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Faz cerca de um ano que Nayib Bukele, o presidente da República de El Salvador, submeteu ao Congresso salvadorenho um projeto de lei pioneiro que tornaria o país o primeiro do mundo a transformar o Bitcoin (BTC) em moeda de curso legal.
O experimento também deu início a uma queda de braço com o Fundo Monetário Internacional (FMI) que, agora, pode estar caminhando para um desfecho previsto pela instituição financeira: sem saída, Bukele deverá revogar, em breve, a lei que ajudou a criar.
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Essa é a aposta dos analistas da consultoria Economist Intelligence Unit (EIU), que apontam o estado preocupante das finanças de El Salvador como o principal catalisador de uma situação que deverá se desenrolar pelos próximos meses.
Na visão da EIU, as contas do país não fecham e o presidente se verá obrigado a recorrer ao FMI para garantir um acordo de US$ 1,3 bilhão para tirar a nação do buraco – e, com isso, abandonar a ideia de fazer do Bitcoin uma moeda nacional.
Pressão internacional
As críticas do FMI ao experimento de El Salvador começaram ainda no ano passado, mas se intensificaram em janeiro de 2022, quando o conselho executivo da instituição exigiu que o país latino abandonasse o status de moeda legal do Bitcoin, citando riscos financeiros e novos passivos para a economia local.
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Em relatório, os diretores da entidade destacaram a existência de “grandes riscos associados ao uso do Bitcoin na estabilidade financeira, integridade financeira e proteção ao consumidor”, além de passivos fiscais associados.
As previsões do Fundo vêm se confirmando. Desde que a Lei Bitcoin entrou em vigor, em setembro de 2021, os títulos salvadorenhos passaram por forte sell-off em meio a preocupações sobre a qualidade do crédito do país e à falta de acesso de El Salvador a fontes de financiamento internacionais – principalmente levando em conta a dúvida sobre a sustentabilidade da trajetória da dívida.
Sabendo das barreiras, Bukele apostou na controversa emissão de títulos lastreados em Bitcoin, mas a aposta acabou não vingando após o preço da criptomoeda despencar mais de 70% desde novembro. O país diz que os papéis serão lançados quando os mercados voltarem a ganhar fôlego, o que pode durar meses.
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“Acreditávamos há muito tempo que a emissão bem-sucedida de títulos de bitcoin era improvável”, afirmam os analistas da EIU. Para a consultoria, mesmo que se materialize, o título provavelmente atrairia entusiastas de criptoativos, falhando portanto em gerar demanda sustentada de investidores institucionais.
Com o fracasso dos títulos de Bitcoin e sem acesso a crédito internacional, o governo começou a oferecer juros cada vez maiores para rolar a dívida, e até a abrir mão de receitas tributárias futuras para seguir atraindo investidores domésticos cada vez mais relutantes em continuar financiando o governo.
A dívida de curto prazo de El Salvador está em alta e atingiu, no mês passado, US$ 2,6 bilhões, 7,4% a mais do que em 2021 e 34,4% acima de maio de 2020.
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Promessas não cumpridas
Os números desfavoráveis ajudam a explicar o descumprimento de diversas promessas feitas pelo presidente na conferência “La Bitconf”, realizada no país no ano passado com uma plateia de apoiadores do Bitcoin do mundo inteiro.
A principal delas foi a criação da Bitcoin City, uma cidade praticamente livre de impostos que seria erguida embaixo do vulcão Conchagua, cuja energia seria usada para minerar a criptomoeda de maneira sustentável. Nada disso avançou desde então.
Apostando nos entusiastas, Bukele também passou a criar uma reserva nacional de Bitcoin, com cada compra anunciada via Twitter usando termos típicos do meio, como “buy the dip” (compre a baixa, em tradução livre) – mas, desde que a criptomoeda caiu abaixo de US$ 30 mil, ele parece ter desistido de tentar comprar mais quedas.
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Até aqui, foram 10 compras que totalizam 2.301 BTC a um preço médio de pouco mais de US$ 45 mil, o que deixa o investimento com uma perda não realizada de 55,67% – os quase US$ 104 milhões alocados agora valem cerca de US$ 46 milhões.
A utilidade do Bitcoin no país também passou a ser questionada mesmo com diversos relatos de inclusão financeira. Dados do banco central de El Salvador apontaram que a criptomoeda foi responsável por apenas 1,9% de todas as remessas internacionais em oito meses, acumulando um total de US$ 96,3 milhões movimentados.
Os números, que parecem ter desagradado o governo, foram revelados dois meses após terem sido colocados sob sigilo.
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A falta de transparência da administração salvadorenha é outro elemento que preocupa especialistas. Com sua popularidade atrelada ao sucesso do experimento com Bitcoin, Bukele, na visão da EIU, tentará evitar ceder ao FMI até que garanta sua reeleição em 2024.
Para isso, deverá recorrer a alternativas cada vez mais caras de financiamento da dívida, aumentando o estado de deterioração das contas públicas, o que levaria a um default da dívida soberana já no início de 2023, quando um grande pagamento de Eurobonds vence.
“Esperamos que essa estratégia se mostre insustentável e que o governo seja forçado a retomar as negociações com o FMI. Para garantir o financiamento do Fundo, o governo será obrigado não apenas a alterar a lei do bitcoin, mas também a reestruturar sua dívida e implementar reformas estruturais”, avalia a o time de analistas da EIU.
“À medida que o apetite do mercado por novas dívidas domésticas diminuir, esperamos que o governo seja forçado a aceitar a recomendação do Fundo de abandonar o status do bitcoin como moeda legal. Embora nossa previsão inicial seja de que o governo fechará um acordo com o Fundo nos próximos 18 meses, os riscos para esta call são significativos levando em conta o estilo de liderança imprevisível e cada vez mais autoritário de Bukele”, afirma a consultoria.
Lei Bitcoin
Embora o fim da Lei Bitcoin pareça inevitável, quem usa a criptomoeda no país não acredita que uma eventual revogação fará diferença. Em El Salvador, o Bitcoin não é utilizado como investimento, como em países de economia mais desenvolvida, como EUA e o próprio Brasil. Na falta de uma rede de pagamentos avançada, cidadãos lançam mão da moeda digital para transferir valores mesmo sem conta bancária.
“Eu não acho que eles vão conseguir tirar o Bitcoin daqui. As pessoas que se empolgaram e mergulharam nisso são quem, digamos, fazemos isso acontecer. Eu não acho que vão tirar o Bitcoin da gente, eu gosto do jeito que está”, conta Miguel Martínez, um comerciante da cidade de Nahuizálco, do lado oposto de onde seria erguida a Bitcoin City.
O comerciante aceita Bitcoin em seu pequeno depósito de gás GLP desde o ano passado.
“No início foi bastante complicado porque as pessoas não assimilavam isso, pensavam que seria uma moeda única, muitas complicações. O sistema foi implementado da noite para o dia, as pessoas não conheciam nada. Mas, com o passar do tempo, muita gente passou a aceitar porque a chegada do Bitcoin lhes favoreceu de alguma maneira”.
“Somos só o primeiro país que está fazendo isso. Agora o Panamá implementa uma lei [que regula criptos] em que é opcional aceitar ou não Bitcoin, e está crescendo também na Argentina, na República Dominicana e no México. O que acontece é que as pessoas estão descobrindo o Bitcoin. O Bitcoin não tem fronteiras”, conta, de San Salvador, capital de El Salvador, Will Hernández, diretor de negócios para a América Latina da Paxful, uma empresa que oferece soluções de negociação de BTC.
“Desde que a lei entrou em vigor, o crescimento de turismo foi enorme, recebemos investimento de empresas que estão construindo edifícios, resorts, hoteis. Para nós que estamos em El Salvador isso tudo é muito benéfico”.
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