Fez ou recebeu um Pix errado? 6 repostas sobre a devolução e consequências (e dicas para evitar erros)

Ferramenta tem mecanismo de devolução, que só pode ser usado em casos específicos; pessoa que não devolve o valor que não é dela comete crime

Giovanna Sutto

Ilustração (Pixabay)
Ilustração (Pixabay)

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Yuri Watzech, 25 desenvolvedor de sistemas em São Paulo, conta que recebeu um Pix de origem desconhecida em sua conta, cerca de R$ 50. “Recebi o dinheiro de uma pessoa que não conhecia. Achei estranho, mas não sabia o que fazer. Menos de uma hora depois recebi uma ligação da pessoa explicando que tinha enviado o dinheiro errado”, diz.

Ele acrescenta que, antes de devolver o valor, entrou em contato com o banco para confirmar se a chave Pix da pessoa era verdadeira. “Fiquei com medo de ser algum novo golpe e achei melhor perguntar para o banco. Mas logo em seguida devolvi o dinheiro”, explica.

As confusões não acontecem somente com pessoas físicas. Luane Nascimento é advogada e a empresa onde trabalhava, em Goiânia, fez um Pix de mais de R$ 30 mil para um fornecedor. No entanto, o Pix foi enviado para o contato errado.

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“Quem fez a transação trocou os nomes por engano. O banco não bloqueou a transferência, nem estornou. E a empresa fez um boletim de ocorrência porque a pessoa, que recebeu o dinheiro e não era para ele, não quis devolver a quantia”, conta. O processo segue em andamento.

Na última semana, um caso envolvendo a TV Globo também ganhou destaque: a empresa fez um Pix errado de R$ 318 mil, e a pessoa que recebeu, inclusive, usou o dinheiro para comprar um imóvel.

Apesar de ser uma ferramenta que se popularizou rapidamente no Brasil, o Pix é um serviço com pouco mais de um ano de uso, e as pessoas ainda estão se familiarizando com os recursos disponíveis.

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O Pix vem ganhando cada vez mais adeptos, que entendem que o serviço instantâneo faz sentido para o dia a dia. Foram feitas mais de 1,24 bilhão de transações desde que foi lançado, em 16 de novembro de 2020, até dezembro de 2021; já são mais de 117 milhões de usuários cadastrados.

Mas a ferramenta recebeu um chacoalhão recente: pela primeira vez, desde que foi lançada, registrou a primeira queda no número de transações, de 10,7%, em janeiro deste ano. Não se sabe ainda o motivo, mas fato é que o Pix vem sendo protagonista em golpes envolvendo engenharia social, entre outros problemas, como nos erros de transferência de valores.

Está cedo para dizer se o brasileiro começa a ter receio ou se está mais atento ao Pix, já que em casos de erro, a devolução do valor envolvido pode ser trabalhosa.

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O InfoMoney separou as cinco perguntas mais buscadas sobre as possibilidades de devolução e as consequências nos casos de envio de Pix por engano. Veja as respostas dos especialistas:

1. Existe a devolução do Pix?

Quando o sistema do Pix foi lançado não existia nenhum mecanismo de estorno para transação, a não ser o envio do recebedor para o pagador de volta. Ou seja, se o pagador faz uma transferência por engano, a única solução é contatar esse recebedor e pedir para ele devolver a quantia.

No entanto, em novembro de 2021, um ano depois do lançamento do sistema, o BC criou uma norma que coloca em prática o Mecanismo Especial de Devolução (MED).

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Esse mecanismo é o conjunto de regras e de procedimentos operacionais que as instituições financeiras participantes devem seguir para efetivar uma devolução de dinheiro via Pix.

“É destinado a viabilizar a devolução de um Pix a partir do próprio participante recebedor. Ou seja, é o mecanismo que permite que o participante recebedor debite recursos recebidos por meio de um Pix da conta do seu cliente sem pedir a sua autorização a cada devolução”, diz o Banco Central.

Porém, esse mecanismo funciona em situações específicas: quando há suspeita do uso do Pix para fraude; e quando há uma falha operacional no sistema de qualquer dos participantes envolvidos na transação.

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Sendo assim, o usuário que fez um Pix por engano, por exemplo, não se encaixaria neste formato para reaver o dinheiro. No entanto, é responsabilidade da instituição financeira avaliar cada caso e entender se o mecanismo de devolução se aplica ou não.

Todas as instituições participantes do sistema Pix são obrigadas a ter esse mecanismo.

Porém, para que o MED possa ser acionado, a instituição deve ajustar o contrato de relacionamento com todos os seus clientes, prevendo a possibilidade de acionamento do MED no âmbito do Pix.

“Após o ajuste no contrato, o participante deve informar todos os seus clientes sobre a mudança contratual efetivada. Caso o participante não faça os devidos ajustes contratuais e não possa
acionar o MED, ele será responsabilizado por todas as transações em que a solicitação de devolução for recusada”, explica o BC.

2. Como estornar o Pix?

Sabendo das possibilidades, do ponto de vista do pagador: se o cliente A, do banco X fez um Pix por engano e enviou uma quantia para um destinatário (cliente B do banco Y) errado: a forma mais simples e eficaz de resolver é encontrar a pessoa que recebeu e pedir a devolução — ela pode devolver a quantia via Pix ou qualquer outro meio disponível.

Ou pode resolver judicialmente (leia abaixo).

Por outro lado, se o pagador foi vítima de fraude ou falha no sistema pode pedir para sua instituição financeira, portanto banco X, a devolução.

“O usuário precisar contatar o canal oficial do banco e explicar a situação. Dizer que mandou para uma chave Pix errada, o que aconteceu, qual o valor, quem recebeu — incluindo a chave e o banco destinatário”, diz Rogerio Melfi, representante da ABFintechs e integrante do grupo técnico do Pix no BC.

Depois disso, a instituição financeira vai fazer um diagnóstico e é responsabilidade dela abrir um chamado avisando o banco do destinatário, banco Y, de que seu cliente precisa da devolução.

A partir daí a responsabilidade é do banco Y de avaliar a situação, conversar com seu cliente B e, se de fato constatar erro, devolver a quantia para o banco X, que envia ao seu cliente A.

Segundo o BC, a abertura da notificação de infração pode ser dada por iniciativa do próprio participante ou por iniciativa do seu cliente. Ao receber a reclamação do cliente, a instituição pagadora deve abrir a notificação de infração junto com uma solicitação de devolução após análise de escopo da reclamação de seu cliente (ou seja, faz uma análise para ver se o MED pode ser acionado para o caso específico).

Ou seja, o cliente pode pedir a solicitação desse jeito em caso de engano, mas a instituição vai analisar o caso para ver se o encaixa no MED.

Do ponto de vista do recebedor, a devolução é mais simples: a pessoa pode devolver o dinheiro para quem enviou; ou avisar sua instituição financeira que não reconhece o valor recebido. A instituição vai tentar diagnosticar o que aconteceu e a origem da transação.

O estorno do dinheiro deve aparecer no extrato e o cliente precisa ser informado sobre a operação de devolução, segundo as regras do BC.

3. Quanto tempo demora para estornar um Pix?

No caso de uso do MED, a instituição do cliente pagador pode abrir uma notificação de infração para transações que tenham ocorrido há, no máximo, 80 dias em relação ao dia de abertura da notificação. Ou seja, o cliente que enviou o Pix errado tem 80 dias a partir da data da transação para informar sua instituição financeira.

Além disso, a recomendação do BC é de que a análise da solicitação de devolução por parte do cliente seja feita o mais rápido possível pelas instituições financeiras envolvidas para que os recursos possam ser bloqueados na conta do usuário recebedor, aumentando a probabilidade de sucesso da devolução. Porém, não há limite de prazo para tal.

O que acontece é que a instituição do cliente recebedor bloqueia imediatamente o valor solicitado (total ou parcial, caso o valor total não esteja disponível na conta do cliente que recebeu errado o dinheiro), assim que receber a notificação de infração — dada pela instituição do cliente pagador.

A instituição do cliente recebedor tem sete dias corridos para analisar (aceitar ou rejeitar) a notificação.

Após a aceitação da notificação, é a instituição do cliente pagador que tem até 72 horas para solicitar a devolução. São pedidos diferentes — um para o aviso do problema e outro para pedir a devolução da quantia, se o pedido inicial for aceito.

Ao receber a solicitação de devolução, a instituição do cliente recebedor tem até 24 horas para efetivar a devolução. Desta forma, o prazo para o estorno pode variar, a depender da agilidade das instituições.

Naturalmente, se o pagador for resolver diretamente com a pessoa não há prazo definido.

PIX Banco Central
Logotipo do Pix em celular (Crédito: Shutterstock)

4. A pessoa que gasta o Pix, recebido de forma errada, comete um crime?

Esta resposta depende de algumas variáveis, mas de maneira geral: sim, pode ser considerado crime.

Leonardo Watermann, advogado especializado em crimes contra o consumidor e sócio da Watermann Sociedade de Advogados, explica que só há crime se o indivíduo que fez o Pix errado for cobrar a devolução da pessoa que recebeu e essa pessoa se negar a devolver a quantia.

“Se a pessoa que enviou o dinheiro de forma errada não buscar quem recebeu e cobrar a devolução não tem como fiscalizar e culpar a pessoa que recebeu por gastar a quantia. Ela não cometeu nada de errado, apenas recebeu o dinheiro”, explica o advogado.

“No entanto, se essa pessoa identificou que o dinheiro está com o indivíduo, questionou e pediu de volta o valor, e o recebedor não devolve, aí sim podemos considerar apropriação indébita, ou seja, o apoderamento de um bem alheio móvel, no caso o dinheiro, sem o consentimento do proprietário”, acrescenta.

Inclusive, não importa se o recebedor não sabia, ou se não foi culpa dele o dinheiro ter caído na conta. “A partir do momento que ele não tem a intenção de devolver o valor, se apropria de algo que não é dele, isso pode ser levado para o processo penal”, diz Watermann.

Outro ponto para o recebedor: se a movimentação média de uma pessoa costuma ser de R$ 5 mil, e do nada ela recebe R$ 100 mil e compra um carro, por exemplo, também é um problema. “Esse recebedor já vai ser enquadrado no crime de apropriação indébita. Mesmo de forma velada, a pessoa demonstra a intenção de se apropriar do dinheiro que não é dela”, explica o especialista.

A pessoa que cometeu o erro pode fazer um boletim de ocorrência para registrar o acontecido. “Se o usuário pagador tiver provas que contatou o recebedor e o mesmo não se dispôs a devolver o valor é melhor porque agiliza o processo, mas não é obrigatório, a Justiça vai investigar o caso”, diz o advogado.

O advogado explica que se o usuário que cometeu o erro não conseguir a devolução, o caminho é fazer um B.O e abrir um processo cível para reaver o dinheiro.

“Se a pessoa não se pronunciar e devolver o valor mesmo com o contato, o pagador deve fazer o BO e entra com uma ação judicial que pode ser pequenas causas se for de valores menores que 20 salários mínimos, ou uma ação normal em grandes quantias. Em 90% dos casos, independente de crime ou não, para reaver o dinheiro é preciso abrir um caso judicial. Difícil escapar disso”, diz.

Porém, o caso pode virar criminal a partir do andamento da investigação da polícia, que vai analisar a vida do recebedor. “A partir do registro do B.O, o delegado analisa o caso e decide se abre ou não uma investigação criminal”, diz.

Apropriação indébita não tem pena com reclusão de liberdade. Esse tipo de crime geralmente é resolvido com a reparação do dano, no caso, a devolução do dinheiro.

“O recebedor é notificado pela Justiça a devolver a quantia. Se mesmo assim a pessoa se negar a devolver, o processo segue e haverá um julgamento. A pessoa pode ser absolvida, e nesse caso não ter que devolver o valor, ou a pessoa é condenada e perde sua primariedade, ou seja, passa a ter a ficha suja e perde benefícios que pessoas que nunca cometeram crimes têm”, explica o advogado.

5. É mais seguro fazer Pix de valores menores ou de uma vez só?

Não há regra pra isso: o mais importante é fazer a transferência com atenção para evitar erros, enganos e confusão.

“O que pode ajudar nos casos em que a pessoa precisar enviar valores maiores é fazer um teste de R$ 1 ou até menos, primeiro. Então, vai enviar R$ 50 mil? Pega as informações e envia centavos e confirma se chegou ao destinatário. Se deu certo, efetiva o restante”, sugere Melfi.

As instituições podem limitar os valores de transferência via Pix. Em alguns casos, quando passa de um determinado valor, o cliente precisa informar senha e passar por mais confirmações antes de enviar. “Mas o segredo é ficar atento antes de enviar, confirmar a tela com as informações do destinatário”, diz Melfi.

Segundo o BC, as instituições podem estabelecer limites máximos de valores para as transações com base no perfil de cada cliente, período, titularidade da conta, canal de atendimento e forma de autenticação do usuário. Esses limites são baseados em outros instrumentos de pagamento, como TED e cartão de débito.

Vale lembrar que os usuários podem, ainda, ajustar os limites pelo próprio aplicativo, sendo que a solicitação para redução do limite deve ser acatada imediatamente pelas instituições.

6. Como evitar erros ao fazer um Pix?

As orientações em relação ao uso do Pix, no que diz respeito ao erro de envio são focadas na atenção do usuário.

Como é uma ferramenta instantânea, o Pix exige atenção para evitar dores de cabeça. Apesar do MED, que ainda é um processo burocrático, a melhor solução é confirmar e ler as informações antes de confirmar a transação.

“Na tela de confirmação da transação, seja o pagamento por QR Code ou Chave Pix, certifique-se de que o beneficiário do recurso é realmente a quem você quer transferir. Além disso, nunca transfira dinheiro a pedido de amigos ou parentes em função de mensagens suspeitas em aplicativos de mensagens (como Whatsapp e Telegram), principalmente para conta de outras pessoas. O ideal é telefonar antes para a pessoa e confirmar se ela realmente fez o pedido”, diz o BC em sua lista de recomendações de uso do Pix.

Uma outra dica tem relação com as chaves Pix. “Dê preferência para as chaves aleatórias, que a qualquer dígito errado, invalida a operação”, diz Melfi.

No caso de chaves de CPF e CNPJ, celular e e-mail, também há um aviso quando o documento não existe ou não é cadastrado no Pix. Porém, se eles existirem e estiverem ativos no Pix, há o risco de fazer o envio errado.

Usar a chave aleatória também é positivo porque evita que o usuário compartilhe dados pessoais ao informar a chave Pix para alguém — o que ajuda a prevenir golpes.

O BC ressalta que as instituições que ofertam o Pix a seus clientes têm o dever de responsabilizar-se por fraudes decorrentes de falhas nos seus próprios mecanismos de gerenciamento de riscos.

Para evitar golpes envolvendo Pix, confira a lista de 20 dicas no InfoMoney.

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.