Pior dos mundos? Fed perde credibilidade, enquanto tese de recessão nos EUA ganha força com juro em alta

Para muitos analistas, autoridade monetária tem que correr agora "atrás da curva" com aperto mais forte, com o preço sendo pago pela atividade econômica

Lara Rizério

Jerome Powell, presidente do Fed (Foto: Samuel Corum/Getty Images)
Jerome Powell, presidente do Fed (Foto: Samuel Corum/Getty Images)

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Um mal necessário para controlar a inflação ou um grande erro de política monetária? Para muitos analistas do mercado, a decisão do Federal Reserve da semana passada de subir a taxa de juros em 0,75 ponto percentual (no maior aumento percentual desde 1994, com as taxas indo de 1,5% a 1,75%), depois de sinalizações de última hora do Fomc (o comitê de política monetária do BC dos EUA), pode se encaixar nas duas situações.

Tal medida, além de ser vista por muitos como atrasada, passou a indicar uma diminuição da credibilidade do Fed pela maneira com que foi feita, assim como as projeções para a economia passaram a ser vistas como pouco críveis. Ao mesmo tempo, a visão de uma inflação ainda resiliente e a necessidade de subir juros a um patamar visto como restritivo (que desacelera a economia) vem aumentando cada vez mais as probabilidades de recessão nos EUA.

Vincent Reinhart, economista-chefe da Dreyfus and Mellon, que trabalhou por 24 anos no Fed, do qual foi diretor, criticou o BC americano, principalmente o timing para a elevação de juros.

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“O Fed está bem atrás da curva, começou a subir os juros muito tarde e deveria ter sido mais agressivo no início deste processo. Mas, como a inflação está muito alta, o que já elevou as expectativas para os índices de preços, precisou agir com força e elevou a taxa mais do que o Banco Central do Brasil no mesmo dia [o Copom brasileiro elevou a Selic em 0,5 ponto percentual]”, apontou o economista em entrevista ao Broadcast.

Reinhart destaca que os membros do comitê do Fed trabalham duro para estabelecer um ritmo gradual na retirada da política acomodatícia e se comprometeram a subir os juros em 0,50 ponto porcentual por duas reuniões. “Contudo, dois dias antes do término do encontro de junho, foi expressado off the record (ou seja, sem revelar a fonte) a um único veículo de imprensa: ‘Deixe para lá, vamos aumentar 0,75 ponto porcentual’. Tudo isto aos poucos corrói a credibilidade do presidente do Federal Reserve para futuros compromissos”, reforçou.

Cabe destacar que operadores e economistas esperavam, em sua maioria, até a semana anterior ao Fomc, um aumento de 0,5 ponto nos juros, como as autoridades do Fed tinham sinalizado durante semanas. Contudo, as expectativas mudaram abruptamente no começo da semana que haveria a decisão de juros após um artigo no Wall Street Journal, seguido de notícias similares de outros meios, sugerir que os integrantes do Fed estavam alarmados com o agravamento da inflação e consideravam um movimento maior.

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A gestora Ashmore também aponta a mudança de visão do mercado às vésperas do Fomc após a notícia “vazada”. Além disso, ressalta que a virada hawkish (mais dura com relação à inflação) aconteceu nesta reunião, sendo que apenas três meses antes o Fomc ainda estava comprando ativamente títulos e orientando o mercado para um ciclo de alta ordenada. “Isso não ajuda a aumentar a credibilidade do Fed, em nossa opinião, pois todos os fatores que justificam a decisão da última semana já estavam presentes no trimestre passado”, destaca a equipe de análise da gestora.

Além disso, a taxa de desemprego nas projeções do Fed “continua muito rósea e inconsistente com o atual ritmo de alta e o severo aperto das condições financeiras da economia”, avalia.

Para 2022, a projeção dos dirigentes do Fed para a taxa de desemprego foi de 3,5% para 3,7%. Para 2023, saiu de 3,5% para 3,9%. Para 2024, a taxa passou de 3,6% para 4,1%. No longo prazo, os dirigentes acreditam que a taxa de desemprego seja de 4,0%, mesmo porcentual estimado em março.

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Já para a inflação, a mediana do índice de preços de gastos com consumo (PCE, na sigla em inglês) de 2022 subiu de 4,3% em março para 5,2% em junho,  enquanto a de 2023 caiu de 2,7% em março para 2,6% na última projeção. Em 2024, passou de 2,3% a 2,2%. Para a inflação no longo prazo, a estimativa foi mantida em 2,0%.

Com relação ao núcleo da inflação nos EUA, para 2022, a mediana subiu de 4,1% em março para 4,3%, enquanto a de 2023 avançou de 2,6% em março para 2,7% agora. Em 2024, foi mantida em 2,3%. Projeções para o núcleo do PCE no longo prazo não são coletadas.

Para 2022, a mediana para a taxa de juros em 2022 subiu de 1,9% em março para 3,4% agora. Para 2023, a projeção foi de 2,8% a 3,8%. E para 2024, de 2,8% a 3,4%. No longo prazo, o consenso dos dirigentes aponta para Fed funds a 2,5%, de 2,4% em março.

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Altas mais fortes: um grande erro de política? 

Sobre as sinalizações para os próximos encontros, na conferência de imprensa após a reunião, o presidente Jerome Powell disse que “as taxas de juros, o formato da curva de yields, os spreads de crédito e as ações vão nos dizer quão restritivos somos e quão bem-sucedidos provavelmente teremos em desacelerar a inflação” e prometeu manter taxas reais positivas em toda a curva para desacelerar a alta da inflação.

Para a Ashmore, este é um problema porque, a muito curto prazo, a inflação depende principalmente dos choques dos preços de energia e de alimentação causados ​​pela guerra na Ucrânia. “Considerando que as decisões do Fed hoje afetam a inflação com uma defasagem de 6 a 18 meses, o Fed já atingiu o objetivo declarado por Powell, pois a taxa de juros real de 1 ano já está em +1% [ante -2% em dezembro de 2021, e estava positiva antes da decisão]”, aponta.

Atrelar as taxas reais de curto prazo a um nível positivo significa elevar as taxas de juros até o nível da inflação atual, avalia, algo que implicaria um choque maciço para os EUA e os sistemas financeiros globais e, em última análise, inatingível considerando os níveis atuais de dívida.

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“Tudo considerado, o Fed se colocou no caminho para o segundo erro de política em dois anos, caminhando agressivamente para uma economia enfraquecida, em nossa opinião”, destaca a gestora. O modelo do Fed de Nova York vê “as chances de um pouso forçado… como ocorreu durante a recessão de 1990 de cerca de 80%”, enquanto a probabilidade de um ‘aterrissagem suave’ no qual o Produto Interno Bruto permanece positivo nos próximos 10 trimestres é de apenas 10%, reforça.

A secretária do Tesouro, Janet Yellen, disse que a economia provavelmente desacelerará e que a inflação permanecerá elevada durante o restante de 2022, depois de admitir que estava errada em seu prognóstico de 2021 de que a inflação provavelmente seria transitória.

A propósito, os dados econômicos enfraqueceram ainda mais, avalia a gestora, destacando que o Citibank Surprise Index caiu de -50,3 para -65,0, a 9ª queda semanal consecutiva. O índice de difusão de novos pedidos futuros da pesquisa do Fed da Filadélfia caiu para níveis negativos pela primeira vez desde 2008. As vendas no varejo caíram 0,3% em maio, depois de subir 0,7% em abril (revisado para baixo de 0,9%), enquanto a produção industrial desacelerou para 0,2% em maio, de 1,4% em abril (revisado de 1,1%). A construção de moradias caiu para 1,55 milhão em maio, de 1,81 milhão em abril (revisado de 1,72 milhão). A pesquisa Empire Manufacturing, por sua vez, teve melhora para -1,2 em junho de -11,6 em maio, mas aina permanecendo em território negativo.

Para Alberto Bernal, estrategista internacional da XP, entregar agora grandes aumentos de juros (ou seja, de 0,75 ponto percentual) em uma economia que já está desacelerando acentuadamente corre o risco de ser um erro de política material, mas o BC americano sentiu a necessidade de fazer isso para recuperar a narrativa de ancoragem sobre a inflação.

Porém, apesar da inflação bastante forte registrada em maio (um dos motivos para elevação do ritmo de alta de juros na semana passada) e de perspectivas de preços altos de 5 a 10 anos pela Universidade de Michigan, segue com a projeção de que uma desinflação significativa de bens ocorrerá, o que contribuirá materialmente para amenizar algumas das angústias que o mercado está sentindo neste momento. Entre as indicações, destaca que o crescimento do frete nos EUA vem caindo de forma constante há muitos meses, enquanto o setor de habitação entrará numa trajetória descendente, “se não uma parada repentina completa”.

“A política monetária funciona com defasagem, e acreditamos que os mercados ainda estão errados no de aperto que está sendo precificado neste momento (em cerca de 4% no fim de ciclo). Acreditamos também que Powell foi bastante claro ao enviar uma mensagem de dependência contínua de dados para ambos os lados da equação quando mencionou que não esperava que movimentos como o último (de 0,75 ponto percentual) se tornassem comuns”, destaca Bernal.

A fala de Powell, associada à publicação da última estimativa do Atlanta Fed Nowcast, que agora está mostrando que o crescimento do segundo trimestre pode ser negativo – o que implica que a economia dos EUA entra em recessão técnica (quando a economia do país recua por dois trimestres consecutivos) -, leva a uma visão para o especialista de que o Fed não subirá tanto os juros.

Agora, Bernal espera que a instituição eleve os juros em 0,5 ponto percentual em julho, mais 0,5 ponto em setembro e 0,25 ponto em novembro, sendo forçado a parar de subir as taxas em 3%, levando em conta a probabilidade de que a economia esteja bastante fraca no fim do ano. “Além disso, reiteramos nossa opinião de que é improvável que o Fomc seja capaz de aumentar as taxas em 2023, como o mercado e as projeções da instituição indicam ser provável”.

Remédio necessário, mas (muito) amargo

Enquanto a visão de uma economia mais fraca é praticamente unânime, a medida do impacto da desaceleração da atividade sobre os preços é mais incerto, o que leva a visões bastante distintas sobre até onde o Fomc pode ir.

Márcio Fontes, gestor do ASA Hedge, em entrevista ao Macro Pickers, destacou que o Fed deverá subir os juros até 6% (taxa terminal) para conter a alta de preços. “Vai ter mais inflação, mais do que a gente está achando, porque o dinheiro [vindo dos estímulos econômicos por conta da pandemia e do quantitative easing] não virou pó ainda. Assim, tudo leva a crer que os juros estão mais na ordem de 6% [terminais] do que na casa dos 4% [que o mercado está atualmente precificando]”, avaliou Fontes.

Assim, avalia que o cenário de soft landing (ou ‘aterrisagem suave’ e gradual) da atividade não deve ocorrer por lá e que o “problema nos EUA é muito grande para ser endereçado sem recessão”.

A sua análise foi feita às vésperas da decisão do Fomc mas, desde então, os temores de uma recessão na maior economia do mundo só aumentaram.

O Bank of America (BofA) estimou que há 40% de risco de os Estados Unidos entrarem em recessão no ano que vem, em meio à combinação de crescimento econômico fraco e inflação persistentemente elevada no país. O banco destacou que o Fed ficou “atrás da curva”, demorando para agir no combate à escalada inflacionária, e enfrenta um horizonte desafiador.

Nesse cenário, a instituição prevê que os juros chegarão ao pico acima de 4%, antes de a inflação se estabilizar em cerca de 3% – superior à meta de 2% do Fed. O BofA também cortou a previsão para crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos no segundo trimestre, de 2,5% para 1,5%, após contração de 1,5% no primeiro trimestre.

O Goldman Sachs, por sua vez, vê uma chance de 30% de a economia americana entrar em recessão ao longo do próximo ano, acima de sua previsão anterior de 15%, destacando também a inflação recorde e o cenário macroeconômico fraco alimentado pela invasão russa da Ucrânia.

“O Fed tem antecipado os aumentos de juros de forma mais agressiva, as expectativas para a taxa terminal aumentaram, e as condições financeiras se tornaram mais apertadas e agora indicam um peso substancialmente maior sobre o crescimento – um pouco mais do que pensamos ser necessário”, disseram os economistas.

O banco vê uma probabilidade condicional de 25% entrar em recessão no segundo ano se a evitar no primeiro ano, indicando uma probabilidade cumulativa de 48% para o horizonte de dois anos (ante 35% anteriormente). “Estamos cada vez mais preocupados que o Fed se sinta obrigado a responder energicamente à inflação elevada e às expectativas de inflação dos consumidores se os preços da energia subirem ainda mais, mesmo que a atividade diminua drasticamente”, acrescentou a equipe de análise econômica.

No momento, contudo, para 2022, a projeção do Goldman para o crescimento foi levemente reduzida de 2,5% para 2,4%, enquanto que para 2023 foi de 1,6% para 1,4%.

Alertas ganham força

Os alertas sobre a desaceleração da atividade já tinham ganhado força nas últimas semanas, com diversos grandes bancos e importantes empresários alertando para um período desafiador para a atividade econômica. Em meados do mês, Larry Summers,  ex-secretário do Tesouro e consultor econômico de governos democratas, disse ao programa State of the Union, da CNN, que os Estados Unidos precisam estar preparados para o risco de recessão.

“Acho que, quando a inflação está tão alta e o desemprego tão baixo quanto agora, quase sempre isso é seguido dentro de dois anos por recessão. Eu olho para o que está acontecendo nos mercados de ações e títulos, para onde está o sentimento do consumidor e acho que certamente há um risco de recessão no próximo ano e acho que, dado onde chegamos, é mais provável do que não que tenhamos uma recessão dentro dos próximos dois anos”, afirmou.

Já nesta semana, falando no Fórum Econômico do Catar, organizado pela Bloomberg, Elon Musk, presidente-executivo da Tesla, avaliou ser mais provável ocorrer uma recessão nos Estados Unidos do que não acontecer. Ele reforçou ainda a sua fala anterior de que um corte de 10% dos trabalhadores assalariados da fabricante de carros elétricos acontecerá em três meses em meio a esse cenário, o que já pode ser uma indicação sobre qual pode ser o impacto das projeções mais fracas para a economia sobre o mercado de trabalho.

Para Reinhart, ex-diretor do Fed, a política monetária do Fed tornou inevitável a entrada em uma recessão aina neste ano, uma vez que a inflação é um grande problema que torna extremamente complexo o trabalho da política monetária.

Porém, avalia que  a recessão no curto prazo será leve, devendo começar no último trimestre deste ano e prosseguindo no primeiro de 2023. “Não será grave, inclusive porque o setor privado não enfrenta tantos desequilíbrios e poderá navegar bem durante tal período. O PIB dos EUA deverá crescer ao redor de 1,75% em 2022 e ficará estável no próximo ano, impactado pela recessão. Ele também avalia que taxa de desemprego deverá subir, e não seria uma surpresa se atingir o patamar de 6% (em 2024, ante projeção do Fed de alta para 4,1%).

Também para o Nomura, a economia dos EUA provavelmente enfrentará uma “suave recessão” no fim de 2022. “As condições financeiras devem se estreitar mais, os consumidores estão vivendo um significativo choque de sentimento negativo, os problemas na oferta de energia e alimentos pioraram e a perspectiva para o crescimento externo se deteriorou”, comentaram.

Contudo, mais do que uma recessão técnica no final deste ano, o grande temor dos investidores fica para a probabilidade de uma recessão mais forte no ano que vem, como apontaram o Goldman e o BofA, sem que haja ainda uma desaceleração a contento da inflação.

Na coletiva pós-decisão do Fomc, além de falar que alta de 0,75 ponto nos juros “não é comum” (apesar de não descartar a possibilidade de novas altas), Powell apontou que a política monetária dos EUA terá de ficar restritiva em meio ao cenário de elevada inflação, mas que o Comitê não está tentando provocar uma recessão na maior economia do mundo.

Assim, mesmo que ainda haja uma visão sobre a perda de credibilidade da autoridade monetária, as falas de dirigentes do Fed, com destaque para os discursos de Jerome Powell na quarta (22) no Senado e na quinta (23) na Câmara dos EUA serão acompanhados de perto pelos investidores, “pois podem indicar a disposição dos dirigentes para efetuar novos aumentos de 0,75 ponto percentual na taxa de juros”, conforme destaca o Safra. Por enquanto, a balança de riscos para o mercado tende cada vez mais para o lado negativo.

(com Reuters e Estadão Conteúdo)

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.