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Tomou posse nesta quinta-feira (14), após aprovação em assembleia de acionistas e pelo conselho de administração da Petrobras (PETR3;PETR4), o químico industrial José Mauro Ferreira Coelho, como presidente da petroleira.
Com isso, encerra-se o mais recente período de instabilidade criado na empresa, desde que o presidente Jair Bolsonaro (PL) anunciou a demissão de Joaquim Silva e Luna, após meses de críticas à política de preços da Petrobras.
Antes da indicação de Coelho, a União Federal – maior acionista da empresa, com 28,67% do capital total e 50,26% das ações com direito a voto – havia apontado o nome de Adriano Pires, fundador, sócio e dirigente do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), como de CEO da Petrobras.
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Sua atuação no CBIE como consultor do setor de óleo e gás, de empresas multinacionais concorrentes da Petrobras, porém, acendeu o alerta do Ministério Público Federal do Tribunal de Contas da União (TCU), que pediu apuração sobre possível conflito de interesse na indicação, fazendo com que o executivo declinasse da indicação.
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Reviravolta no comando da Petrobras
Analistas consultados pelo InfoMoney destacam que essa última reviravolta no comando da maior empresas brasileira ampliou o seu desgaste, que vem desde os tempos do escândalo da Operação Lava Jato, da ingerência no preço dos combustíveis e das indicações com viés político.
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Desde que assumiu o Planalto, o presidente Jair Bolsonaro já demitiu dois CEOs por insatisfação com a política de preços praticada, que varia conforme a cotação do barril do petróleo no exterior. Antes de Joaquim Silva e Luna, havia sido Roberto Castello Branco a deixar o posto, por discordar do governo.
Entretanto, o fato de pré-requisitos para a aprovação do nome de Coelho ao cargo terem sido levados em consideração, com a necessidade de sua aprovação nas instâncias internas de controle, mostram que há uma evolução, finalmente, na governança da Petrobras.
Instrumentos de controle
Parte deste momento atual remonta a 2016, ainda em meio ao turbilhão da Lava Jato, quando foi sancionada a Lei das Estatais. Foi um esforço do governo de Michel Temer e do Congresso de sinalizar ao mercado maior separação entre o mundo político e a gestão dessas companhias.
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Luiz Marcatti, sócio e presidente da Mesa Corporate Governance, ressalta que a lei prevê “obrigatoriedade de investigação sobre candidatos a cargos executivos [para garantir] que não tenham conflitos de interesses deles e de familiares diretos, até terceiro grau de parentesco”.
“Tudo o que você não deseja em uma estatal é que entre alguém para administrar com interesses cruzados, com fornecedores, clientes, investidores interessados em coisas que não sejam o bem da companhia como um todo”, afirma.
Pedro Melo, diretor geral do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), afirma que o avanço da lei foi o de “fazer uma separação do mundo político, e colocar o mundo técnico de boa governança como referência para a gestão de uma organização pública. Junto com isso vieram diversos dispositivos de boa qualidade”.
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Pouco após a Lei das Estatais, a Petrobras aprovou em 2017 seu novo estatuto, que inclui uma cláusula que impede seu sócio controlador, o governo, de tomar decisões que afetem o desempenho da companhia “em prol de ações políticas”, diz Marcatti.
O estatuto institui ainda os comitês de pessoas e de governança e compliance da Petrobras, que avaliam nomes indicados a cargos de gestão. Foi exatamente isso que ocorreu com o escrutínio de Coelho pelo comitê de pessoas, uma etapa anterior à deliberação do nome em assembleia.
Segundo Orleans Martins, head de pesquisa e desenvolvimento do TC Labs e professor de governança e valuation, enquanto a “Lei das Estatais indica que o indicado seja adequado ao cargo, tenha reputação ilibada, que não tenha vínculos de parentesco, ou mesmo empregatício com controladas, com demais pessoas físicas ou jurídicas diretamente relacionadas com a empresa”, o comitê de pessoas “verifica se a pessoa indicada se adequa ao perfil desejado e exigido pela legislação”.
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Já o comitê de governança, verifica “se a empresa está de acordo com toda a legislação aplicável para ela”, incluindo a Lei das Estatais. “É rotina fazer a verificação preventiva para que a empresa não sofra alguma penalização”.
Pires e Landim não passariam
Na avaliação de Marcatti, tanto Pires quanto Landim “facilmente seriam avaliados como conflitados para assumir posições administrativas dentro da Petrobras”, com base nas regras aplicadas desde 2016. Assim, retiraram seus nomes antes mesmo que um veto fosse aplicado pelos comitês.
Ele ressalta ainda que houve pressão por parte de investidores internacionais, que “têm sistemas de informação que agem muito rápido”. Havia “várias recomendações e analistas internacionais vetando o nome deles”.
Como acionista majoritário da Petrobras, haveria espaço para que o governo impusesse ambos os nomes. Mas isso traria um custo. O governo poderia ser questionado na esfera administrativa junto à CVM e, no limite, as indicações poderiam ser levadas à Justiça.
“O comitê de pessoas não manda nada, ele recomenda e avisa: cumpre todos os quesitos ou não cumpre”, diz Renato Chaves, especialista em governança corporativa. “Acho que foi, nesse momento, algo bem ponderado. O governo colocou na balança e viu o desgaste de bater pé firme e colocar um candidato que o comitê de alguma forma diz que não atende aos quesitos”, diz.
Melhora, mas não blinda
“Antes da existência da Lei das Estatais, isso [as indicações] seria mais simples de ser efetivado. Antes da Lava Jato, a maior parte dos conselheiros da Petrobras era formada por ministros, como o de Minas e Energia, Fazenda, Casa Civil. Era comum ver uma série de políticos, e não necessariamente pessoas técnicas” nos cargos, afirma Martins.
Marcatti diz que “toda vez que o governo indica um nome, ele não tem apenas olhar técnico, sempre tem um viés político. Agora, com a somatória da Lei das Estatais e o estatuto revisado, isso fica mitigado”.
Os especialistas destacam, no entanto, que essas mudanças não blindam completamente a governança da Petrobras. Chaves ressalta que os nomes de Pires e de Landim se tornaram alvo de críticas por conta de conflitos de interesse empresarial, e não por sinais de apadrinhamento ou ingerência política. Ele avalia que mesmo diretores punidos durante a Lava Jato tinham credenciais que justificavam suas indicações.
“Esses antigos diretores não chegavam na empresa dizendo ‘trabalho aqui há 40 anos e sou apadrinhado de fulano’, afirma. Quando há algo do tipo, “é confidencial”, um diretor “não chega com um carimbo ‘indicado de fulano’. Ele tem uma história de vida na empresa, anos e anos de chefia. A indicação política é impossível de avaliar” na maioria dos casos, afirma.
Marcatti avalia que as mudanças criaram uma situação em que, caso queira influir nos preços, o governo não tem alternativa “a não ser mexer na estrutura de impostos, criar na conta do governo algum colchão que amortize isso, que ele consiga conter o preço”, o que implica “uma reforma tributária ampla”.
Governo quer manter influência
No dia 5 de abril, o presidente da Câmara e membro da base de apoio do presidente Jair Bolsonaro, Arthur Lira (PP-AL), defendeu a privatização da Petrobras, assim como a revisão da Lei das Estatais.
“Ela é uma empresa estatal. Se ela não tem nenhum benefício para o Estado nem para o povo brasileiro, que vive reclamando todos os dias dos preços dos combustíveis, que seja privatizada”, afirmou.
Ele disse ainda que “o compliance que existe na lei das estatais e, principalmente, na questão da Petrobras inviabiliza qualquer pessoa do ramo a atuar como presidente da Petrobras e agir com sabedoria, com firmeza na gestão desse processo”.
Além disso, na mesma votação da assembleia de acionistas que avaliou nomes para a diretoria na última quarta-feira, Ministério de Minas e Energia (MME) pediu que fossem retiradas da pauta itens com potencial de reforçar a governança corporativa da Petrobras.
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As mudanças propostas visam dar mais publicidade e criar uma barreira para eventuais tentativas de ingerência política. Uma delas seria exigir a presença de dois terços dos acionistas para admitir ou demitir o diretor de Governança e Conformidade da estatal, em vez de maioria simples.
O MME alegou que a mudança do estatuto não teria cumprido o rito, ou seja, não foi submetida à apreciação do ministério supervisor, conforme prevê portaria do Ministério da Fazenda.
A proposta de mudança, porém, passou pelo trâmite burocrático, de acordo com fontes ouvidas pelo Estadão. Isso porque, em 11 de fevereiro, o diretor de Conformidade, Salvador Dahan, teria se reunido com o chefe de gabinete do MME, José Roberto Bueno Junior, quando a pauta da assembleia e mudança do estatuto foram apresentadas, sendo depois disso formalizada por e-mail.
Na avaliação de Marcatti, a revisão da lei “é o maior risco de desgovernança que pode ter: abrir brechas para os políticos intervirem nas empresas. É o que deixou as empresas na condição horrível em que estão”.
Danilo Gregorio, diretor de relações institucionais e governamentais do IBGC, afirma que “a lei foi uma boa notícia, algo esperado para fortalecer governança, reduzir ritmo de corrupção, aumentando independência dos conselhos. Qualquer mudança que vá contra seria uma má notícia, que poderia prejudicar a imagem do país, até internacionalmente, afastando investidores. As regras são boas”.
Na avaliação de Chaves, caso o governo deseje instituir formas de atenuar variações de preços dos combustíveis usando a Petrobras, precisa criar mecanismos de ressarcimento à empresa.
Ele cita como exemplo nesse sentido o estatuto do Banco do Brasil. “Fica bem claro que contratações que sejam de interesse da União, do Tesouro, têm que ter um amparo financeiro. O governo tem que colocar recursos à disposição do banco como forma de remuneração”.
Da mesma forma, o governo poderia ressarcir a Petrobras caso exercesse algum tipo de controle de preços. “Tem que olhar lá fora, como outros países fazem, mas dá para criar uma regra que atenda o interesse do Estado e da companhia”, diz.
Martins, do TC Labs, tem uma avaliação similar. “A melhor solução que parece existir é que o governo tenha um caminho para contornar o aumento dos preços, sem interferir e com recursos que detém, aproximadamente um terço da empresa. E não o resto, pois penalizaria os investidores que detêm os outros dois terços”, concluiu.
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