Qual é o significado da nova ofensiva de Donald Trump no front internacional?

A despeito do que alguns analistas apostavam como uma tendência ao isolacionismo no governo do republicano, os episódios recentes apontam para uma outra forma de atuação norte-americana no front geopolítico. É o que explica a cientista política Denilde Holzhacker

Marcos Mortari

(Joyce N. Boghosian/Casa Branca )
(Joyce N. Boghosian/Casa Branca )

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SÃO PAULO – O ataque dos Estados Unidos ao Afeganistão nesta quinta-feira (13) é mais uma demonstração de força do maior player do sistema internacional aos seus adversários e inimigos, mas também representa o empenho do governo Donald Trump em dar aplicação ao discurso de luta contra o Estado Islâmico empenhado durante a campanha eleitoral. Essa é a leitura que faz a cientista política Denilde Holzhacker, professora do curso de Relações Internacionais da ESPM.

Na avaliação da especialista, o uso inédito da bomba GBU-43/B — conhecida como “mãe de todas as bombas”, por se a mais poderosa de caráter não-nuclear, com 11 toneladas de explosivos — para um ataque na província de Nangarhar reforça uma nova lógica de segurança global: Washington usará a força quando julgar necessário. A despeito do que alguns analistas apostavam como uma tendência ao isolacionismo no governo do republicano, os episódios recentes apontam para uma outra forma de atuação norte-americana no front geopolítico. Para Holzhacker, a tendência é uma flexibilização da força das instituições internacionais e sua instrumentalização pela política.

Nesse sentido, a internacionalista lembra que o lançamento dos 59 mísseis contra a Síria e o ataque de hoje foram decisões unilaterais do presidente republicano. O Congresso não foi consultado, assim como o Conselho de Segurança da ONU. A professora argumenta que o órgão só foi acionado nesta semana para tratar de uma questão que já havia inspirado ações no plano geopolítico: o uso de armas químicas na guerra civil síria. Aliás, com o veto de Moscou a uma resolução que instalaria uma investigação da ONU sobre o episódio, o cenário internacional ganhou contornos ainda mais dramáticos.

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“A situação da Síria deflagrou uma série de ações. As relações dos EUA com China e Rússia vinham com maior grau de tensão. Agora, especialmente no caso russo, a situação piorou”, disse em entrevista ao InfoMoney. No caso chinês, Holzhacker observa uma pequena melhora, com os países entrando em uma espécie de negociação, apesar de haver uma acirramento na tensão na região da Península Coreana. Vale lembrar a declaração de Trump, em entrevista ao jornal The Wall Street Journal nesta semana, negando que o governo chinês é manipulador de câmbio — o que contradiz algumas de suas posições na campanha.

A deterioração das relações entre Rússia e EUA, diz a especialista, pode gerar mais instabilidade não só no Oriente Médio — uma vez que os dois países representam interesses conflitantes em situações como a guerra síria –, como também na Europa. É com esse pano de fundo que vem um endosso um pouco maior nos últimos dias de países alinhados a Washington mas que há algum tempo observavam com ceticismo um governo comandado por Trump. “[A postura de muitos países europeus] tem a ver com suas conjunturas domésticas e também um temor em contrabalancear o poder russo. Os Estados Unidos seriam o país a fazer isso”, observa. No entanto, ela alerta: situações de demonstração de força — como as duas recentes intervenções do governo Trump — podem gerar efeitos de contenção ou corrida armamentista.

Ao mesmo tempo, é importante chamar atenção para o cenário doméstico de baixa popularidade e dificuldades de governabilidade enfrentado por Trump. As ações no plano internacional — a primeira com o uso de uma narrativa humanitária de coibir o uso de armas químicas contra civis, e a segunda com o combate ao terrorismo — reverberam na opinião pública norte-americana, assim como na configuração de forças na política. Holzhacker chama atenção para a perda de força de um grupo mais radical de direita no governo do republicano, representado pela figura de Steve Bannon, assim como aliados mais anti-China. Na leitura da professora, os tradicionais militares das Forças Armadas ganharam força. Apesar de ver sinais de que se caminha para uma política externa mais tradicional para os parâmetros republicanos, a internacionalista ainda acredita ser cedo para se chegar a conclusões sobre mudanças na configuração de forças dentro do novo governo.

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O governo Donald Trump ainda inspira dúvidas dos analistas políticos. A compreensão de como funciona o jogo interno de poder e o processo decisório, assim como quem são os atores que o influenciam, ainda é um quebra-cabeça. De qualquer forma, Holzhacker acredita que a névoa da imprevisibilidade começa a se dissipar lentamente. No entanto, o clima de tensão nas Relações Internacionais deve seguir intenso. Para os próximos dias, é importante observar com atenção como também se comportarão as autoridades russas, chinesas e norte-coreanas.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.