Open Banking: com mais transparência no mercado de crédito, inadimplentes ficarão fora do sistema financeiro?

Ele vai permitir entender as razões da inadimplência, e no limite, ajudar quem teve problema pontual; porém, mal pagador encontrará juros mais altos

Giovanna Sutto

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SÃO PAULO — Depois de alguns meses de espera, a segunda fase do Open Banking no Brasil teve início em agosto. É nessa etapa que uma pequena fatia dos consumidores do país, começa a ter contato com as possibilidades que o novo ecossistema de compartilhamento de dados deve trazer.

E um dos segmentos que deve sofrer mais transformações — com benefícios para os consumidores — é o de crédito. O InfoMoney explicou as principais mudanças esperadas para o segmento de crédito em uma reportagem recente.

De forma resumida, do ponto de vista de crédito, a chegada do Open Banking promete trazer mais concorrência, mais aprovação, menores taxas no longo prazo, e mais distribuição de crédito, em uma espécie de marketplace (saiba mais aqui).

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Mas, na esteira das inovações e melhorias, como ficam as pessoas que estão no vermelho? Ou seja, que estão devendo, portanto, estão inadimplentes, ou, que já estão com o nome sujo? Se o ecossistema vai trazer mais transparência, essas pessoas ficarão às margens do novo sistema financeiro?

Esses questionamentos ganham força em um momento em que esse grupo representa uma fatia majoritária das famílias brasileiras. Inclusive, os dados mais recentes mostram um recorde: considerando o ano até julho, 71,4% das famílias brasileiras estão endividadas, segundo dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

A porcentagem representa alta de 1,7% em relação a junho deste ano. Em relação a julho de 2020, houve alta de 4,0 p.p., maior variação nessa base de comparação desde dezembro de 2019.

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Os dados mais recentes do Serasa, de junho deste ano, mostram que 62,5 milhões de brasileiros (ou cerca de 30% da população) estão negativados – ou seja, estavam inadimplentes e foram registrados pelas instituições financeiras no cadastro do Serasa.

Diante do avanço da pandemia, a crise econômica gerada a partir dela, a inflação pressionada e o mercado de trabalho fragilizado, a situação desse grupo de pessoas é preocupante.

Assim, dado o cenário, o InfoMoney consultou especialistas para entender como fica essa parcela da população diante da chegada do Open Banking. Confira:

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Cenário atual pode ser melhorado

Na prática, as pessoas que não conseguem arcar com algum tipo de compromisso financeiro no fim do mês, precisam de alternativas para conseguir pagar as dívidas e evitar, no limite, ficar com o nome sujo, ou seja, negativadas.

Tomar crédito, que nada mais é do que pegar dinheiro emprestado com uma instituição, passa a ser uma solução – porém, é preciso ficar atento com a taxa de juros, que geralmente são altas. Cheque especial e o rotativo do cartão de crédito, por exemplo, são grandes vilões: com juros que podem passar dos 120% ao ano (a.a.), no primeiro caso, ou até 330% a.a. no segundo caso (saiba mais aqui).

Assim, muitas pessoas, mesmo que por descuido ou problema pontual, caem em linhas de crédito bastante prejudiciais para a saúde financeira já no curto prazo. O problema, no entanto, é a dependência de algumas instituições financeiras devido, entre outras, coisas à concentração de mercado alta que o país possui.

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“Hoje muitos consumidores vão aderindo a produtos do mesmo banco e uma bola de neve começa a se formar. Têm conta corrente, e quando passam por uma situação complicada por diversos motivos vão para o cheque especial, rotativo do cartão, etc. Ficam dependentes dos juros altíssimos sem comparar opções. E as instituições financeiras não têm interesse em trazer clientes inadimplentes de outros bancos. Então, em muitos casos é um beco sem saída”, explica Rogério Melfi, líder do grupo de trabalho de Open Banking na ABFintechs.

Open Banking põe lupa sobre as raízes das dívidas

Diante desse cenário, a chegada do Open Banking, e o compartilhamento de dados a critério do consumidor, deve permitir um sistema financeiro mais transparente.

Segundo Victoria Amato, diretora da plataforma de finanças abertas Quanto, o Open Banking vai permitir que o sistema financeiro seja mais justo.

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“Vai funcionar como uma espécie de lupa que se aproxima da situação de cada indivíduo a partir do compartilhamento feito por ele, abrindo a possibilidade de a instituição fazer uma análise com mais informações, de forma mais profunda e entender a raiz da inadimplência”, diz.

“Durante a pandemia, uma família pode ter ficado um mês sem pagar a conta de luz porque o principal provedor da casa foi demitido, por exemplo, mas isso não significa que essa é uma situação recorrente para essa família. E hoje, sem dados, fica difícil para a instituição compreender isso, portanto, não oferta crédito”, exemplifica a executiva.

“Com mais informações à disposição essa instituição que, até então não tinha interesse no consumidor, pode compreender que esse cidadão tem potencial para se tornar um bom pagador – e de negócio ruim passa a enxergá-lo como oportunidade de captação. Assim, oferece uma taxa de juro menor e atrai esse cliente”, complementa Melfi.

Lembrando que o cliente sempre vai ter a decisão de optar ou não pela oferta, bem como de compartilhar os dados com as instituições que quiser a fim de obter mais opções e cotações, por exemplo (saiba no guia sobre o tema).

Mais oportunidades de sair do vermelho

Nesse sentido, os especialistas defendem que hoje a pessoa que já está endividada, ou pior, negativada, pode ter a chance de melhorar suas condições atuais em um cenário com o Open Banking funcionando de forma consolidada — dado que hoje o ecossistema ainda é incipiente.

Por isso, Elaine Shimoda, diretora de inovações do Mercado Pago, acredita que o consumidor que está no vermelho não tem nada a perder com a chegada do Open Banking.

“De modo geral, o cliente mal pagador, negativado já está exposto. As instituições têm acesso ao Serasa. Então, esse é um caso em que o ‘não’ ele já tem. Não custa tentar buscar opções para sair do vermelho com operação de crédito mais barata e mais flexível, adequada à sua situação. Mesmo a pessoa que está inadimplente, mas não está com o nome sujo, vai ter mais opções de soluções para voltar para o azul”, avalia.

Leonardo Enrique, Head de Open Banking da Serasa Experian, explica que toda instituição, seja financeira ou não, que possui alguma dívida não paga pelo consumidor, pode enviar a informação para o Serasa (ou qualquer outro birô de crédito) e negativar seu cliente.

“Essa informação compõe modelos estatísticos e quando uma instituição financeira busca um score desse cliente essas informações são levadas em consideração”, diz.

Ainda, ele diz que a regra do período em que essa pessoa fica negativada se mantém com a chegada do Open Banking. “Depois de cinco anos a pessoa deixa de estar negativada, de ter o nome sujo, de acordo com a legislação vigente”, diz.

“O Open Banking não tem como objetivo perpetuar esse inadimplente. Pelo contrário, a ideia é facilitar o compartilhamento das informações do cliente, se assim desejarem, com outras instituições para aumentar competitividade e diminuir a barreira de troca de instituição a fim de ter acesso a melhores serviços e produtos mais baratos”, complementa Enrique.

Por isso, vale lembrar a qualquer momento será possível fazer o cancelamento do compartilhamento, e nesse primeiro momento, será possível compartilhar um dado por um período máximo de 12 meses para frente e também, por ora, as instituições têm acesso ao histórico máximo de 12 meses para trás – podendo variar um pouco a depender do tipo da operação.

Alerta: compartilhamento deve ser feito com objetivo

Apesar da autonomia que o cliente vai ganhar, Elaine ressalta que o consumidor deve ficar atento para encontrar um equilíbrio entre se expor e usar o leque de opções do Open Banking a seu favor.

Isso porque compartilhar as informações realmente é sinônimo de abrir a vida financeira para uma outra instituição, portanto, deve compartilhar sua informação, se tiver acesso a algum tipo de benefício.

“Compartilhar dado por compartilhar não faz sentido e não precisa ser feito. A ideia, por exemplo, é que a pessoa que está passando por um problema pontual e não consegue arcar com a taxa de juro ofertada na instituição atual, vai poder compartilhar os dados e comparar taxas de diversas instituições para escolher a que cabe no seu bolso. Essa geração de valor para o cliente, é muito positiva”, explica.

Mal pagador deve ter condições mais caras

Embora o consenso seja de que o Open Banking vai trazer mais soluções para quem está no vermelho, João Bragança, diretor da consultoria Roland Berger, pondera: as instituições vão ter mais informações à disposição justamente para conseguir distinguir melhor quem é bom pagador e quem é mal pagador.

“E, no limite, parte das pessoas, as consideradas más pagadoras, serão penalizadas com taxas mais altas, condições diferentes das oferecidas aos bons pagadores, e menos opções de crédito. Essa diferenciação é esperada e faz parte do negócio do ponto de vista do mercado, afinal as instituições querem saber o tamanho do risco que estão tomando”, explica.

Juan Ferrez, fundador da Teros, empresa especializada em inteligência de dados para o Open Banking, ressalta que o consumidor que, de fato, está dando calote realmente vai encontrar ofertas mais caras.

“Mas a lógica é trazer justiça. Aquele que se enrolou, fez uma escolha errada e hoje está sendo punido com taxas altas por uma trapalhada pontual vai ter espaço e oportunidade de voltar para o azul”, reitera.

Endividados e negativados não devem ficar fora do sistema

A nova dinâmica que o Open Banking vai trazer com mais competitividade e transparência, vai permitir que as instituições “separem o joio do trigo”.

“Porém, isso não significa que essas pessoas que hoje estão no pacote de más pagadoras nunca mais terão acesso ao crédito. Novos nichos de negócios podem atender especificamente esse público. Acredito que veremos instituições especializadas e dispostas a tomar mais risco que vão atender esse público que hoje está inadimplente ou negativado”, diz Ferrez, da Teros.

Essa ideia, inclusive, é um consenso entre os entrevistados. Victoria, da Quanto, pontua que o Open Banking vai abrir espaço para novos modelos de negócio, incluindo, subsegmentos que hoje não existem.

“Essa pessoa que hoje está no vermelho, em linhas gerais, está desassistida. Como o novo ecossistema vai ser possível transformar esse bolo de negativados que hoje quase ninguém olha, em um mercado importante. Acho que um mercado de resgate dessas pessoas pode existir”, avalia a diretora.

Na visão dela, esse mercado pode seguir vários caminhos a fim de recuperar esse devedor, afinal, essa pessoa precisa compreender as vantagens de compartilhar seus dados. A adesão ao ecossistema vai ser fundamental para o sucesso do mesmo.

“Nada vai ser do dia para a noite. Precisamos da educação financeira. Essa pessoa inadimplente ou negativada pode ter algum receio em compartilhar os dados, se não entender exatamente como será beneficiada pelo credor. Assim, acho que muitas empresas que vão atender esse nicho vão fazer um trabalho de educar financeiramente essas pessoas, na tentativa de ajudar na organização do bolso para transformar essa pessoa, que hoje está inadimplente, em um potencial cliente bom pagador. Como um funil: a base é esse cliente negativado e a ideia é ir jogando-o para cima, para ir equilibrando mais o sistema”, explica Victoria.

Melfi, da ABFintechs, concorda que essa iniciativa de educação financeira pode ser uma estratégia das fintechs, novos entrantes, ou mesmo instituições já consolidadas que vão considerar atender esse nicho de pessoas.

“O banco A recebeu dados de um cliente via Open Banking e observou que todo fim de ano essa pessoa fica no vermelho porque gastou mais do que devia no Natal. Se o banco viu que isso é recorrente pode começar a educar essa pessoa, oferece produtos que ensinem a poupar, por exemplo. As instituições vão ter um papel ativo nessa educação financeira”, explica.

Outro caminho das instituições será facilitar a gestão do consumidor. “Tem cliente que não quer ser educado, ou as ofertas de educação financeiras não vão surtir efeito. Nesse cenário o que é esperado são empresas que vão oferecer um agregador de contas que vai fazer a gestão automática para esse cliente. Ele compartilha os dados e o próprio aplicativo, por exemplo, dá dicas de quanto pode gastar, quanto deve economizar, etc. Isso já existe hoje, mas vai ser mais facilitado com o Open Banking”, explica Melfi.

O InfoMoney fez uma reportagem recente sobre as estratégias que os bancos e fintechs vão poder implementar com a chegada do Open Banking.

O objetivo no fim do dia vai ser captar mais clientes, mas considerando que esse já é o objetivo hoje, pelo menos o cliente vai ter mais benefícios e opções ao seu dispor, comenta o executivo.

Melfi também pontua que a chance desse novo mercado, que vai olhar os inadimplentes e negativados como oportunidade de negócio, vai se consolidar devido à competitividade.

“O ringue de luta pelo cliente vai crescer. A captação de clientes vai ser mais difícil com mais players participando. Então, se eu instituição financeira não atender essa fatia significativa de mercado alguém vai. Ninguém vai querer deixar dinheiro na mesa, e isso significa que o cliente vai ter mais opções”, diz Melfi.

É verdade que são expectativas. Neste momento, com a primeira etapa da segunda fase em vigor, apenas 0,1% da base de clientes das instituições estão tendo algum acesso ao Open Banking.

“De fato, o mercado ainda está engatinhando, mas a tendência é que o jogo da oferta e demanda vá dando pistas para a gente ao longo do tempo. Hoje essas são as expectativas”, completa Melfi.

Paciência para enxergar o valor do Open Banking

É importante ressaltar que as empresas têm um grande desafio com a chegada do Open Banking, que vai além de adequar sua infraestrutura tecnológica aos padrões do novo ecossistema: com mais dados circulando, o que vai fazer diferença para o mercado, para o consumidor e, no limite, vai cravar o sucesso do Open Banking no Brasil é a interpretação dos dados.

“Se a instituição não tem controle ou não sabe como usar os dados que chegam até ela de nada vale a informação. Empilhar dados é risco e vira passivo. É preciso receber os dados, interpretá-los e transformá-los em produtos e serviços que vão atender meu cliente. Só que essa jornada nem sempre é simples. Para o dado virar produto é preciso ter um processamento de dados, organizá-los, categorizar e tudo dentro da regulação”, explica Ferrez, da Teros.

“É um desafio fazer isso de forma eficiente. E vai demorar um tempo para trazer esse valor para o cliente. É preciso ter um pouco de paciência. A ideia é que quanto mais pessoas compartilhem dados, mais inteligência de mercado vou gerar”, diz Melfi.

Vale lembrar que tudo o que você precisa saber sobre Open Banking pode ser encontrado na matéria especial “Big Bank: nasce um novo universo financeiro”.

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.