Selic maior e fim do JCP: gestores esboçam cenários para um “Brasil sem Previdência”

Enquanto mercado tem dado "benefício da dúvida" sobre avanço das reformas, participantes do "Value Investing Brasil" já revisam suas contas para um novo cenário; bancos podem ser as primeiras vítimas na bolsa

Thiago Salomão

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No InfoMoney na Bolsa desta quarta-feira (24), comentamos sobre as principais impressões do “Value Investing Brasil”, evento que aconteceu na última terça-feira (23) em São Paulo e reuniu vários gestores de investimentos. Confira abaixo a análise em texto do evento.

SÃO PAULO – Quem acompanhou de perto o mercado financeiro na terça-feira (23) sentiu um ambiente mais promissor e menos tenso do que aquele visto desde quinta-feira passada, quando as delações de Joesley Batista abalaram o governo Temer: o Ibovespa teve uma firme alta de 1,6%, operando no positivo por quase todo o pregão, enquanto dólar e juros mostraram uma calmaria há muito tempo não vista.

Contudo, quem esteve na mesma terça-feira com os vários “value investors” (na tradução livre: investidores de valor, que seguem as doutrinas de Warren Buffett e buscam aplicações de longo prazo na bolsa) que se reuniram na 10ª edição do Value Investing Brasil, em São Paulo, sentiu um clima completamente diferente. Por ter um horizonte de longuíssimo prazo, este tipo de investidor não costuma ser contaminado por estas notícias de curto prazo: no entanto, a análise “política” acabou surgiu e por muitas vezes prevaleceu nos principais paineis apresentados no evento.

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A confiança acabou: e agora?
No primeiro painel, apresentado por volta das 9h (horário de Brasília), Luiz Fernando Figueiredo, (sócio da Mauá Capital e ex-diretor do Banco Central entre 1999 e 2003) foi enfático ao dizer que “a confiança foi quebrada” com o mercado e que, caso Michel Temer não fique no cargo, dificilmente teremos uma nova equipe tão engajada como essa. No entanto, ele fez uma ponderação bem importante: hoje temos muito mais consciência da necessidade de reformas, então, se não tiver Reforma da Previdência, vai ter que vir algo como aumento de impostos, tributação de dividendos, qualquer coisa que faça a conta fechar. Evoluímos muito nesse quesito, e isso não deve retroceder”, disse Figueiredo.

Antes do evento, ele concedeu uma entrevista ao InfoMoney explicando que os novos acontecimentos políticos trouxeram a tona dois possíveis cenários para o Brasil em 2017 – e ambos cenários não são nada favoráveis, o que naturalmente provocará um aumento no prêmio pelo risco exigido pelo mercado (clique aqui para ver a entrevista completa).

O “primeiro teste” da equipe econômica após a delação da JBS virá no dia 31 de maio, com a reunião do Copom (Comitê de Política Monetária). Para Figueiredo, os juros devem cair 75 a 100 pontos-base nesta reunião – até antes de quinta, já havia quem esperasse um corte de 150 pontos na Selic. Para o longo prazo, fatalmente a taxa de juros neutra será maior do que o mercado esperava semanas atrás, “mas pra quem viveu tanto tempo com juros em dois dígitos, não é tão absurdo assim”.

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Veja também: entrevista de Luiz Fernando Figueiredo concedida ao projeto “InfoMoney Fora da Curva.

O “mundo sem previdência”: fim do JCP?

Os paineis apresentados no VIB durante a tarde, que eram mais voltados para apresentação de cases de sucesso, também foram atrapalhados pelo tema político. “Eu tinha uma apresentação pronta, mas tive que jogar fora depois de quinta-feira”, disse Flavio Sznajder, gestor da Bogari Capital, na abertura da sua palestra. Ele apontou que todas aquelas certezas que o mercado trabalhava – avanço das reformas, queda de juros e retomada da economia – não existem mais. “Então, os preços precisam corrigir”, disse.

Em linha com Figueiredo, Sznajder  fez um paralelo com seus tempos de estudante de engenharia elétrica para lembrar que sistemas complexos costumam ser “retroalimentados” e tendem a se ajustar automaticamente. “Sistemas políticos e econômicos também são assim”. Na prática: “se a reforma da previdência não acontecer, o Brasil vai ter que se ajustar de forma a absorver este novo cenário”.

Diante disso, a missão agora é tentar prever o mundo “sem Reforma da Previdência”, e quais seriam esses ajustes do sistema. O gestor da Bogari citou mais de uma vez a possibilidade de extinção do JCP (juros sobre capital próprio) como uma das alternativas, já que “é razoável acreditar que alguns impostos voltem” e esse tema é considerado “mais uma das jabuticabas brasileiras”.

O efeito prático disso é negativo principalmente nas ações de bancos, o que fez Sznajder reduzir exposição no setor, disse o gestor durante seu discurso no congresso. Isso é algo extremamente emblemático para os que acompanham o trabalho do fundador da Bogari, já que ele sempre expôs sua predileção às ações de Itáu e Bradesco – quem acompanhou a entrevista ao InfoMoney concedida por ele neste mês pode perceber (clique aqui para acessá-la). 

Em maio de 2015, última vez que os rumores para extinguir os juros sobre capital próprio “fez preço” nos mercado, o BTG Pactual divulgou um relatório mostrando qual seria o impacto do fim do JCP no lucro de 42 empresas listadas na B3. Os números foram calculados com base no lucro estimado para 2015, mas pela tabela abaixo é possível perceber que os bancos estão entre as principais vítimas da medida – pelos números da tabela, Itaú, Bradesco e Santander teriam uma redução de R$ 3 bilhões apenas com o fim do provento. 

Impacto do fim da JCP no lucro das empresas listadas em bolsa (dados de 2015; fonte: BTG Pactual)

Veja também: Qual é a diferença entre dividendos e juros sobre capital próprio? InfoMoney explica

O gestor reduziu também participação nas ações da B3 (antiga BM&FBovespa). “Ela [a B3] é incrível, mas quanto ela vale hoje?”, questiona, referindo-se não só à possibilidade de tributação como também à expectativa mais baixa de IPOs (Ofertas Públicas Iniciais, na sigla em inglês) e de volume de negócios no mercado financeiro, reflexo do prazo mais longo para a economia se recuperar. Ele ainda reduziu de 82% para 67% a posição “comprada em ações” do fundo Bogari, ficando com o limite máximo de 33% do capital “em caixa” (isto é, não aplicado em ações) permitido pela Anbima.

Fundado em 2008 – semanas antes do ápice da crise do “subprime” -, o principal fundo de ações da Bogari Capital acumula ganhos de 350% nestes pouco mais de 8 anos. No mesmo período, o Ibovespa andou praticamente de lado.

Confira todas as entrevistas com os gestores
O InfoMoney entrevistou os sete palestrantes brasileiros do Value Investing Brasil dias antes do evento. Confira abaixo como foi o papo com cada um deles:

1) As 5 ações prediletas de Pedro Sales, gestor da Verde Asset (link aqui)

2) Flavio Sznajder, da Bogari Capital, explica por que 2015/2016 foi pior que 2008  (link aqui)

3) Breno Guerbatin, da Studio Investimentos, explica por que até os “value investors” conseguem achar valor nas estatais (link aqui)

4) Paulo Weickert, da Apex Capital, explica por que investe em ações de Itaú até Vale (link aqui)

5) Ex-rei das small caps, Fabio Alperowitch (Fama Investimentos) mostra por que acha que Raia Drogasil ainda está barata em bolsa (link aqui)

6) Luiz Fernando Figueiredo, da Mauá Capital, mostra os dois possíveis cenários para o Brasil pós-JBS (link aqui)

7) Henrique Alvares, da Neo Investimentos: o gestor que comprou apenas 3 ações em 4 anos e acumula ganhos de 230% (link aqui)

Thiago Salomão

Idealizador e apresentador do canal Stock Pickers