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A crise provocada pela pandemia do novo coronavírus levou consumidores de renda baixa e média a buscarem mais crédito. Com os ganhos familiares afetados, o endividamento foi a saída encontrada para sustentar o consumo de bens e serviços essenciais.
Ao mesmo tempo, os brasileiros mais ricos optaram por enxugar a contratação de dívidas, preferindo destinar recursos para a poupança, em meio ao ambiente de elevadas incertezas. Os achados são de um estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), antecipado com exclusividade para o Estadão/Broadcast.
De março a julho, mais 678.373 famílias de renda baixa e média contraíram dívidas, enquanto 290.144 famílias de renda alta deixaram o endividamento. O total de famílias endividadas no País subiu a 10,952 milhões, patamar recorde dentro da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), iniciada em janeiro de 2010.
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Sete em cada dez famílias com renda mensal até dez salários mínimos estavam endividadas em julho, sendo que quase um terço delas estava inadimplente (29,7%, maior patamar em mais de uma década).
“O crédito está sendo necessário para as pessoas conseguirem pagar suas contas”, explicou Izis Janote Ferreira, economista da CNC responsável pelo estudo.
Para Viviane Seda, coordenadora das Sondagens do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), a futura suspensão de pagamentos do auxílio emergencial à população pode piorar o quadro.
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“O fim da renda emergencial pode aumentar sim a inadimplência, pois há muita incerteza em relação à velocidade e recuperação das empresas. E, dessa forma, muitas famílias ainda não teriam a recomposição de sua renda mensal, dado que muitos continuarão desempregados ou com redução da renda recebida”, observou Viviane.
Por outro lado, a proporção de endividados entre as famílias mais ricas, que recebem mais de dez salários mínimos por mês, encolheu de 62,1% em março em para 59,1% em julho, e a inadimplência ficou relativamente estável em 11,2%. Segundo a CNC, o temor em relação à crise sanitária gerou cautela entre os mais ricos quanto aos gastos, enquanto elevou a propensão para poupar.
A médica plantonista Bárbara Ribeiro, de 27 anos, tem conseguido poupar entre 30% e 40% dos seus rendimentos, principalmente agora que não tem tido mais gastos com restaurantes e transporte particular. A reserva de emergência é destinada para caso fique doente, pois não possui vínculo empregatício.
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“Tenho um seguro do banco que dá uma quantia quando você adoece, mas é uma burocracia danada. Se eu pegar covid amanhã, vou ficar de 10 a 12 dias afastada e tenho de ter uma reservinha ali porque é complicado.”
Bárbara conta que sempre foi uma pessoa “econômica”. Até 2018, quando ainda era estudante, ela vivia com uma renda mensal de R$ 1.500 e já conviveu com dívidas. Foi com o diploma na mão que ela viu sua renda crescer, mas nunca deixou de pensar no amanhã.
“Minha mãe era faxineira e tinha um apartamento em Belo Horizonte; ela vendeu para eu conseguir concluir a faculdade. Já houve uma época em que tivemos muitas dívidas. Bate até uma angústia pensar em voltar para a mesma realidade.”
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Inadimplência
Na pandemia, a inadimplência teve aumentos significativos, especialmente em junho e julho. No mês de julho, havia 465 mil famílias inadimplentes a mais que em fevereiro, período anterior ao agravamento da crise sanitária no Brasil. Já são 4,341 milhões de famílias com contas em atraso em todo o País.
“O brasileiro preza muito pelo nome, mas quando entra na inadimplência, é uma bola de neve, se enrola, não consegue pagar suas dívidas”, lembrou a economista Izis Janote Ferreira, da CNC.
O endividamento das famílias já mostrava tendência de alta antes da crise sanitária, impulsionada pelo crédito mais barato. O cartão de crédito era a modalidade mais citada, mas perdeu espaço nos últimos meses: mencionado por 78,4% das famílias em março, passou a 76,2% em julho.
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Por outro lado, cresceram as menções a dívidas no crédito consignado (de 6,3% em março para 8,2% em julho), crédito pessoal (de 8,2% para 9,2%) e carnês de loja (de 16,2% para 17,6%). Também houve avanço no financiamento de carro (de 10,3% para 11,3%) e de casa (de 9,0% para 10,1%).
Diante da expectativa de um mercado de trabalho ainda precário e do fim do pagamento do auxílio emergencial pelo governo, a CNC defende medidas que evitem uma explosão da inadimplência no País, especialmente entre os mais pobres.
A economista da CNC defende que formuladores de políticas públicas e o sistema financeiro tomem medidas que permitam o alongamento de prazos para pagamento, melhora no custo do crédito, renegociação de dívidas antigas e troca de dívidas mais caras por mais baratas.
Para Viviane, do Ibre/FGV, o aumento da inadimplência pode ser mais um obstáculo para a recuperação do consumo das famílias e, consequentemente, da atividade econômica.
“Essa inadimplência e a cautela dos consumidores podem ser um redutor da recuperação do consumo das famílias”, acrescentou.