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Do tombo ao crescimento de dois dígitos: seguro de vida se reinventa na pandemia e ganha mais adeptos

Após 'prejuízo bilionário', segmento de seguros de vida cresce 18% no país e busca se descolar da imagem de que só cobre sinistros que resultam em morte

Giovanna Sutto

(Arte: Leo Albertino/InfoMoney)
(Arte: Leo Albertino/InfoMoney)

“A pandemia revolucionou o mercado de seguros como um todo no Brasil”. Quem diz isso é Augusto Coelho Cardoso, diretor da Susep (Superintendência de Seguros Privados), órgão responsável pela regulação do setor no país.

Anterior a 2020 (primeiro ano da crise sanitária deflagrada pelo coronavírus), a afirmação de Cardoso soaria insensata: seguros, geralmente, não cobrem pandemias porque são eventos imprevisíveis e de risco incalculável.

“O caminho da seguradora é direto: se não tem como precificar, não tem como oferecer cobertura. E a pandemia se enquadra nisso”, diz Victor Bernardes, diretor de vida e previdência da SulAmérica. “Porém, não podíamos fugir do propósito social do serviço que oferecemos, mesmo sabendo que o prejuízo poderia ser gigante”.

Bernardes conta que a decisão foi “oferecer a cobertura de Covid-19 de forma gratuita porque, no longo prazo, esta ação poderia alavancar o mercado”. Dito e feito.

Números da FenaPrevi (Federação Nacional de Previdência Privada e Vida) mostram que entre abril de 2020, quando a pandemia já havia sido decretada, e março de 2022 foram registrados 175.307 sinistros e pagos R$ 6,5 bilhões em indenizações decorrentes da Covid-19 pelo mercado segurador.

Manes Erlichman, diretor da corretora digital Minuto Seguros, conta que as seguradoras tiveram prejuízos bilionários ao oferecer cobertura para a pandemia — o tamanho do “tombo financeiro”, porém, não foi revelado pelo executivo. “Mas estávamos cientes de que esse cenário tinha potencial para vender, por exemplo, mais seguro de vida”, diz.

As contratações de seguro de vida nunca foram pujantes no país. Bom, não eram até a pandemia: “o mercado de seguro de vida está em franca expansão em decorrência, justamente, da Covid-19”, confirma o diretor da Susep.

Na plataforma da Minuto Seguros, no mês de abril de 2021, foram registrados o maior volume de buscas por seguros de vida do ano — alta de 150% em relação ao mesmo mês de 2020. Depois, em setembro de 2021, a procura cresceu 60% na comparação com o mesmo mês de 2020.

Em termos de contratos fechados, dados da Susep apontam que o volume de prêmios dos seguros de pessoas (valor que os segurados pagam às seguradoras) atingiu R$ 50,8 bilhões no acumulado de 2021 — o número é 12,4% maior em relação ao registrado no ano anterior.

O destaque da categoria pessoas ficou, justamente, com o seguro de vida individual, responsável por R$ 23,5 bilhões, um crescimento nominal de 17,4% no mesmo período.

A alta de quase 20% entre 2018 e 2019 foi desencadeada por um efeito estatístico de reclassificação de produto de uma empresa, em abril de 2019, com prêmios mensais na casa de R$ 200 milhões contidos nos sistemas da Susep.

“O produto, que antes era contabilizado como Dotal Misto, passou a ser classificado como Vida Individual após ação de supervisão que identificou a irregularidade. Essa alteração inflou o crescimento da linha Vida em 2019. Retirando-se o efeito dessa reclassificação contábil, o crescimento entre 2018 e 2019 foi de cerca de 7,7%.”, explica, por nota, a Susep.

O crescimento do mercado de seguros em 2021 é relevante e reflete um novo olhar dos brasileiros em relação às repercussões da finitude da vida, garantem especialistas e executivos do setor consultados pelo InfoMoney.

“A pandemia foi perversa e fez as pessoas pensarem mais em seguro de vida. Elas passaram a se perguntar: o que fazer se acontecer comigo?. Para muitas destas pessoas, a morte era distante, mas a pandemia a trouxe para mais perto”, afirma Carlos Gondim, diretor de vida e previdência da Porto.

“Os pagamentos de indenizações deixaram as pessoas mais abertas para discutir cenários futuros. Elas começaram a entender que uma proteção poderia ser necessária”, completa o executivo.

Fabiano Vidal, diretor de parcerias comerciais da Prudential do Brasil, afirma que os seguros também foram fundamentais para quem sobreviveu ao coronavírus. “Muitas pessoas ficaram afastadas por causa da doença, e a receita familiar foi drasticamente afetada. Os pagamentos de indenizações de coberturas, que incluíam afastamento temporário ou diária de internação, foram muito importantes nesses casos”.

A pandemia também abriu caminho para que outras finalidades do seguro de vida ficassem mais conhecidas, diz Pedro Dalla Stella, sócio-fundador da SDS Insurance, corretora de seguros sediada em São Paulo e focada no atendimento de clientes da Classe A.

“A ferramenta seguro de vida é uma proteção financeira e pode ter uma série de funções para além da cobertura de morte. São diversas categorias que incluem proteções em vida, como auxílio em caso de doenças graves, invalidez, afastamento temporário, internação hospitalar, auxílio funeral, acidentes pessoais, entre outras modalidades”, pontua Dalla Stella.

De$embolsos

Ao considerar também as indenizações oriundas de sinistros em todo o mercado de seguro de vida — não apenas decorrente da Covid-19 — o volume pago acumulado pelas seguradoras entre 2020 e 2021 já soma R$ 17,5 bilhões.

A dinâmica das indenizações sob a lógica pandêmica seguiu dois movimentos paralelos: de um lado, as empresas passaram a arcar com os desembolsos aos clientes acometidos pela Covid-19 e com apólices já contratadas e, de outro, reajustaram os valores dos seguros nos novos contratos.

“Grande parte das seguradoras que operam no Brasil são multinacionais. Se elas já cobriam esse risco nos EUA, por exemplo, porque não ampliar para cá? O pagamento das indenizações foi um movimento interno das próprias seguradoras, que não teve orientação por parte do órgão regulador”, afirma Augusto Cardoso, da Susep.

Na Porto, uma carência de 90 dias foi criada aos contratos novos para evitar que “num dia a pessoa teste positivo para Covid e, no outro, feche um seguro”, afirma Carlos Gondim. Desde julho do ano passado, a empresa também aplica descontos nas contratações de seguro de vida aos clientes com esquema vacinal completo (uma dose, no caso da vacina Janssen; e duas doses para os demais imunizantes aprovados pela Anvisa), um meio de incentivar a vacinação contra a Covid-19 e atrair mais clientes.

Na Prudential, as indenizações chegaram a R$ 300 milhões entre 2020 e 2021, e a empresa segue oferecendo a cobertura para Covid-19. “Também adotamos uma carência de 90 dias para novos clientes. Mas não recusamos sinistros advindos da pandemia”, afirma Vidal.

“Nós não alteramos nosso portfólio por causa da Covid-19 e não criamos produtos novos. Apenas incluímos a cobertura para os casos da doença. Tivemos ajustes anuais de preços, como sempre acontece, em 2020 e 2021”, conta Victor Bernardes, da SulAmérica. A empresa também segue indenizando clientes na pandemia.

Para Dalla Stella, da SDS Insurance, as seguradoras ficaram mais exigentes e criaram mais restrições para aprovar novos clientes na pandemia. “Tem sido comum pedir mais exames e mais documentos para fechar a apólice”, afirma.

Contratos remotos

Ao mesmo tempo em que a exigência para fechar os contratos aumentou, o formato online das apólices concedeu facilidades, dizem os executivos do setor.

“A pandemia incentivou a contratação remota com entrevistas online, apólices eletrônicas, contratação via aplicativos e plataformas de simulação online. Tudo isso facilitou a vida do consumidor, que vem ganhando mais consciência sobre os motivos de ter um seguro de vida”, afirma Augusto Carvalho, da Susep.

“Antes [da pandemia] era só presencial, até porque o produto exige personalização, mas muitos clientes se acostumaram com o formato remoto e isso permitiu atender um cliente do Nordeste ou do Sul sem sair de casa”, pontua Dalla Stella.

O formato online, segundo Cardoso, pode democratizar o acesso aos seguros. “Se as pessoas têm a percepção de que o seguro de vida não é para elas, produtos online e mais baratos podem ajudar a desfazer essa imagem e impulsionar ainda mais o setor”.

A XP Seguros, regulada pela Susep como player neste mercado, lançou em janeiro seu primeiro produto de seguro de vida — e só basta alguns cliques para concluir o processo.

“Fizemos um produto com coberturas de até R$ 300 mil e contratação completamente digital via aplicativo. O cliente pode montar o pacote, adicionar ou remover coberturas”, conta Amancio Paladino, diretor de investimentos da XP Seguros.

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Crescimento

Dados da Minuto Seguros sinalizam que 2022 deve ser um bom ano para o seguro de vida. Em janeiro houve um aumento de 215% nas buscas pelo tema em relação ao mesmo mês de 2020.

“Em fevereiro deste ano houve uma discreta queda na busca. Porém, já nos primeiros 15 dias de março, a procura se igualou aos números de março de 2021″, aponta Manes Erlichman. No primeiro trimestre de 2022, as buscas subiram cerca de 25% em relação ao mesmo período de 2021, e 90% em relação a 2020.

Na XP Corretora de Seguros, a contratação de seguro de vida disparou. “Saímos de uma média de contratação de cerca de 200 apólices por mês em 2020 para 2.500 em abril de 2022”, diz Daian Moura, head de seguros de vida da XP Investimentos.

A SulAmérica também registra aumento de receita oriunda dos seguros de vida no primeiro trimestre de 2022, com R$122,3 milhões — alta de 19,5% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Em seu último balanço de resultados, a SulAmérica informa que os custos associados às indenizações de Covid-19 somam cerca de R$13 milhões no primeiro trimestre deste ano, com redução do índice de sinistralidade (razão entre sinistros e prêmios) para 42,4%, queda de 38,7 pontos percentuais (p.p.) em relação ao mesmo período de 2021. Segundo a empresa, o desempenho indica o retorno do índice de sinistralidade a patamares observados na fase pré-pandemia.

A Porto, que também divulgou seu balanço do primeiro trimestre de 2022, teve aumento de 20,7% nos prêmios em seguro de vida, com alta de 53 mil pessoas seguradas, totalizando 4,3 milhões de clientes, na comparação com o mesmo período de 2021.

“Hoje conseguimos concluir que as pessoas estão mudando a percepção em relação ao produto diante do avanço das contratações, mas temos um potencial gigante ainda para explorar”, avalia Cardoso, diretor da Susep. “Não vejo retrocesso porque o setor de seguro de vida vem ganhando adeptos e tem espaço para crescer conforme a ideia do serviço for fazendo sentido para mais e mais pessoas”.

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Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.