Shiller ressalta cegueira do Brasil com bolha imobiliária: “me senti nos EUA de 2005”

Em entrevista ao portal norte-americano PBS, vencedor do Nobel de Economia de 2013 reforça preocupações com Brasil e aponta para "forças patrióticas" cegando a população

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Não é a primeira vez que o laureado com o prêmio Nobel de Economia em 2013, Robert Shiller, alerta para o risco de uma bolha imobiliária no Brasil. E, desta vez, o economista ressaltou em entrevista para a rede de televisão norte-americana PBS as suas impressões durante passagem ao Brasil, entre agosto e setembro em 2013, antes de ser premiado em conjunto com Eugene Fama e Lars Hansen.

E as impressões não foram das melhores. Em entrevista ao jornalista Paul Solman em meados de dezembro, Shiller fez especial menção ao Brasil, destacando que o País está passando por um “enorme boom imobiliário” e que poucos estão dando se conta disso. Apesar de estar no ar há cerca de um mês, o vídeo teve pouca repercussão no País, contando, até as 9h20 (horário de Brasília) desta quarta-feira (8), com 976 visualizações. 

Shiller afirmou que os brasileiros estão com o mesmo tipo de mentalidade que os norte-americanos há oito anos atrás, antes de explodir a crise do subprime, em 2008. Além disso, fez mais um sinal de alerta: o boom imobiliário está sendo interpretado como um sinal de emergência econômica pelos brasileiros e, de acordo com ele, as “forças patrióticas” estão cegando a população.

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Confira a entrevista na íntegra abaixo. Confira o vídeo da entrevista aqui

Paul Solman: Eu sei que você não gosta de fazer previsões e acha que elas são tolas, mas eu não estarei fazendo meu trabalho se não perguntar ao senhor Shiller do índice Case-Shiller: o que nos diz sobre o mercado imobiliário neste momento?

Robert Shiller: É um fenômeno muito interessante para mim que existam bolhas em tantos países diferentes ao redor do mundo, como no Brasil. Eu estive lá há alguns meses atrás. Eles estão passando por um enorme boom imobiliário e que parece ser… bem, eles não têm quaisquer dados. Eles não estão prestando atenção. Eles não tinham índices de preços imobiliários até poucos anos atrás. Agora, todo mundo está falando sobre isso e eles estão bem entusiasmados.

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PS – Apesar de no mundo na Irlanda, na Espanha e nos EUA, ter havido explosões espetaculares de suas bolhas imobiliárias.

RS- Você poderia achar que os brasileiros aprenderiam com os americanos que tinham esta enorme bolha e que depois explodiu. Mas isso não parece ser o que eles aprenderam. Eles adotaram o mesmo tipo de mentalidade que tivemos aqui nos EUA há oito anos atrás. É estranho. Quando eu estava no Brasil falando com as pessoas, senti-me como se estivesse de volta aos EUA de 2005.

PS- Bem, você tentou avisá-los da mesma maneira como nos avisou no passado?

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RS – Sim, embora o boom imobiliário brasileiro seja interpretado pela maioria dos brasileiros como um sinal de emergência econômica, de que o Brasil está se juntando aos países avançados do mundo. Claro, se você quer comprar um apartamento em São Paulo, você tem que esperar pagar preços de Nova Iorque, que é onde a situação está indo, certo? E se eu digo “Nãããooo”, então me parece errado dizer isso…. E eu posso fazer isso pois estou deixando o Brasil em uma hora. Daqui a algumas horas eu estou fora daqui.

PS – Mas você é um laureado com o Nobel que ganhou o prêmio baseado, em grande medida, no seu ceticismo sobre mercados irracionais, certo? Digo, então imaginaríamos que os brasileiros iriam dizer “Oh meu Deus! Bob Shiller está chamando isso de bolha imobiliária!”

RS – Alguns entenderam. Mas tenho certeza que isso permanece como uma opinião minoritária. É só para as forças nacionalistas, que não se sentem bem com esta visão alternativa. E, a propósito, temos economistas profissionais que podem defender qualquer ponto de vista baseado em estatística, e eles fazem isso mesmo. Em todo lugar do mundo. Economia não é uma ciência exata. Eu queria ter sido um cientista quando criança. E eu lamento que entrei em um campo onde não se pode ser exato, e não acho que qualquer um pode. O que a economia vai fazer a seguir? Nós acabamos de sair da maior bolha imobiliária da história norte-americana. Foi algo fora de série. E agora (o mercado imobiliário) está começando a subir novamente. Como interpretar isso? Estamos voltando em outra economia de bolha? Eu não sei. Não vejo como alguém possa saber.

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Agora, isso me lembra: em 2005, durante o boom imobiliário, eu fiz uma busca no website do Federal Reserve pesquisando sobre o tema “bolha imobiliária”. E foi difícil… este é o nosso próprio Federal Reserve. A bolha quase nunca mencionada em seu material de pesquisa. Mas eu encontrei um artigo que mencionou que poderíamos estar em uma bolha imobiliária. Então eu chamei o economista (autor) e disse, “você estava no Conselho do Federal Reserve. Você tinha preocupações sobre a bolha imobiliária. Porque você não foi e disse com firmeza que poderíamos estar em uma bolha imobiliária? E ele, de maneira hesitante, não pareceu querer responder-me.

Tive uma sensação que é óbvio, certo? Você trabalha como economista no Conselho do Federal Reserve, você não pode dizer aquilo, quer dizer, porque isso poderia ser atribuído a seus superiores. Você é parte de uma organização. E o presidente do Fed é tão cuidadoso com tudo. O presidente do Fed não vai dizer “bolha imobiliária”. Então você mais abaixo da hierarquia com certeza não vai dizê-lo também. Então isto que é o psicólogo Irving Janis chamou de groupthink (“pensamento de grupo”) e ele chamou isso de “autocensura”. Não acho que o Conselho do Federal Reserve tenha censurado este economista, mas ele sabe que é parte de uma organização que faz parte de nosso “espírito animal” norte-americano, faz parte do gerenciamento o nível de nossa confiança (no mercado). Então, ele vai manter estas dúvidas para si mesmo.

PS – Mas você não guardou para si as mesmas dúvidas…

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RS – Eu acho que em parte é minha personalidade e em parte é meu senso de dever patriótico, ou o meu dever para com os brasileiros. Eu não sei. Em parte é porque eu nunca aceitei a “sabedoria convencional”. Talvez seja uma atitude que recebi do meu pai – “não acredite em todas essas pessoas importantes”. E quando eles te dizem que algo é correto… bem, há certo tipo de coisa que você pode confiar neles, mas quando se trata de discussões envolvendo política, não acredito em nada que dizem. E foi isso que meu a coragem para me levantar e defender aquilo que me parece correto.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.