SÃO PAULO – Comprar na baixa e vender na alta é um dos mandamentos do mercado de ações. Mas o fato de uma ação ter caído de preço nem sempre é um indicativo de que vale a pena investir nela.
É preciso cuidado para evitar o “value trap”, ou armadilha de valor. Esse fenômeno ocorre quando um papel parece estar com desconto, mas, na verdade, só está desvalorizado porque é um mau negócio. Nesses casos, o barato pode sair caro.
O InfoMoney ouviu analistas e gestores que identificaram os principais “value traps” da B3 — e recomendaram ficar longe desses papéis. O último deles divide opiniões: alguns especialistas acreditam ser uma roubada, enquanto outros enxergam como um bom negócio.
Confira a lista, e as explicações:
1. Ultrapar (UGPA3)
A ação da Ultrapar caiu 50% desde a máxima do ano, mas o analista Gabriel Fonseca, da XP Investimentos, não acha que isso seja motivo suficiente para ficar confiante no futuro da dona dos postos Ipiranga.
“O mercado de combustíveis está mais competitivo, então vai demorar para os resultados da Ultrapar melhorarem”, argumenta.
Fonseca alerta também que o grupo Ultra sofre com a sobreoferta global de produtos petroquímicos, o que reduziu os preços do eteno e do glicol, comprimindo as margens da indústria química Oxiteno, um dos negócios mais importantes da companhia.
Por fim, o analista da XP lembra que as farmácias Extrafarma, também do grupo Ultra, não atingiram economia de escala, o que traz mais névoas para o horizonte da companhia como um todo.
Em resposta a questionamento do InfoMoney, a Ultrapar alegou que não informa seu guidance – ou seja, as perspectivas e projeções para os dados operacionais e financeiros dos próximos anos.
Na teleconferência de resultados do terceiro trimestre da empresa, André Pires, diretor financeiro e de relações com investidores afirmou que o cenário desafiador do mercado de combustíveis não preocupa tanto assim.
“O mercado, de fato, está muito competitivo, mas estamos confiantes de que a nossa competitividade vem melhorando nestes últimos 12-18 meses, e, com isso, viabilizará a melhora no nosso volume, sem obviamente abrirmos mão de margem e de rentabilidade, como demonstramos neste trimestre.”
Segundo o presidente da Ultrapar, Frederico Curado, a Oxiteno está trabalhando para reagir à redução “drástica” que vem ocorrendo nos preços das commodities petroquímicas.
“Não estamos contando com um retorno rápido destes preços, portanto, nós temos que nos adaptar talvez por um período mais longo de dois ou três anos de depressão de preço de glicóis”, disse. Essa adaptação, disse ele, envolve a busca de um mix “mais rico” em termos de produtos de maior valor agregado e da maturação da operação da Ultrapar nos EUA.
2. Paranapanema (PMAM3)
A siderúrgica especializada na fabricação de cobre Paranapanema, no terceiro trimestre deste ano, registrou um aumento de 65% no lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (Ebitda, na sigla em inglês) e de 844% no lucro líquido.
Entretanto, teve esse resultado devido a receitas não recorrentes advindas de decisões judiciais e a um volume maior de vendas — apesar disso, a receita é 10% menor que a de 2018.
“A queda no faturamento faz o custo dos produtos vendidos ficar maior que a receita líquida. Mesmo sem considerar as despesas administrativas, o custo ficou maior que o preço de venda do produto final”, diz Bruce Barbosa, analista da Nord.
O analista destaca que o lucro veio principalmente de fatores não recorrentes. A linha que tornou a Demonstração do Resultado do Exercício (DRE) positiva foi a de “outras operacionais líquidas”, que, nas palavras da própria empresa, representam “decisões favoráveis obtidas em favor de sociedade incorporada e da companhia em ações judiciais que questionavam a inclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS.”
“A Paranapanema não consegue repassar seus custos para o produto final. Basicamente, PMAM está gastando 10 reais para produzir e vendendo a 9 reais. Quanto mais vende, mais perde”, diz Barbosa.
A ação caiu 37% desde a máxima do ano. Procurada pela reportagem, a Paranapanema não retornou.
3. Braskem (BRKM5)
Para Carlos Daltozo, analista da Eleven, o problema da Braskem é o fato de um de seus acionistas majoritários ser o grupo Odebrecht, que ofereceu as ações da petroquímica como garantia no processo de recuperação judicial que enfrenta após a Operação Lava-Jato. O outro controlador é a Petrobras.
“O imbróglio de governança atrapalha até mesmo o foco no negócio. Houve troca do presidente e mudança de executivos, ao mesmo tempo em que ocorre toda a confusão da fiança.”
Vale lembrar que, no final de novembro, duas agências de rating revisaram suas notas para a Braskem. No último dia 26, a S&P alterou sua classificação para a petroquímica de estável para negativa. A Fitch, por sua vez, reafirmou o rating da companhia em BBB-, mas alterou a perspectiva de estável também para negativa.
“A perspectiva negativa em escala global reflete nossa visão de que a Braskem pode continuar enfrentando a deterioração financeira observada neste ano nos próximos 12 a 18 meses”, comunicou a S&P.
Outro problema que a empresa enfrenta é a indefinição depois que emperraram as negociações da Odebrecht para vender a Braskem à holandesa LyondellBasell.
Segundo informações do jornal O Estado de S. Paulo, o motivo principal para a aquisição não ter ido para frente é que a Lyondell está insegura em relação ao projeto de extração de sal-gema em Alagoas.
O processo de obtenção da matéria-prima teria afetado a estrutura geológica de alguns bairros de Maceió, capital do estado, causando afundamento de terreno e rachaduras em edifícios.
As ações BRKM5 já caíram 47% desde março de 2019.
4. Eletrobras (ELET3)
Carlos Daltozo não está tão otimista quanto o restante do mercado acerca da privatização da gigante estatal de energia elétrica. “O governo até quer privatizar, mas o próprio ministro de Minas e Energia [Bento Albuquerque] disse que é difícil precificar os ativos da empresa”, argumenta.
O analista diz que a Eletrobras sofre com uma combinação de preços da energia no mercado livre em queda e “muitos esqueletos no armário”, como contratos antigos realizados em outros governos quando a realidade de preços era outra, além de provisões e empréstimos em más condições.
“Todos esses fatores tornam a privatização complicada e cheia de questões jurídicas que dificultam a execução. Trabalhamos com a hipótese de que a companhia não seja privatizada durante o governo Bolsonaro”, conclui.
Da máxima do ano, as ações caem 23% e, para Daltozo, a baixa não foi o suficiente para tirar do preço o que o mercado tem de expectativa pela privatização.
Procurada, a Eletrobras não respondeu ao contato do InfoMoney até o fechamento desta reportagem.
Empresa que divide opiniões: o caso Oi (OIBR3)
Em recuperação judicial em razão de uma dívida de R$ 14,7 bilhões, e com o desafio de reestruturar seus negócios, a Oi enfrenta um cenário complicado, o que não deixa Daltozo confortável para defender o seu caso.
“A Oi tem uma questão urgente de caixa que precisa ser resolvida. Ela pode ser um player relevante na plataforma 5G, mas teria que se desfazer da sua rede móvel”, destaca.
Daltozo cita ainda que boa parte das previsões positivas para a empresa vieram da aprovação da Lei Complementar 79, que permitiu que concessionárias de telefonia fixa deixem o regime público e migrem para o privado, prevendo também a renovação de outorgas sem licitação e a redução de encargos.
Por outro lado, o analista entende que não será tão rápido assim que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) acertará toda a mudança regulatória.
“É uma situação difícil em que ela precisa de caixa imediatamente e não é nada trivial mensurar o que acontecerá em seis meses. A expectativa é de que entre dinheiro no caixa em dezembro por conta das vendas de ativos de Angola, mas não vemos esse cenário como tão claro e objetivo assim para recomendarmos compra da ação.”
Já Cassio Bruno, gestor da Moat Capital, discorda. Na sua avaliação, a Oi está se transformando a passos largos e o mercado ainda não entendeu que a forma como a empresa foi gerida no passado não é mais a realidade da companhia.
“É a primeira vez em muito tempo em que a operadora está sendo gerida para fazer valor”, diz Bruno. Para ele, a gestão atual já fez sua lição de casa ao trocar dívida por capital próprio, e desenvolver um planejamento de despesas em bens de capital totalmente de acordo com as novas tendências do setor.
“A Oi quer trocar cobre por fibra óptica nas casas, o que significa substituir algo em que se cobra R$ 30 para algo que custa R$ 80 e que é o sonho de todas as famílias”, defende.
Bruno diz que todas as mudanças, associadas ao novo marco regulatório, tornam Oi o case de maior dissonância entre percepção de mercado e valor em toda a B3.
Procurada, a Oi afirmou que não comentaria as análises.
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