Publicidade
SÃO PAULO – O último almoço de 2016 promovido pela OEB* (Ordem dos Economistas do Brasil) certamente foi indigesto para boa parte dos mais de 100 economistas e convidados presentes na última sexta-feira (2). Essa hipótese nada tem a ver com o belo menu servido no elegantíssimo Terraço Itália – localizado no centro de São Paulo -, mas sim ao discurso “realista” promovido pelo palestrante convidado: Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central por duas oportunidades (de 1992 a 1993 e de 1995 a 1997), sócio-diretor da consultoria Tendências e eleito economista do ano pela OEB em 2014.
Antes de falar sobre 2017, Loyola trouxe dois pontos sobre o cenário econômico atual: a recessão que o Brasil se encontra – uma das mais graves da história republicana – está se mostrando muito mais duradoura do que o estimado meses atrás e deve deixar cicatrizes. Além disso, este final de ano marca a primeira vez que as perspectivas econômicas começaram a piorar desde a substituição da presidência da República.
“Eu começo meu discurso com a pergunta que muita gente tem feito a mim ultimamente: de onde virá a recuperação da economia brasileira? O que poderemos ter em 2017 para sair do vermelho?”, questiona o ex-presidente do BC, já indicando com um sorriso amarelo que suas próximas palavras pouco vão animar os espectadores.
Continua depois da publicidade
Para facilitar a leitura, elencarei cada um dos pontos de atenção em 2017 – e por que Loyola não espera ajuda da parte deles:
1- Economia Global
A ajuda não virá do setor externo. O PIB (Produto Interno Bruto) global deve crescer 3% em 2017. Não é um dado tão decepcionante, mas não traz um vento a favor tão forte como aquele que vimos no começo dos anos 2000, quando a China crescia a dois dígitos. Além disso, o exterior guarda incertezas principalmente nos EUA e na China, diz Loyola, em dois tópicos que ele abordou com mais detalhes adiante.
2- EUA: situação desfavorável mesmo se Trump for “mentiroso”
Para o ex-BC, mesmo se Donald Trump vier numa versão “light” do que vimos na campanha presidencial, a situação não seria favorável para os mercados emergentes. “Na verdade, essa política fiscal expansionista defendida pelo Trump pode ajudar o PIB dos Estados Unidos, mas implicará em alta de juros por lá, o que vai valorizar o dólar e prejudicar assim os emergentes”, explica. Ou seja, pode ter um benefício de alguma forma dos EUA, mas no “resultado líquido” seria ruim para nós.
Continua depois da publicidade
Mas o economista diz que o maior risco hoje é a nova política comercial que pode vir a ser adotada nos EUA, pois isso pode gerar uma guerra comercial com a China, e com isso o PIB comercial, que já vem crescendo abaixo do PIB global, pode ficar bem pior. “A meu ver, a política comercial prometida por Trump pode vir a ser o grande problema para os emergentes”.
Ele finaliza sua análise americana com uma piada que provocou risos e ao mesmo tempo apreensão: “um dos adjetivos que Trump mais ouviu durante sua campanha foi “liar” [mentiroso, em inglês]. Esperamos que ele seja mesmo e não coloque isso tudo em prática”.
3- Europa: ajuda patológica e problemas não triviais
Sendo muito breve sobre o Velho Continente, Loyola diz que o cenário não é dos brilhantes: os juros negativos ajudaram, mas isso é economicamente patológico; há ainda as várias incertezas políticas, vide Brexit e o aumento do protecionismo na Europa Ocidental, algo que vai em linha com o eleitorado do Trump. “Ou seja: há riscos não triviais no cenário europeu”, conclui.
Continua depois da publicidade
4- China: olho no endividamento
Nem mesmo o gigante asiático deve promover a ajuda que tanto nos fez bem no começo do século. Embora ainda cresçam a taxas muito maiores do que o resto do mundo – estima-se um PIB 5,6% maior em 2017 -, esse número nem de longe lembra a alta de até dois dígitos de tempos atrás. “A China tem desacelerado o crescimento, e é uma tendência que deve prevalecer nos próximos anos. A economia é maior do que anos atrás, então vai continuar ajudando, mas em menor intensidade”, explica.
Como se não bastasse a desaceleração da atividade, Loyola alerta para outro risco chinês: o endividamento tanto de empresas privadas e estatais quanto de províncias. “O crescimento tem sido muito grande do crédito e boa parte disso não deve ser pago”, diz o economista da Tendências.
Conclusão sobre o exterior: “o cenário externo pode não ser tão maligno apesar das incertezas – sobretudo por Trump -, mas não há motivos para o Brasil buscar no setor externo solução para os seus problemas. Mesmo com a alta do dólar (o que ajudaria exportações), somos uma economia muito fechada. E vale lembrar que perdemos recentemente o grau de investimento, o que tira nossa atratividade para boa parte do estrangeiro”, conclui Loyola.
Continua depois da publicidade
5- Brasil e os estímulos anti cíclicos
O Brasil apresenta um claro hiato da produção, o que poderia levar o governo a anunciar medidas anti cíclicas. Contudo, elas não estão a disposição nem no lado fiscal (“não há nenhum espaço na política fiscal”) nem na concessão de créditos dos bancos públicos.”Isso também está congelado, usamos exageradamente isso na crise, e hoje estamos vendo exatamente o inverso, com o BNDES devolvendo esse dinheiro para o Tesouro”, explica o ex-presidente do BC.
6- Brasil e a política monetária
A última solução, segundo Loyola, seria utilizar a política monetária, cortando juros para estimular a economia. Mas esse caminho não deve ser usado com tanto vigor pela equipe de Ilan Goldfajn: “embora a meta de 4,5% possa ser atingida em 2017, o BC tem sinalizado que os cortes serão graduais. Dada essa manifestação, a política monetária não será tão expansionista. E dependendo da queda da inflação nos próximos meses, a taxa de juro real deve até aumentar”, explica.
Sobre este tópico, o ex-presidente do BC deixou escapar sua opinião, afirmando que a equipe deveria ser mais agressiva com juros. “A Inflação está elevada, mas a convergência tem sido boa, e a economia já mostrou que não reagirá sem corte de juros”, afirma.
Continua depois da publicidade
7- Brasil e a questão política
Se na política as coisas estivessem pacificadas, pelo menos traria confiança para os agentes e serviria de ignição para a retomada da demanda, diz Loyola. Mas essa confiança vem perdendo força gradualmente, a própria recuperação cíclica depende dessa retomada da confiança.
“Apesar de Michel Temer exaltar uma série de vitórias no avanço das reformas, ele é um governo frágil pela sua própria origem política, pela sua atuação no PMDB e pelo risco de exposição da Lava Jato. E isso pode ter efeitos devastadores no próprio governo. Qual a capacidade dele manter a governabilidade até 2018?”, questiona o economista.
Como cereja do bolo na crise política, Loyola lembra que ao final de 2017 a maior preocupação dos políticos ficará com as eleições de 2018, o que deve colocar qualquer plano de reforma de lado.
Judicial: um alento positivo diante de tanto pessimismo
Loyola termina seu discurso concluindo que esse cenário obviamente seria classificado como pessimista, mas aponta para um ponto positivo diante disso tudo: a grande oportunidade de avanços na esfera judicial. “Com o fortalecimento das instituições, o redirecionamento da condução econômica, o forte colchão de reservas que temos e o mercado interno grande e forte que possuímos, temos caminho para crescer em 2018. Mas tudo isso depende da quantidade de reformas que conseguiremos emplacar”, conclui o economista.
*O InfoMoney esteve presente no evento a convite da OEB.