Taiwan e China: entenda a origem da disputa que voltou ao radar do mercado com a visita de Pelosi

Com 23 milhões de habitantes e economia forte, Taiwan é considerada rebelde pela China, contando com governo próprio desde 1949

Equipe InfoMoney

Exposição de “Escultura de Luz Arquitetônica” em Taiwan (crédito: Fotos Públicas)
Exposição de “Escultura de Luz Arquitetônica” em Taiwan (crédito: Fotos Públicas)

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A ida de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, a Taiwan, ilha reivindicada pela China, nesta terça-feira (2) abriu mais um precedente no que pode ser uma crise entre as duas maiores economias do mundo.

Pelosi e sua delegação desembarcaram de um avião de transporte da Força Aérea dos EUA no Aeroporto Songshan, no centro de Taipé, e foram recebidos pelo ministro das Relações Exteriores de Taiwan, Joseph Wu, e pela principal representante dos EUA em Taiwan, Sandra Oudkirk.

A China condenou imediatamente a visita de Pelosi, com o Ministério das Relações Exteriores afirmando que isso prejudica seriamente a paz e a estabilidade no Estreito de Taiwan, “tem um impacto severo nos fundamentos políticos das relações China-EUA e infringe seriamente a soberania e a integridade territorial da China”. O ministério disse que apresentou um forte protesto aos Estados Unidos.

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Pelosi, que é a segunda na linha sucessória da Presidência dos EUA e uma crítica de longa data de Pequim, está em uma viagem pela Ásia que inclui visitas anunciadas a Cingapura, Malásia, Coreia do Sul e Japão. Sua parada em Taiwan não havia sido anunciada, mas havia sido amplamente antecipada.

Confira os motivos para a China condenar a visita de Pelosi a Taiwan e os motivos para as rusgas entre a ilha e a China.

Qual a ligação entre China e Taiwan?

Taiwan é uma ilha a cerca de 160 quilômetros da costa sudeste da China, cuja capital é Taipei. A ilha foi controlada pela China pela primeira vez no século XVII, sendo que em 1895 ela foi entregue ao Japão, depois da derrota chinesa na primeira guerra sino-japonesa. O controle chinês foi retomado em 1945 após a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial.

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Contudo, posteriomente, uma guerra civil eclodiu na China continental entre as forças do governo nacionalista lideradas por Chiang Kai-shek e o Partido Comunista de Mao Tse-tung.

Kai-Shek se refugiou em Taiwan após ser derrotado pelo exército comunista. Desde 1949, os opositores formaram um governo paralelo por lá, causando disputa entre as partes envolvidas.

Além da maior ilha, Taiwan, que antigamente era conhecida como Formosa, há mais 167 ilhas muito menores, que abrigam uma população de 23 milhões de pessoas e uma economia pujante. “Taiwan foi um dos Tigres Asiáticos, que despontaram nos anos 1990 como economias de crescimento rápido, ao lado de Hong Kong, Cingapura e a Coreia do Sul, destaca a Levante Ideias de Investimentos. Atualmente, a ilha domina a produção global de chips para computador, sendo uma economia extremamente importante para as cadeias globais de produção.

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A China vê a ilha como uma província rebelde, que sofrerá consequências caso fizer declaração de independência, enquanto Taiwan afirma que é independente há décadas, com eleições e Constituição próprias. Tsai Ing-wen é presidente de Taiwan desde 2016.

Desde 1949, os políticos em Taiwan afirmam ser a “verdadeira” China, se autodenominando  “República da China”, enquanto a China continental é a “República Popular da China”. A disputa sobre quem era o herdeiro “legítimo” do governo chinês se estendeu até os anos 1970, quando organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) passaram a reconhecer a China continental.

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Taiwan não tem um assento na Organização das Nações Unidas e só tem relações diplomáticas plenas com países menos representativos, como Haiti, Honduras, e algumas ilhas do Pacífico. Isso não o impede de fazer negócios e ter relações comerciais com o mundo todo. Porém, o procedimento padrão de quase todos os países (Brasil inclusive) é deixar as atribuições a cargo de Escritórios Econômicos e Culturais, que funcionam como embaixadas.

Os Estados Unidos não têm relações diplomáticas oficiais com Taiwan, mas são obrigados pela legislação americana a fornecer à ilha os meios para se defender.

Quem é Nancy Pelosi e por que sua visita a Taiwan gera tensão?

Nancy Pelosi tem 82 anos e é uma deputada democrata americana, sendo uma das principais lideranças políticas dos EUA. Seu cargo é o de Speaker of The House o que, no Brasil, equivaleria à posição de presidente do Congresso e líder do partido do governo. Atualmente, é a principal voz do Legislativo americano.

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A visita de Pelosi é a primeira de um Speaker of the House à ilha em 25 anos.

A China vê as visitas de autoridades americanas a Taiwan como um sinal encorajador para o campo pró-independência na ilha democrática e autogovernada. Pequim considera Taiwan parte de seu território e nunca renunciou ao uso da força para colocar a ilha sob seu controle. Taiwan rejeita as reivindicações de soberania da China e diz que apenas seu povo pode decidir o futuro da ilha.

A parlamentar sempre defendeu uma atitude dura dos Estados Unidos em relação à China. E a atitude diplomática americana tem sido ambígua: apesar de não apoiarem abertamente o governo de Taiwan, os Estados Unidos também não o consideram uma “província rebelde”, que é a posição oficial de Pequim.

Em um artigo  no The Washington Post – e publicado após o desembarque em Taipé -, Pelosi justificou a viagem a Taiwan como um sinal do compromisso dos Estados Unidos com a preservação da democracia e da soberania do território frente às agressões de Pequim e do Partido Comunista Chinês – ao qual citou nominalmente.

“A visita de nossa delegação do Congresso a Taiwan honra o compromisso inabalável dos Estados Unidos em apoiar a vibrante democracia de Taiwan”, disse Pelosi em comunicado. “A solidariedade da América com os 23 milhões de habitantes de Taiwan é mais importante hoje do que nunca, pois o mundo enfrenta uma escolha entre autocracia e democracia.”

Como Biden tem se manifestado?

Pelosi é uma aliada próxima do presidente dos EUA, Joe Biden, ambos do Partido Democrata, e tem sido uma figura-chave na orientação de sua agenda legislativa no Congresso dos EUA.

Biden não tem se manifestado publicamente sobre a ida de Pelosi a Taiwan, tema que chegou a ser tratado em uma reunião de cúpula entre ele e Xi Jinping, presidente da China, na quinta-feira (28), quando conversaram por mais de duas horas ao telefone. De acordo com uma declaração oficial após a chamada, Pequim afirmou ter alertado Washington a não “brincar com fogo” em Taiwan.

O tom subiu enquanto Pelosi se dirigia à ilha. A porta-voz da diplomacia chinesa, Hua Chunying, afirmou que os EUA carregariam “a responsabilidade” pagariam “o preço” por “minar a soberania e a segurança da China” caso a parlamentar pisasse em solo taiwanês. Enquanto isso, uma declaração do ministro chinês das Relações Exteriores, Wang Yi, foi publicada no site oficial da pasta. Sem mencionar Pelosi, Yi afirmou que “o abuso de confiança dos Estados Unidos sobre a questão de Taiwan é desprezível”.

O governo americano tentou acalmar a situação ontem. John Kirby, porta-voz da Casa Branca, pediu que Pequim não entendesse a visita de Pelosi a Taiwan como um “pretexto de provocação”, mas defendeu a visita. Ele destacou que a ida de uma autoridade americana à ilha tem precedentes na História recente e que não mudaria o “status quo” da posição americana sobre a soberania do território.

“(O presidente Biden) deixou muito claro que o Congresso é um ramo independente do governo e a presidente Pelosi toma suas próprias decisões”, disse Kirby ao se referir ao diálogo entre Biden e Xi na quinta-feira da semana passada.

A visita de Pelosi a Taiwan tem levado a mais manifestações de apoio até da oposição do que do seu próprio partido Democrata. Biden faz uma operação de contenção de danos e busca deixar claro que a viagem não é uma visita de Estado, enquanto parlamentares do Partido Republicano têm manifestado apoio à presidente da Câmara dos Representantes.

A China pode invadir Taiwan?

Com as tensões já elevadas, vários aviões de guerra chineses voaram perto da linha a que divide o Estreito de Taiwan na manhã desta terça antes de deixarem a área mais tarde, segundo informações da Reuters.

Vários navios de guerra chineses também navegavam perto da linha divisória não oficial desde segunda-feira e permaneceram lá, destacou a agência.

Por outro lado, quatro navios de guerra dos EUA, incluindo o porta-aviões USS Ronald Reagan, foram posicionados em águas a leste de Taiwan no que a Marinha dos EUA chamou de desdobramentos de rotina. O porta-aviões havia passado pelo Mar do Sul da China e agora estava no Mar das Filipinas, a leste de Taiwan e das Filipinas e ao sul do Japão, disse um oficial da Marinha dos EUA à agência.

O governo americano está cada vez mais preocupado com o risco de uma crise total no Estreito de Taiwan. As relações EUA-China já estão em um ponto baixo, já que as duas superpotências colidem sobre tudo, desde poder econômico até direitos humanos e influência militar, e um conflito entre China e Taiwan pode atrair outras potências, incluindo o Japão.

Conforme destacou Roberto Damas, estrategista-chefe do Voiter e mestre em Economia Chinesa pela Universidade Fudan (China), em coluna ao InfoMoney, a China não pode agir impetuosamente sob o risco de uma resposta demasiada forte dos EUA, o que permitiria que os dois países entrassem em um conflito inimaginável para o mundo. Mas também nenhum dos dois deve recuar.

“Se a China não mostrar suas exigências, talvez com mais e provocativas manobras militares, próximas à zona de exclusão militar, e eventualmente enviar aviões militares próximos ao avião de transporte de Nancy Pelosi, o princípio de ‘uma só China’ pode ser desafiado pelos próprios taiwaneses. Por outro lado, um cancelamento da visita demonstraria que os EUA capitularam às intimidações da China”, aponta Dumas.

No caso de confronto militar, as Forças Armadas da China superariam em muito às de Taiwan, com um total de forças ativas chinesas de mais de 2 milhões ante 169 mil de Taiwan.

 Taiwan poderia tentar retardar um ataque, impedir um desembarque em terra por forças anfíbias e realizar ataques de guerrilha. Os EUA poderiam ajudar Taiwan vendendo armas.

(com Estadão Conteúdo, Ansa Brasil e Reuters)

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