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Divulgado no primeiro dia de junho, o dado do PIB do primeiro trimestre de 2023 (1T23), muito acima do esperado, com alta de 1,9% frente o 4T22 (ante consenso de 1,2% a 1,3%), foi visto como um dos gatilhos para guiar a alta de cerca de 7% do Ibovespa em 2023 até o fechamento da sessão da última sexta-feira (9).
Porém, uma questão que ganha destaque é sobre como esse desempenho da atividade econômica brasileira se reflete nos diferentes setores da Bolsa brasileira, com vários deles ainda passando por desafios para sua recuperação.
O grande destaque, conforme ressalta o Bradesco, foi o resultado forte do PIB da Agropecuária, com alta de 21,6%, ante expectativa do banco de avanço de 13%. “Se isolássemos o efeito direto do Valor Adicionado pela agropecuária, observaríamos uma aceleração do PIB de -0,2% no 4T22 para alta de 0,7% no 1T23”, avaliam os economistas.
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Tanto a Indústria (-0,1%) quanto os Serviços (+0,6%) vieram em linha com o esperado pelo banco. Já pela ótica da demanda chamou atenção o recuo dos investimentos (-3,4%), o que também gerou alerta sobre a sustentabilidade da alta da atividade econômica. Essa queda foi compensada pelo setor externo forte, com crescimento de 7,1%. O consumo das famílias teve alta modesta de 0,2%, mas com dinâmica ainda forte numa perspectiva anual, apontam os economistas (+3,5%).
O recorte de PIB pelos setores mais sensíveis aos juros registrou alta de 0,1% no 1T23, um desempenho melhor do que esperado (-0,3%) pelos economistas do banco. Já os setores menos associados à política monetária tiveram crescimento de 6,5%, puxados essencialmente pela expansão da agropecuária.
Olhando a composição do PIB, Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master, destaca a “safra explosiva” que capitaneou a alta do PIB. “Brasil triplicou sua safra desde os anos 2000. Isso ue ainda tivemos uma seca no Sul. Foi espetacular”, avaliou.
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Porém, “abrindo os números temos a diferença de vários ‘Brasis’. PIB Industrial caiu 0,1%. Indústria contraiu enquanto o Agro teve uma expansão brutal. PIB de serviços subiu 0,6%, também positivo, representando boa parte da economia brasileira”, aponta.
Luis Azevedo, responsável pela área de equity research da Oriz Partners, também reforça a surpresa positiva, mas com um peso muito forte no setor agro, que não tem uma representatividade muito grande no Ibovespa. Portanto, o movimento de mercado não está exclusivamente atrelado ao PIB, mas também com números mais recentes de inflação um pouco mais benignos, que têm favorecido o fechamento da curvas de juros (nos mais variados vértices).
“O mercado tem precificado a antecipação do ciclo de queda de juros, incorporando 225 pontos-base de corte da Selic até o final de janeiro”, avalia.
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Essa visão de juros em queda tem favorecido ativos de risco, em especial empresas voltadas à economia local e um pouco mais alavancadas, se beneficiando assim com a chance de queda do custo de captação.
“Nas últimas semanas vemos uma rotação de ativos, com o mercado migrando de cases de commodities para empresas mais sensíveis a economia local (em setores como saúde, educação, incorporadoras e varejo), enquanto parece precificar mais o cenário da virada de juros que terá efeito no resultado das empresas no fim do ano e em 2024, e observar menos o resultado de curto prazo das empresas”, complementa.
Nesse sentido, Azevedo vê a reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN), formado pelo Banco Central, Ministério da Fazenda e Ministério do Planejamento, no dia 29 de junho, como evento importante. Para o especialista, caso o conselho mantenha a meta de inflação em 3% para os próximos anos, isso deve continuar favorecendo a melhora das expectativas do mercado para a inflação no médio prazo, o que pode dar continuidade no movimento de fechamento de curva de juros e pavimentar a melhora do mercado de ações.
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“A bolsa de valores captura pouco da melhora do PIB, pois os segmentos que foram bem no PIB, especialmente agropecuária, não têm muita exposição na bolsa. O PIB melhor traz um ânimo melhor entre os investidores porque mostra que o dinamismo da economia não está tão ruim quanto se imaginava e também coloca o Brasil em posição de destaque no mundo como uma das economias que mais cresce em um ambiente de desaceleração generalizada”, aponta.
Mas, olhando para a demanda doméstica, o PIB foi fraco, com queda de 0,5% da absorção doméstica, que é a soma do consumo das famílias, do governo e dos investimentos.
“A queda da demanda doméstica no dado do PIB e os fracos dados de crédito que saíram praticamente juntos confirmam a necessidade de uma política monetária menos restritiva à frente. Não à toa os juros futuros só caem desde que foram divulgados esses dados. Se o PIB tivesse sido muito robusto, os juros teriam que subir, porque significaria mais inflação à frente. Não foi essa a leitura. O PIB melhor ajuda também a melhorar os prognósticos para o endividamento público, uma vez que sempre é feito com relação ao tamanho do PIB”, aponta.
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Na mesma linha, Jennie Li, estrategista da XP Investimentos, avalia que o PIB em si não teve um impacto direto para a Bolsa em geral, mas que a conjuntura atual tem favorecido uma visão mais positiva para as ações brasileiras.
“Temos mudado para uma visão mais construtiva da Bolsa brasileira. Do lado fiscal, incertezas se reduziram por conta do arcabouço. Apesar de não ser o melhor plano, foi melhor do que o esperado. Temos uma trajetória de controle dos gastos. Temos inflação melhorando, dados de atividade melhorando”, avalia, ressaltando também a perspectiva de queda de juros, dando espaço para o Ibovespa subir. No início do mês, cabe ressaltar, a XP revisou para cima a sua projeção para o Ibovespa ao fim de 2023, passando de 128 mil para 130 mil pontos.
Os setores que ficaram (e ficarão) para trás
Já em relatório recente, o Bradesco BBI reiterou sua recomendação overweight (exposição acima da média) para as ações brasileiras dentro do seu portfólio de América Latina, mas destaca alguns pontos de cautela.
“O forte crescimento do PIB já ficou para trás. Após o crescimento do PIB no 1º trimestre de 2023 acima do esperado, o carrego estatístico para o ano subiu para 2,4%. Esperamos que o PIB cresça apenas 2,1% em 2023”, apontam os estrategistas.
O principal desafio macro do Brasil, avalia a equipe de estratégia, é entregar um ajuste fiscal que estabilize e reduza a relação dívida pública/PIB ao longo do tempo, sendo o arcabouço apenas um dos passos necessários nessa direção. Como os gastos do governo continuarão a crescer , o governo precisará encontrar receitas adicionais para cumprir as metas de superávit primário anunciadas, avalia. Um pequeno alívio para as contas fiscais pode vir do aumento esperado das receitas do governo à medida que a produção de petróleo aumenta (supondo que o preço do barril de petróleo convirja para US$ 60 ao longo do tempo), mas são necessárias mais medidas para aumentar as receitas.
Ao olharem para os setores que podem liderar e ficar atrás do crescimento do PIB em 2023, os estrategistas do banco apontam que o consumo básico provavelmente será resiliente, já que a renda real disponível deve crescer 3% este ano, a agricultura seguirá sendo beneficiária de safras recordes e os investimentos em infraestrutura podem ser apoiados por concessões anteriores.
Já os setores mais dependentes de crédito devem desacelerar mais e os estrategistas também esperam que os serviços percam fôlego na segunda metade deste ano.
Neste sentido, muitos analistas, mesmo vendo um cenário de queda de juros, ainda questionam se eles serão suficientes para levar a uma recuperação dos segmentos mais ligados ao crédito.
No início do mês, os analistas do JPMorgan revisaram as recomendações para o setor de varejo eletrônico. Cautelosos, os especialistas rebaixaram a recomendação para as ações de Magazine Luiza (MGLU3) e de Via (VIIA3). A recomendação para MGLU3 foi cortada de overweight (exposição acima da média, equivalente à compra) para neutra, enquanto para VIIA3 foi cortada de neutra para underweight (exposição abaixo da média, equivalente à venda), sem preço-alvo para os papéis de ambas as companhias.
Os analistas revisitaram seus cenários para os players de e-commerce e varejo apontando que, em poucas palavras, veem uma perspectiva desafiadora para o segmento de itens duráveis de alto valor à luz da pressão de renda disponível dos consumidores, particularmente para a classe média baixa, que historicamente tem sido a base de clientes da Via e do Magazine Luiza.
Assim, conforme ajustaram sua curva de crescimento, os analistas cortaram as suas projeções para vendas esperadas em 2024 em cerca de 10% para MGLU3 e em 15% para VIIA3 o que, em conjunto com a maior alavancagem, devem levar a um prejuízo para ambos os players em 2023, com o fluxo de caixa livre pressionado, apesar da expectativa de corte da taxa Selic.
“Já começamos a ver a qualidade do crédito melhorar marginalmente para a maioria dos varejistas brasileiros, o que reflete das taxas de aprovação mais rigorosas e crescimento mais lento do crédito em 2022”, diz a equipe do banco americano, liderada por Irma Sgarz. “Acreditamos que o programa possa acelerar ainda mais a redução de risco das carteiras, levando a um aumento da lucratividade no segundo semestre de 2023”.
Os principais beneficiados nesta frente, de acordo com o Goldman, são Carrefour (CRFB3), Lojas Renner (LREN3), Magazine Luiza, Via e Mercado Livre (MELI34). Ainda não esperados mais detalhes sobre as medidas.
Assim, por mais que o dado do PIB do primeiro trimestre tenha sido visto como uma notícia positiva para a Bolsa brasileira por mostrar resiliência da economia, pode-se observar que ele não foi o principal gatilho para a alta do índice. Dada a disparidade também entre os diversos segmentos, por mais que o dado geral fosse visto como mais positivo, analistas ainda mostram cautela ao olhar para diferentes setores da economia e o reflexo dele na Bolsa.