Qual o risco de termos um caso como o da GameStop na Bolsa brasileira?

Analistas veem chance menor de que o caso aconteça no Brasil com regulação da B3; especialistas apontam polêmicas sobre venda a descoberto e atuação da CVM

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Na esteira do caso GameStop nos EUA, com um grupo de investidores de varejo fazendo as ações de uma empresa em decadência dispararem até 1.700% em duas semanas, investidores no Brasil buscaram fazer o mesmo com os papéis com o IRB (IRBR3), que caíram mais de 70% em 2020 e, até o pregão de quarta-feira (28 de janeiro), tinham baixa de mais de 20% na Bolsa no acumulado do mês passado.

Com a reunião de milhares de investidores brasileiros em um grupo no Telegram chamado “Short Squeeze IRB” para promover uma alta dos ativos IRBR3 por meio de uma “compra coletiva” dos ativos, na quinta-feira, os ativos saltaram 17,82%. Porém, o movimento registrado nas sessões anteriores foi bem mais contido, com a queda das ações em 6,13% na sessão seguinte, de sexta-feira, e altas relativamente modesta nos pregões posteriores, em torno de 2%.

Reproduzindo o efeito GameStop, a intenção do grupo do Telegram, como o nome da comunidade já diz, era promover o chamado “short squeeze” com o IRB. Isso, consequentemente, levaria a uma perda para os investidores institucionais que estão vendidos no ativo; isso porque, com a alta significativa da ação, os que apostaram na queda do preço das ações seriam obrigados a recomprar a ação a um preço maior para mitigar as perdas.

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Com a operação chamada “venda a descoberto”, um investidor que acredita que uma ação vai cair aluga o papel de alguém que não quer se desfazer de sua posição comprada, colocando assim o papel à venda no mercado. Se os papéis caírem, ele recompra a um preço menor e devolve ao que emprestou as ações, lucrando assim com a operação. Mas se os papéis subirem, ele terá que recomprar os papéis a um preço mais alto ao final de um prazo determinado para devolver ao investidor, tendo que embolsar prejuízo. Caso o valor das perdas ultrapassar ou chegar próximo ao valor exigido como margem de garantia, a operação pode ser fechada compulsoriamente com a compra das ações, puxando ainda mais a alta da cotação dos ativos.

Contudo, a avaliação é de que há dificuldades para reproduzir o movimento GameStop na B3 ao menos nas mesmas proporções, principalmente por conta das regras da Bolsa.  “Apesar de ser tentador, um movimento como esse seria impossível de reproduzir no Brasil. As regras do mercado definidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pela B3 limitam a quantidade de posições de venda a descoberto”, destaca a Levante Ideias de Investimentos.

A Bolsa brasileira impõe como regra inicial de que a quantidade de ações alugadas de uma empresa corresponde a um total de 20% do “free float” (ações em circulação no mercado). Também há limitação de 5% por investidor.

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Já nos EUA, não existe limitação para aluguel: a posição vendida nos papéis de GameStop era de 125% do “free float”. Desta forma, a alta inicial provocada pelos investidores de varejo dos EUA reunidos no grupo Reddit acabou fazendo com que muitos investidores institucionais que estavam vendidos no papel tivessem que desarmar as posições, comprando as ações às pressas. Consequentemente, os ativos tiveram fortes disparadas. Já na última segunda-feira, apenas um terço das ações permanece estava nesta situação, depois que boa parte dos contratos precisou ser desfeita rapidamente. No caso do IRB, conforme dados da B3, um dia antes da forte alta dos ativos, as posições alugadas eram de 9% do free float.

A Levante Ideias de Investimentos também destaca que nos Estados Unidos há vários pregões, que concorrem entre si. Já por aqui, o monopólio da B3 permite que ela tenha visibilidade para todas as posições de todos os participantes do mercado, o que dificulta a montagem dessas estratégias, destaca a equipe de analistas.

Um outro ponto destacado por analistas é o tamanho do mercado acionário no Brasil em relação ao dos EUA, este muito maior. “Nos EUA, a quantidade de investidores pessoa física na bolsa chega a 50% da população e aqui, a 1,5%, tem diferença muito grande”, apontou Alan Gandelman, CEO da Planner Corretora, para a Bloomberg.

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Ou seja, uma mobilização para a alta tão expressiva de uma ação em um fórum como o do Reddit, que chegou a 6 milhões de pessoas, acaba sendo mais fácil, ainda mais levando em conta que se tratava de uma ação que estava prestes a virar uma “penny stock” (ou ações de centavos – no caso, a GameStop). Já no caso do IRB, o volume negociado das ações é significativo: nos últimos 21 pregões, o volume médio negociado foi de R$ 412 milhões, ante média de R$ 34,56 bilhões da B3.

No dia da alta forte dos ativos do IRB, na última quinta-feira, analistas de mercado também já destacavam o risco para o pequeno investidor com essas operações:  “Além de poderem perder com a potencial queda do papel, já que a alta não está mais atrelada ao fundamento da empresa, vale observar que a partir do momento que a intenção vira a de manipular o mercado, é uma pratica ilegal, sujeita à investigação e punição pela CVM”, apontou Betina Roxo, estrategista-chefe da Rico Investimentos.

Na mesma linha, Galdelman apontou na ocasião: “Não acredito que a alta do IRB tenha vida longa, não existe no Brasil o potencial de pessoa física fazer um movimento desse. Nos EUA já estão tomando algumas providências e não ficaria surpreso se aqui a negociação do papel parasse em algum momento para averiguação”.

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Alguns dos membros do grupo do Telegram criado para impulsionar os papéis do IRB destacaram ser preciso ter cuidado para que não fosse cometido “o crime de manipulação de mercado”, destacando ainda que as orientações “nunca serão de ordem de compra ou venda, mas de estratégia de investimento”. O criador do grupo ainda destacou que não é analista de valores mobiliários e que traz exclusivamente opiniões pessoais e da própria carteira de investimentos.

Mesmo com essa sinalização, diversos integrantes do grupo sugeriram “a IRB Week”, de forma que cada acionista que participe da comunidade compre ações do IRB entre os dias 8 e 12 de fevereiro e que os papéis não sejam vendidos ou alugados até o dia 30 de abril. Além disso, sugeriram que os acionistas que tenham alugado os ativos solicitem os papéis de volta. Com isso, se o contrato está perto do vencimento e não há ações disponíveis para aluguel, o investidor não consegue renovar a sua posição. Ou seja, precisa então comprar os papéis novamente.

Reação controversa da CVM e debate sobre venda a descoberto

A reação do “xerife dos mercados” veio logo em seguida, na manhã de sexta-feira: a Comissão de Valores Mobiliários divulgou uma nota contundente, ainda que sem citar o caso IRB nominalmente, fazendo alertas sobre possíveis atitudes de investidores que configurariam manipulação de mercado.

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A CVM destacou na nota que o chamado squeeze, que pode se configurar em situações nas quais um ou mais investidores provocam artificialmente a alta do preço de valores mobiliários, de maneira a causar prejuízos a terceiros ou auferir benefícios indevidos para si ou outros participantes do mercado, é uma das modalidades de manipulação do mercado.

“No Brasil, a depender das características do caso, tais estratégias podem ser tipificadas, em sede administrativa, como ‘manipulação de preços’, definição que abarca a utilização de qualquer processo ou artifício destinado, direta ou indiretamente, a elevar, manter ou baixar a cotação de um valor mobiliário, induzindo, terceiros à sua compra e venda, havendo outros tipos na regulamentação que também se destinam a reprimir práticas que atentem contra a regularidade do mercado”, apontou a autarquia.

Já a B3 submeteu a negociação dos ativos e dos derivativos de IRB a leilões durante a sexta-feira e a manhã da última segunda-feira, destacando que “em momentos de volatilidade, o mecanismo de leilão promove uma melhor formação de preços com base em todas as ofertas de compra e venda disponíveis no mercado, resultado em maior proteção aos investidores”.

A retomada das negociações contínuas das ações e derivativos de IRB ocorreu apenas no início da tarde de segunda-feira, mas com a B3 destacando que seguiria atenta aos desdobramentos:  “Ressalta-se, contudo, que a volatilidade dos ativos permanecerá sendo observada pela B3 e pela CVM, e que o procedimento poderá ser alterado ao longo da sessão de negociação, inclusive com a retomada dos leilões”. Na sessão desta terça, o ativo IRBR3 não registrou grandes oscilações, entre leve queda e alta de 3%.

Para Aurélio Valporto, presidente da Associação Brasileira de Investidores (Abradin), contudo, a CVM não agiu corretamente no caso ao dizer que a atuação de grupos em redes sociais para promover o short squeeze do IRB é crime. “As pessoas, pequenos investidores, não podem se organizar em redes sociais? Vão identificar a centena ou milhares de investidores que estavam debatendo sobre a ação? Bobagem, isso não é manipulação. A CVM veio ameaçando e ela sim manipulou o mercado”, apontou.

Valporto defende, por sua vez, que a venda a descoberto deveria ser proibida, destacando que não é benéfico para o mercado nem para a economia. “Estão esquecendo que a função precípua do mercado de capitais é ser a mais eficiente forma de fomento da atividade econômica, mas está função está se degenerando. Vender a descoberto não traz nenhum benefício econômico ao mercado, não é instrumento de hedge(proteção), para hedge temos mercados futuros, a termo e opções”, afirma.

Em seu site, a B3 destaca alguns motivos para a posição vendida. Dentre elas, que ela introduz uma visão negativa sobre uma ação no seu processo de formação de preço e também que ela possibilita uma proteção contra eventos negativos para o mercado para a carteira de ações de um investidor. “Uma maneira de reduzir sua perda é montar posições vendidas em ações para as quais ele não tenha uma visão positiva e não afetam as teses de investimentos de suas posições compradas”, aponta.

A polêmica questão sobre a venda a descoberto vem ganhando cada vez mais espaço desde o início do caso Reddit-GameStop, principalmente nos EUA. Se, por um lado, há o argumento de quem vende a descoberto contribui apenas para a manipulação do mercado, por outro também a visão de que esse mecanismo serve para policiar os mercados.

Conforme destaca reportagem da Bloomberg (veja clicando aqui), em muitos casos, os vendedores a descoberto foram vistos como antídoto fundamental capaz de farejar empresas fraudadoras ou com contabilidade e planos de negócios questionáveis ou apenas como meio de conter os múltiplos.

Trazendo à luz um caso brasileiro, para o IRB, especificamente, a divulgação de uma carta pela gestora Squadra para justificar a sua posição vendida no papel acabou por ser o estopim para a descoberta de fraudes no balanço da companhia e provocou diversas mudanças para a companhia (veja mais clicando aqui).

Em meio a tantas polêmicas, a Levante Ideias de Investimentos destaca que, se há uma lição a ser aprendida com o evento GameStop é que é possível aos pequenos investidores ter acesso a informações relevantes e em tempo hábil para aproveitar distorções de preço e obter um bom desempenho no mercado. Contudo, aponta que, “apesar de possível, recomendamos fortemente que o investidor não monte posições especulativas desse tipo”.

As ações da GameStop, por sinal, registram uma nova sessão de fortes perdas nesta terça-feira, de mais de 40%, negociando abaixo dos US$ 150 depois de ultrapassar a cotação de US$ 480 na última semana. Com isso, o papel já caiu cerca de 70% desde a disparada com a entrada de investidores pessoas físicas no ativo.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.