na sua maior parte, o Estado é minoritário o que é similar, por exemplo, à Índia. Mesmo que, como já disse, houve recentemente uma tendência a usar as estatais totalmente controladas pelo Estado.
Há uma grande variedade de modelos no mundo, a questão não é qual o modelo melhor ou qual o pior, e sim como se faz funcionar cada modelo ou como se evita excessos. No nosso livro, nós comparamos a Petrobras com uma petrolífera da Noruega, a Statoil, e fica claro que essa petrolífera tem um padrão de governança excepcional em funções de várias condições, inclusive condições institucionais do país, pesos e contrapesos no sistema político para evitar que o governo faça uma intervenção como agências reguladoras fortes, que também impedem esse tipo de ação discricionária, onde tornam a ação do Estado mais efetiva.
RB – Estamos a alguns dias da abertura da Copa do Mundo e quando o evento foi anunciado há sete anos houve uma grande expectativa da atuação da iniciativa privada nas construções das obras, por que essa expectativa não foi correspondida de um plano de atuação dessas empresas?
SL – A saída muito fácil que o governo tem feito é de, por exemplo, precisar de um projeto e falar está aqui o BNDES. Existem algumas questões como o que aumenta a atratividade do investimento para o investidor, como se cria um marco regulatório que tenha confiança de que vai ser um bom investimento, se está fazendo um estágio, como é que o governo local pode criar uma condição de entorno na região para aumentar a atratividade desse investimento, ou seja, vias de acesso e outros tipos de investimentos.
Isso não é feito e o mais fácil é abrir a “torneirinha” do BNDES. Em São Paulo tinha até uma opção de um estádio que seria privado, mas se optou por outro que foi escolhido com uma grande parcela de investimentos do BNDES. Acaba sendo sempre assim, se quer fazer tal projeto, colocam o BNDES para compensar, ao invés de ver qual o melhor arranjo para a sociedade e atrair investimentos.
RB – Está em discussão no STF a proibição de doações de empresas para candidatos e partidos políticos, se isso efetivamente acontecer quais serão os impactos para o cenário político empresarial?
SL – Essa questão do financiamento de campanhas é muito importante, em minha opinião, para explicar várias coisas. Pois os partidos políticos precisam de recursos e acabam usando as empresas, depois deputados vão ao congresso e pedem emendas, investimentos, que acabam beneficiando as empresas doadoras. Temos muitas evidências no Brasil de que isso ocorre e isso é um problema. Se acabar com o financiamento privado, não necessariamente essa dinâmica será rompida porque não está se acabando com o problema estrutural, que são as campanhas políticas que no Brasil são muito caras, ter que fazer peças publicitárias quase que cinematográficas e comícios estrondosos.
Esses esquemas não vão acabar simplesmente com a eliminação da doação privada, então não se está resolvendo a raíz do problema, que é reduzir o custo elevado de campanhas e tornar esses processos mais transparentes.
RB – Quais seriam as consequências se um grande empresário virasse totalmente as costas para o que acontece no cenário político?
SL – O empresário não pode fazer isso, o Estado brasileiro é muito forte, então ele tem que estar antenado às regras e quando um Estado é muito intervencionista ou principalmente quando é aquele intervencionista incerto, que não se sabe o que ele pode fazer. Tem que circular por Brasília, ter contatos. Isso é tempo gerencial devotado para esse tipo de atividade que poderia ser devotado para outras atividades como inovação, geração de novos produtos, entre outros, em que o empresariado poderia contribuir muito.
RB – O que o caso Eike Batista tem a nos ensinar sobre esses dois termos que você adota, que é o capitalismo de laços e o capitalismo de Estado?
SL – O Eike começou a lançar seus negócios no âmbito do setor privado quando o Brasil estava bem, rapidamente ele começa a descobrir os benefícios de conexão com o setor público. Doações para políticos diversos em nível estadual, depois contatos em nível federal e consegue os recursos públicos. Ele consegue perceber que em tese, ele tem essa habilidade de contato, começa a se diversificar muito e as empresas vão perdendo foco, não consegue gerar resultados. E não dá certo. Acho que isso é uma mistura de diversificação excessiva com uma confiança ou pretensão muito grande de receber recursos do Estado e essa fórmula acabou não dando muito certo.
RB – O principal vício dele teria sido ter acreditado que seria esse grande ator, campeão nacional?
SL – Ele poderia ter sido um campeão nacional diversificado, com vários negócios e usando esses laços que ele, em tese, havia construído.