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Alvo de polêmica pela vulnerabilidade do público-alvo e também pelo apelo eleitoral, o crédito consignado do Auxílio Brasil da Caixa dava sinais de controvérsia já na proposta entregue à cúpula do banco público. Nesse documento, a estimativa era conceder R$ 1,2 bilhão na linha em um semestre, mas durante os três meses em que o produto esteve de fato disponível, a Caixa emprestou seis vezes mais através da modalidade.
O documento, obtido pelo Broadcast, ainda mostrava que áreas técnicas do banco fizeram alertas sobre os riscos mas não se posicionaram contra a proposta, que reconhecia como financeiramente vulneráveis os beneficiários do programa social, futuros clientes do novo produto.
As áreas responsáveis esperavam que as concessões do consignado do Auxílio Brasil não detalharam as bases para o cálculo. A estimativa ficou muito abaixo do volume efetivamente emprestado. A Caixa superou a projeção a ser cumprida em 180 dias em apenas sete dias. Na primeira semana, foram concedidos mais de R$ 1,8 bilhão. Devido à alta demanda, em dez dias, já havia atraso na liberação dos recursos. Até a Caixa suspender a oferta, em janeiro, foram concedidos R$ 7,6 bilhões.
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O crédito foi lançado pela Caixa em outubro de 2022, entre o primeiro e o segundo turnos da eleição presidencial, e foi uma das bandeiras da campanha eleitoral do então presidente Jair Bolsonaro (PL) à reeleição. A linha permitia que os beneficiários do Auxílio tomassem dinheiro emprestado com o desconto das parcelas diretamente no benefício. O limite de desconto era de 40% do valor pago às famílias todos os meses.
O produto acabou cancelado pela gestão da atual presidente, Rita Serrano, já no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, mas continua a gerar polêmica. Recentemente, um diretor da Caixa foi destituído do cargo após divulgar documentos relativos ao consignado com o texto escondido por tarjas, e Serrano teve de responder às críticas sobre a modalidade, alvo de investigações de órgãos de controle.
Outros bancos viram riscos
Embora todos os bancos pudessem se habilitar para oferecer o consignado do Auxílio, a Caixa foi o único entre as instituições de maior porte que entrou na linha. Entre os demais, prevaleceu a percepção de que os riscos eram altos demais. Também controlado pela União, o Banco do Brasil não ofereceu o produto. Nesta semana, porém, o Supremo Tribunal Federal (STF) validou, por unanimidade, o consignado para beneficiários de programas sociais.
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Ao calcular concessões de R$ 1,2 bilhão, as áreas responsáveis estimavam que a linha não teria impacto relevante nos índices de capital da Caixa. Entretanto, após o período eleitoral, o banco público teve de frear praticamente todas as outras linhas após superar em outubro o orçamento de crédito que possuía para todo o ano de 2022.
Pessoas próximas à gestão anterior afirmam, reservadamente, que apesar de o volume de concessões ter superado as estimativas, o banco não tem limite por produto e não houve impacto sobre os limites de capital globais supervisionados pelo Banco Central.
Segundo os interlocutores, tampouco o consignado do Auxílio foi o responsável pela fragilização dos índices de liquidez do banco, explicado pelo descasamento das captações, especialmente na poupança, e pelo volume total de concessões, de cerca de R$ 40 bilhões mensais.
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‘Cross-selling’ no consignado do Auxílio
A Caixa enxergou na linha uma ferramenta para reforçar o aplicativo Caixa Tem e também para vender mais produtos e serviços aos beneficiários do Auxílio. “[O crédito ajuda a] incrementar cross-selling [venda cruzada] dos clientes de varejo PF e PJ Caixa, uma vez que, na jornada de concessão está prevista a oferta de Seguro Prestamista, concomitante à operação de crédito”, dizia um trecho da proposta.
Modelo do INSS, taxa de privado
A proposta de 10 de agosto do ano passado foi formulada pela vice-presidência de Negócios de Varejo e pela diretoria de Produtos de Varejo e era destinada a um comitê de vice-presidentes das áreas de clientes, crédito e negócios. O documento tinha como objetivo defender a extensão do modelo de concessão do consignado dos beneficiários do INSS ao público do Auxílio Brasil, criado em 2021 para substituir o Bolsa Família.
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Segundo a análise, mais de 35% do público potencial era formado por pessoas com vulnerabilidade de média-alta a crítica. Para “adaptar” os parâmetros do consignado do INSS aos beneficiários do Auxílio, o documento propõe soluções como simplificar a linguagem das cláusulas contratuais e estabelecer a obrigatoriedade de realização de um questionário voltado à educação financeira antes da contratação.
Um dos riscos apontados pela área técnica do banco era o de superendividamento dos clientes, mas a proposta o relativizou. “O crédito consignado é limitado pelo valor correspondente à capacidade de pagamento mensal do cliente, delimitada por normatização legal e informada pela convenente [a Dataprev] no momento da concessão”, responderam as áreas de negócios e de produtos de varejo. Apesar das adaptações, a proposta considerava que o valor médio das operações seria de R$ 1.350, o mesmo de aposentados e pensionistas.
A taxa, porém, foi de 3,45% ao mês, mais alta que a praticada no consignado do INSS e próxima à do produto destinado a trabalhadores do setor privado, antevendo um risco maior. Em junho deste ano, o consignado do Auxílio tinha inadimplência de 3,37%, se considerados os atrasos acima de 90 dias, contra 2,79% da média da carteira do banco. A inadimplência vem, principalmente, do cancelamento de benefícios por parte do Ministério do Desenvolvimento Social. Neste caso, a Caixa tem que cobrar o cliente de outras formas.
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O que diz a Caixa
Procurada, a Caixa afirmou que a atual gestão suspendeu em janeiro a oferta do produto e o retirou em definitivo do portfólio em março, após a conclusão de estudos técnicos. “O banco determinou ainda a abertura de uma apuração interna junto à auditoria e corregedoria para apurar os fatos relacionados ao Consignado Auxílio. Os procedimentos estão em andamento e, caso fiquem comprovadas irregularidades, os envolvidos serão devidamente responsabilizados”, disse a instituição.
A Caixa afirmou ainda que colabora com as investigações da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e do Tribunal de Contas da União sobre a operação e que mudou vice-presidente, diretores e superintendentes nacionais da vice-presidência de Negócios de Varejo.
O banco público disse que a atual presidente, Rita Serrano, criticava a operação quando era representante dos empregados no conselho de administração e que tem reforçado a concessão de crédito “responsável”.
“Os resultados do primeiro semestre de 2023 atestam a solidez do banco e consolidam o papel da Caixa no desenvolvimento do país”, diz a nota. A Caixa ainda disse que a oferta do consignado está prevista em lei e foi regulamentada pelo então Ministério da Cidadania.