Saneamento: quais as oportunidades que o novo marco pode trazer ao Brasil e para as ações do setor na Bolsa

Em um país que sofre de falta de acesso a esgoto e água tratada, aprovação no Senado do projeto de lei pode representar abertura para investimentos ao setor

Lara Rizério

(Foto: Getty Images)
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SÃO PAULO – Cerca de 100 milhões sem acesso à coleta de esgoto e 35 milhões não abastecidos com água potável. E, para que isso seja resolvido, as projeções variam entre R$ 400 bilhões e R$ 600 bilhões em investimentos até 2033.

Os números que mostram a deficiência do Brasil em saneamento, considerado o mais atrasado de todos no segmento de infraestrutura nacional, indicam a emergência de reverter a estatística estarrecedora de apenas 51,9% da população com esgoto e 83,3% com água tratada.

A urgência em mais investimentos para o segmento se tornou especialmente importante no contexto da pandemia do coronavírus, com mais de 1 milhão de casos e 50 mil mortes no Brasil, que fica atrás apenas dos Estados Unidos nos dois quesitos. A higiene pessoal passou a ser um dos requisitos para conter o avanço da Covid-19 na população. Porém, os dados de acesso a saneamento no país mostram o quanto atos básicos para impedir uma proliferação da doença podem ser desafiadores.

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O quadro dificilmente será revertido no curto prazo, mas o novo marco regulatório do setor, a ser votado na quarta-feira (24), às 16h (horário de Brasília), pelo Senado e que ganhou maior caráter de urgência em meio à pandemia, pode impulsionar os investimentos em saneamento e, inclusive, liderar a retomada de investimentos no país no pós-coronavírus.

Abaixo, em quadros elaborados pela XP Investimentos (confira na íntegra clicando aqui), o analista Gabriel Francisco destaca as estimativas de investimentos para o Brasil, com a necessidade de mais de 17 milhões de novas ligações de água e mais de 33 milhões de ligações de esgoto para atingir a universalização até 2033. A XP projeta investimentos de R$ 411 bilhões, enquanto o UBS projeta um valor ainda maior, da ordem de R$ 620 bilhões.

A expectativa é de que a aprovação do marco do saneamento aumente a segurança jurídica dos investidores, um dos mecanismos para atrair investimentos privados básicos para o setor, além de estabelecer metas de qualidade e cobertura dos serviços, assim como fortalecer a Agência Nacional de Águas (ANA) para elaborar diretrizes do setor e supervisionar a regulamentação estadual/municipal. Atualmente, 52 agências fazem a regulamentação do segmento, tornando a regulação bastante dispersa e afastando capital.

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O projeto também prevê uma mudança bastante importante sobre os chamados contratos de programa previstos atualmente. Eles são mecanismos que permitem a dispensa de licitação pelo prefeito ao contratar estatais. Ou seja, não é necessário um processo de concorrência aberto, em que várias empresas (públicas ou privadas) concorrem pela gestão da rede de água e esgoto.

Pelo projeto de lei, todos os contratos que entraram em vencimento teriam de passar por um processo de concorrência. Contudo, vale destacar: após resistência por parte das estatais, essa regra passará por um período de transição, com validade apenas a partir de março de 2022.

Até esse período, essas companhias poderão renovar contratos por mais trinta anos, com a condição de que comprovem a capacidade econômica-financeira para realizar a universalização dos serviços até 2033, como está estabelecido no Plano Nacional de Saneamento básico. O plano prevê alcançar 99% de cobertura no abastecimento de água potável, sendo 100% na área urbana e de 92% no esgotamento sanitário, sendo 93% na área urbana. Porém, atualmente, a maioria das estatais não possuem condições de fazer os investimentos.

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Na última sexta-feira (19), o relator do novo marco legal (Projeto de Lei 4261/2019), senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) apresentou seu parecer sobre o projeto de lei sem realizar alterações no texto aprovado pela Câmara dos Deputados no ano passado.

A estratégia é evitar que ocorram mudanças no texto que obriguem o PL a retornar à Câmara, o que implicaria atrasos na aprovação do novo marco legal. A expectativa é que o texto seja votado nesta quarta pelo plenário e siga direto para a sanção da Presidência da República, que pode alterar alguns trechos de discordância entre os senadores através de vetos.

Desafios para privatização

Assim, ainda que haja críticas sobre alguns pontos do projeto aprovado na Câmara e que pode passar no Senado sem alterações, principalmente sobre a renovação dos contratos de programa, o avanço no processo é acompanhado de perto pelos investidores.

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Além do setor em geral, que pode ser beneficiado, três ações podem ser impactadas diretamente caso a aprovação do marco legal ocorra no Senado, ainda que de formas diferentes: são elas a Sabesp (SBSP3), Copasa (CSMG3) e Sanepar (SAPR11). As duas primeiras, por sinal, já são candidatas à privatização, ainda que estejam a ritmos bem diferentes rumo à mudança de controladores.

Sobre o tema, também há resistências dentro do Senado. O líder do MDB na Casa, senador Eduardo Braga (MDB-AM) apresentou emenda ao texto  para evitar que empresas de saneamento sejam privatizadas neste ano. O intuito seria o de “preservar o patrimônio público”, uma vez que vários estados poderiam ser impelidos a privatizar suas empresas de saneamento nas piores condições de mercado devido a suas crises fiscais, agravadas pela pandemia.

Contudo, em seu parecer, Tasso Jereissati argumenta que propostas de privatização não teriam como ser apressadas, uma vez que um processo de oferta pública de ações ou de licitação de outorgas leva aproximadamente dois anos, não havendo portanto riscos de processos precipitados de desestatização. Assim, esse processo poder ser longo, mas pode ganhar tração com a aprovação no Senado.

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Na última segunda-feira, os analistas do Bradesco BBI, liderados por Francisco Navarrete, elevaram a recomendação para as ações da Sabesp de neutro para outperform (desempenho acima da média do mercado), justamente na expectativa pela votação no Senado. O preço-alvo estimado para o final de 2020 foi elevado de R$ 34 para R$ 79, implicando 37% de alta frente o fechamento de sexta-feira.

Os analistas apontam que o preço-alvo atual é baseado em uma estimativa de 50% de probabilidade de cenários de manter a empresa estatal e 50% de privatização. A equipe  ressalta que, no final das discussões sobre essa lei, nos últimos 3 meses, a ação SBSP3 registrou valorização de 77%, ante alta de 44%, precificando 15% de um cenário de privatização.

Assim, a relação risco-retorno ainda é atraente. No cenário considerado pessimista, onde a Sabesp permanece estatal, o preço-alvo estimado para o final de 2020 é de R$ 54,00, estando 6% acima do valor de mercado justo. Já no cenário otimista, com a Sabesp privatizada, o preço-alvo pode atingir R$ 104, ou 81% de alta.

O governo de São Paulo já sinalizou diversas vezes que, uma vez aprovada a lei, poderia privatizar a Sabesp. “Embora isso não aconteça da noite para o dia, a votação do projeto dará início a esse debate. Por fim, atribuímos uma probabilidade de 50% à privatização da Sabesp, considerando que, embora se deva esperar forte oposição (é necessária a aprovação do legislador estadual), o produto da venda de 50,1% da Sabesp detido por São Paulo poderia chegar a R$ 35 bilhões, ajudando a combater os efeitos da desaceleração econômica da pandemia'”, avaliam.

Facilitando a privatização, no caso de um processo de desestatização de uma empresa de saneamento estatal, não há necessidade de consentimento dos titulares (municípios), caso não haja alterações no objeto e na duração dos seus contratos de programa. Dados os riscos legais, contudo, provavelmente nenhum participante privado compraria ativos sem a aprovação dos principais municípios envolvidos.

Uma outra possibilidade para a Sabesp, avalia o BBI, seria a capitalização ao invés da privatização. Essa alternativa, cuja implementação poderia ser mais rápida, implica que o estado venda até cerca de metade de suas ações da Sabesp a um parceiro minoritário por meio de uma nova holding company (não as ações da Sabesp diretamente), mas ainda mantenha o controle da empresa.

“No entanto, esse parece ser um cenário menos provável, pois: (i) São Paulo obteria menos recursos versus uma privatização total; e (ii) seria muito difícil encontrar um parceiro minoritário (operador ou investidor de longo prazo) para comprar uma grande participação em uma holding ilíquida, uma vez que a Sabesp continuaria sendo uma estatal”, afirmam os analistas.

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Contudo, eles apontam que, independentemente disso, mesmo nesse cenário “intermediário”, a Sabesp seria uma empresa melhor, pois, para atrair um parceiro minoritário, teria que haver melhorias substanciais na governança corporativa e/ou processo de revisão tarifária da Sabesp definido para 2021.

Sobre o tema, a XP Investimentos também avalia que uma potencial privatização da companhia paulista não teria tantos obstáculos, também destacando  melhor alinhamento entre os poderes executivo e legislativo do Estado, quanto pela questão dos contratos de programa (embora em alguns casos seriam necessárias mudanças nas legislações municipais).

Porém, devido à baixa visibilidade sobre quando o processo deverá ocorrer (a XP não avalia que será antes das eleições municipais) e com uma tendência de volatilidade nos resultados nos próximos trimestres, o analista Gabriel Fonseca possui recomendação neutra para os ativos SBSP3.

Copasa: trilha mais complicada 

Já para a Copasa, que entrou de vez no radar das privatizações no final de maio após o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ser autorizado pelo estado de Minas Gerais a dar prosseguimento à consulta e estruturação da desestatização da companhia, a recomendação da XP é de venda.

O motivo é a dificuldade para a privatização por dois motivos principais. Em primeiro lugar, a privatização de estatais em Minas depende da alteração de dois trechos da Constituição Estadual de Minas Gerais, que afirmam que processos de venda de empresas estatais no Estado dependem de aprovação por três quintos dos votos da Assembleia Legislativa e validação em um plebiscito. A avaliação é de que não há apoio político para isso.

Contudo, avalia, mesmo que houvesse autorização da Assembleia para realizar o processo de privatização, há um outro obstáculo: o contrato de programa da capital do estado, Belo Horizonte (município mais importante, que gera 30,8% das receitas da Copasa) contém uma cláusula afirmando sua nulidade caso a estatal seja privatizada. “Acreditamos que tal cláusula contratual pode gerar instabilidade jurídica em uma eventual tentativa de privatização, pois está em conflito com as condições do Novo Marco Legal do Saneamento Básico”, afirma. Dessa forma, a avaliação é de que as ações da Copasa estão excessivamente valorizadas.

Fora do radar de privatizações, o analista da XP mantém recomendação de compra para a paranaense Sanepar.

“Embora reconheçamos recentes pressões negativas resultantes de (1) adiamento do reajuste tarifário de 2020 por 60 dias pela agência reguladora Agepar em 17 de abril e (2) a crise hídrica em curso no Estado do Paraná, que levou o governo estadual a declarar uma situação de emergência e a empresa a implementar rodizio no fornecimento de água na região metropolitana de Curitiba, ainda vemos um risco-retorno atrativo para as ações”.

Para Sanepar, entre 13 casas de análise que cobrem a ação, segundo informações da Bloomberg, 10 possuem recomendação de compra e 3 recomendam manutenção. Para a Sabesp, as opiniões são mais divididas: de 18 casas, 9 recomendam compra e 9 de manutenção do papel. Já para a Copasa, as dúvidas sobre a privatização mesmo após a aprovação do marco do saneamento também se refletem nas recomendações: 6 casas indicam compra, 9 recomendam manutenção, enquanto uma, a XP, indica venda dos ativos CSMG3.

Em fala nesta terça-feira, o relator Tasso Jereissati apontou em seminário de gestores públicos que não há unanimidade sobre a aprovação do projeto, “porque há a questão ideológica e preconceito quando se fala em privatização”, mas trabalha para que não haja emendas e projeto seja aprovado e sancionado. Ele ainda destacou que pequenos municípios são estimulados a se reunirem em consórcios para tornar a concessão mais atrativa financeiramente.

Mas, além disso, ressaltou que o marco do saneamento é o projeto de maior interesse de investidores internacionais atualmente. Dada a magnitude de recursos que pode entrar no Brasil e a necessidade de mais recursos para que o país consiga se desenvolver e atingir metas de universalização do saneamento, o setor pode atingir um novo patamar também na bolsa.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.