Publicidade
SÃO PAULO – Era uma tragédia anunciada, no entanto, ninguém no mercado parecia olhar muito para ela até pouco tempo atrás. Uma sequência de quatro quedas consecutivas nas principais bolsas europeias – e seus impactos nos índices acionários e moedas globais – depois e todo mundo passou a olhar para o “Brexit”, que é como é informalmente conhecida a possível saída do Reino Unido da União Europeia em referendo que ocorrerá na quinta-feira (23). Uma possibilidade que ficou mais forte depois de pesquisas como a do jornal The Independent, que mostrou o “sim” ao adeus à UE ganhando do “não” por 55% a 45% das intenções de voto. Na terça, o mundialmente famoso tabloide sensacionalista britânico, The Sun, colocou ainda mais lenha na fogueira ao apoiar publicamente a campanha do “sim”.
Mas qual será o real impacto do “Brexit” na economia mundial? A triste realidade é que o que torna essa nova crise mais dura é o fato de que as consequências não são conhecidas. É possível especular sobre os acontecimentos que se seguirão ao “Brexit”, mas como lembra o economista da agência de classificação de risco Austin Ratings, Alex Agostini, ao contrário da crise brasileira, que é fácil de monitorar pelo acompanhamento de indicadores que mostram a retração da atividade econômica, o aumento do desemprego e a resiliência da inflação, o “Brexit” é um flerte com o desconhecido. E o desconhecido é sempre um grande inimigo dos investidores.
“Não se sabe qual é o tamanho do impacto que o evento pode gerar na economia nem se acabará sendo positivo ou negativo no longo prazo, mas o mercado já precifica negativamente por uma cautela com a indefinição e a volatilidade que o ‘Brexit’ gera”, explica Agostini.
Continua depois da publicidade
O que é possível, diante deste quadro, é elencar os quatro principais riscos que surgirão com a saída do Reino Unido, o que acaba sendo menos uma previsão e mais um guia de pontos para o investidor ficar atento nos próximos dias.
1. Risco constitucional
A razão primeira para a articulação pelo “Brexit” foi a crise migratória pela qual a Europa passa desde o recrudescimento das tensões no Oriente Médio gerado principalmente pelo fortalecimento do grupo terrorista Estado Islâmico. A entrada massiva de imigrantes em um momento em que o desemprego no país ainda é alto, principalmente entre os jovens, e o medo do terrorismo enorme, fez com que surgissem manifestações por uma saída da União Europeia para que o Reino Unido possa se fechar a esses imigrantes. O risco que o mercado vê associado a essa questão é que isso significa uma mudança extremamente relevante do arcabouço legal do país, algo que nunca é fácil de se fazer e pode servir de combustível para o nosso segundo risco.
2. Risco político
Em um regime parlamentarista, é comum que primeiros-ministros caiam caso as condições políticas piorem muito. Esta será a situação de David Cameron em uma eventual vitória do “sim” nas urnas na quinta-feira que vem. Defensor veemente da manutenção do país dentro do bloco regional, analistas acreditam que Cameron dificilmente conseguirá se manter no cargo após “Brexit”. Isso fora a previsível escalada das tensões entre a parcela da população e dos parlamentares a favor e contra a permanência na UE. “Nós estamos vivendo uma crise política e sabemos como isso atrapalha uma economia”, lembra o economista da Austin, que vê os riscos constitucional e político como os maiores que o Reino Unido enfrentará. “O diplomático e o econômico podem ser resolvidos ao longo do tempo, mas esses dois terão de ser enfrentados no ato”, explica.
Continua depois da publicidade
3. Risco diplomático
Se o Reino Unido sair da União Europeia, as relações diplomáticas entre os países europeus serão estremecidas. Fora isso, o país que se beneficia das aberturas comerciais entre os demais países da região, terá que procurar acordos de facilitação do comércio exterior de mandeira unilateral. Os carros alemães e os vinhos portugueses podem acabar rareando na terra da Rainha.
4. Risco econômico
Por último, mas não mais importante, a indefinição de uma saída da UE pode gerar uma crise econômica no país que tem o sexto maior PIB (Produto Interno Bruto) do mundo. Como já vem ocorrendo nos últimos dias, a libra deve se desvalorizar e a bolsa do país deve seguir em queda. Isso se a economia não ficar simplesmente paralisada por conta do imbróglio político resultante, com o Legislativo sem condições de aprovar medidas importantes para um país que dá seus primeiros passos para fora da grande crise econômica de 2008. Pior ainda, os atuais parceiros comerciais dos britânicos se tornarão concorrentes deles com um “Brexit”.
Em vista de tudo isso, o estrategista-chefe da XP Investimentos, Celson Plácido, acredita que o referendo não passará e que os britânicos optarão pela hipótese mais conservadora, da mesma forma que os escoceses fizeram no plebiscito que decidiu pela continuidade do país no Reino Unido. Contudo, há um complicador para esta tese. Como lembra Agostini, sendo o estopim de toda essa história o medo dos ingleses do terrorismo, a morte de 50 jovens em uma boate gay em Orlando, nos Estados Unidos, em um atentado reinvindicado pelo EI não ajuda em nada para se esperar um comportamento mais conservador da população britânica.