Reforma tributária aprovada na Câmara aciona mais um gatilho para Bolsa brasileira: o que monitorar agora?

Analistas destacam visão positiva sobre a aprovação, ainda que com concessões, enquanto já ficam de olho nos próximos passos no Senado

Lara Rizério Mitchel Diniz

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Considerada um dos importantes catalisadores para a Bolsa brasileira neste segundo semestre, a reforma tributária teve um avanço importante na madrugada desta sexta-feira (7), com a aprovação em segundo turno na Câmara dos Deputados em uma sessão considerada histórica, após décadas de discussão sobre o tema.

O texto votado pelos deputados cria um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) no formato dual, composto por dois tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) ‒ e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

O primeiro substituiria três tributos federais: a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI). E o segundo substituiria o estadual Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e o municipal Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).

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Além da CBS e do IBS, a proposta cria um Imposto Seletivo (IS) que poderá incidir sobre a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. O rol de itens sujeitos a tal tributação será definido por lei complementar posterior, mas o texto impede a cobrança sobre exportações ou bens e serviços que tenham alíquotas reduzidas.

A transição do sistema tributário está prevista para 2026, com alíquota teste de 1%. Agora, os dois IVAs entram em vigor a partir de 2026, com alíquotas de 0,9% no caso do tributo federal e de 0,1% no imposto subnacional.

Apesar de novas concessões a alguns setores, os principais pontos da PEC 45, que vem sendo discutida há anos, foram mantidos, destaca a equipe de análise econômica do Bradesco. Eles apontam que as mudanças propostas têm o potencial de simplificar o sistema tributário, reduzir sua cumulatividade e mitigar a guerra fiscal no âmbito subnacional. Após a votação dos destaques, o projeto segue para o Senado.

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“Foi uma grande vitória para o país. A proposta agora aprovada pode não ser a ideal, mas representa melhoria significativa em relação ao caótico sistema existente”, aponta Gino Olivares, economista-chefe da Azimut Brasil Wealth Management.

“O mercado tem uma recepção positiva à reforma”, avalia Gustavo Cruz, estrategista-chefe, apesar das concessões que foram feitas. No fim da manhã de sexta-feira (7), após a aprovação da matéria, o Ibovespa subia cerca de 1,3%, enquanto o dólar caía mais de 1%.

Tomadas em conjunto, as mudanças podem simplificar o sistema tributário, contribuindo para melhorar a pior posição do Brasil entre 190 países em termos de “tempo gasto para pagar impostos”, potencialmente aumentando a competitividade e, consequentemente, o crescimento econômico de longo prazo.

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“[A reforma] tende a ir num caminho bem mais razoável com a simplificação de tributos. É claro que não é ideal haver uma transição tão longa, mas vejo como positiva uma simplificação de impostos, tornando o ambiente de negócios mais favorável, que é um dos grandes empecilhos pro crescimento de longo prazo no Brasil”, aponta.

Ele complementa ao citar estudos que mostram o impulso da reforma no PIB nos próximos mais anos. “Estamos seguindo um modelo que já está sendo seguido no mundo inteiro e acompanhando o que está dando certo lá fora. É importante para o país como um todo e vai ter um bom impacto positivo para o longo prazo, complementa.

Assim, projeta Cruz, se desenha para o segundo semestre um cenário muito mais favorável para alocação de recursos no Brasil. “Com a queda de juros, acredito que o Brasil vai ser um dos destaques em renda variável do período. Estava faltando o carimbo de superar o caos tributário. Esse é um passo positivo para voltar a ter grau de investimento, ainda que isso demore bastante”, finaliza, em referência à recente elevação da perspectiva para a nota soberana do Brasil para positiva pela S&P. 

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Para Juan Espinhel, especialista em investimentos da Ivest Consultoria, de maneira geral, a percepção do mercado foi boa, de aumento de produtividade, simplificação da carga tributária, uma das mais complexas do mundo.

“A sinalização política, de articulação, foi muito positiva. No começo da semana, havia expectativa de uma semana de votação de pautas econômicas acelerada. A reforma tributária era a que tínhamos menos esperança. Achávamos que seria votada só após o recesso parlamentar então acabou surpreendendo essa votação ter acontecido entre ontem e hoje”, aponta.

Assim, a aprovação sinaliza que há de fato um empenho do congresso e do executivo, trabalhando em conjunto para aprovação de pautas que são importantes para todos. “Isso é positivo pois mostra que a gente consegue andar com pautas sensíveis. O primeiro ano de um mandato é importante para passar reformas. Ter um arcabouço fiscal, uma reforma tributária é sinalização importante inclusive para investidores estrangeiros”, avalia.

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A Levante Corp também ressalta que o projeto foi à votação após dias de fortes negociações entre setores, entes subnacionais, partidos políticos e o governo. Inicialmente reticentes quanto à aprovação, siglas do Centrão passaram a, de maneira informal – liberando suas bancadas durante a orientação de voto –, apoiar a reforma.

Grande parte das alterações na redação final afastaram a PEC da proposta original, conferindo regimes diferenciados e exceções setoriais para a cobrança do novo imposto. “Evidentemente, tais concessões pagam o custo político de se aprovar um tema tão complexo, discutido há mais de 35 anos no parlamento brasileiro. Ainda assim, o avanço da matéria tira o Brasil de uma ingrata minoria cuja malha tributária é considerada complexa, custosa e ineficiente”, aponta.

Paulo Cunha, CEO da iHUB Investimentos, avalia que o impacto total no mercado de ações não deve ser imediato. “O texto da reforma é muito grande e  a votação aconteceu de forma muito rápida (…) Agora ainda existe um caminho a percorrer, indo para o Senado. Então o mercado irá digerir a reforma ao longo de vários pregões, não tendo um efeito instantâneo”, aponta.

Próximos passos

Ainda há, contudo, um grande caminho a ser trilhado até a consolidação deste novo sistema, aponta a Levante.

Para além do restante dos trâmites políticos (a PEC vai ao Senado e deve tomar grande parte da pauta durante o segundo semestre, com chances consideráveis de modificação no projeto e consequente volta à Câmara), detalhes como o estabelecimento de alíquotas para o novo tributo e outras calibragens para o período de transição deverão ser regulamentadas, até 2026, via Lei Complementar.

Assim, de modo geral, a casa de análise apontou esperar reações positivas – mas não tão intensas – dos mercados neste último pregão da semana. “Isto porque os impactos positivos esperados pela reforma serão apenas sentidos mais a longo prazo e há, para alguns, uma quantidade exagerada de excepcionalidades postas no texto final”, avalia.

Para Espinhel, da Ivest Consultoria, resta avaliar os impactos setoriais específicos. Ele cita especificamente que há risco de tributação mais elevada na Ambev (ABEV3). “Cabe a nós economista fazermos a conta de sensibilidade de demanda. Se a gente tem aumento da carga tributaria da cerveja, vai ter uma diminuição da demanda e devemos ver o quanto isso afeta o negócio da Ambev, aplicando essa lógica também a outros setores”, avalia. Além disso, o texto ainda será reavaliado e esmiuçado, correndo o risco de novas exceções.

“O sentimento é positivo por ter aprovado uma reforma estruturalmente importante, mas ainda é complexo fechar algum cálculo de impacto em setores específicos. Além disso, haverá alíquotas especiais para determinados produtos e setores, então teremos que ver como será a atuação dos lobistas das empresas para conseguir pegar um pouco dessa isenção”, complementa.

O JPMorgan reforça a atenção sobre os próximos passos no Senado, não havendo clareza sobre quem assumirá a relatoria da proposta na Casa. “Embora seja difícil dizer a diferença que isso faz no processo, achamos que ter senadores seguindo o estágio inicial das rodadas de negociação da reforma da previdência de 2019 na Câmara dos Deputados foi uma boa jogada, que não foi usada desta vez”, avalia.

Os economistas do banco apontam que o envolvimento de Lira para aprovar a reforma tributária agora foi fundamental para a aprovação na Câmara ainda neste semestre. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, defendeu publicamente a
reforma, mas os especialistas do banco apontam ser importante monitorar como ele e os principais líderes reagem à versão
que virá da Câmara.

“Olhando para frente, o plano é ter a emenda constitucional aprovada nas duas casas do Congresso até o final deste ano e as leis complementares em 2024. Consideramos esse como um cenário plausível, mas não um dado”, avalia.

Se a proposta sofrer alterações no Senado, será exigida uma nova votação na Câmara dos Deputados. Por se tratar de uma emenda constitucional, não há uma casa com a última palavra, e a reforma só será acertada se ambos concordarem nos detalhes, lembram os economistas.

“Alguns argumentam que um adiamento para 2024 não faria mal, mas ficaríamos mais céticos sobre o sucesso da reforma se isso acontecer”, apontam.

As últimas discussões entre 2017-2019 da reforma da previdência mostram que o momento é importante e que, uma vez perdido, é difícil reconstruí-lo. Além disso, três eventos para o processo devem ser considerados: 1) eleições municipais em outubro de 2024, 2) eleições internas do Congresso em fevereiro de 2025 e 3) eleições gerais em outubro de 2026.

Mas os economistas do JPMorgan reforçam o viés positivo: “acreditamos que se deve dar crédito a esta reforma. Até com alguns pontos de interrogação em aberto e fugindo do que seria o ideal, este é uma importante passo que pode levar a melhorias notáveis ​​do ponto de vista econômico. Estudos sugerem que uma ‘reforma ideal do IVA’ poderia aumentar o PIB do Brasil em mais de 10% em 15 anos”.

Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado na quinta-feira (6), mostra que a proposta da reforma tributária em votação na Câmara dos Deputados pode proporcionar 2,39% de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e dos serviços produzidos no país), até 2032, em relação ao cenário sem nenhuma reforma. Segundo a análise, durante o período de transição, quando gradativamente se substitui o sistema antigo pelo novo, as simulações em todos os cenários evidenciam o crescimento do PIB.

“A estimativa bem mais moderada reflete a inclusão de muitas isenções e um sistema tarifário tripartido (base, diferencial e isenção), característica que foi amplificada na versão final. Como disse o Secretário Especial de Reforma Tributária Bernard
Appy, quanto maior o número de isenções, maior a alíquota final – e, portanto, menor o impacto estrutural”, aponta a equipe de economistas.

Por outro lado, os economistas do JPMorgan finalizam: “Uma vez dissemos que mesmo que os frutos demorem a aparecer,
provavelmente valeria a pena esperar a colheita. Enquanto tudo aponta para uma colheita menos suculenta, mantemos esta
opinião de esse ser um dos temas mais importantes a serem monitorados no Brasil ao longo do segundo semestre de 2023”.

Tiago Sbardelotto, economista da XP, ressalta que, embora a aprovação da PEC seja um primeiro e importante passo, ainda há necessidade de se aprovar lei complementar que detalhe os novos tributos. Questões como a definição do conceito de operações com serviços, regimes diferenciados e favorecidos, distribuição do imposto, definição de créditos para cálculo da não cumulatividade, definições acerca do Conselho Federativo, distribuição dos fundos, entre outras matérias, devem ser discutidos nessa segunda fase, que tem potencial de ser ainda mais complexa.

Somente após a definição dos diversos aspectos relegados à lei complementar é que será possível fazer o cálculo da alíquota de referência (padrão). “Da experiência internacional, temos que essas costumam variar entre 15% em países em desenvolvimento a 25% em países mais desenvolvidos. Do lado negativo, ressaltamos que a ampliação do rol de exceções pode contribuir para uma alíquota mais elevada. Do lado positivo, a redução dos benefícios tributários e o incentivo à formalização da economia pela adoção da não cumulatividade plena podem ajudar a se chegar a uma alíquota menor”, avalia.

Ele aponta que, na proposta final, introduziu-se um artigo para assegurar que a carga tributária não será elevada. No entanto, é preciso destacar que isso depende também da referência a ser adotada.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.