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Qual é a influência da prática ESG na liberação de seguros?

Em 2022, cerca de 45% dos US$ 275 bilhões em perdas econômicas globais decorrentes de desastres naturais foram cobertos por seguros

Gilmara Santos

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A prática ESG, sigla para ações ambientais, sociais e de governança de uma organização, tem ganhado cada vez mais destaque no mundo dos negócios, com muitas companhias percebendo a importância da adoção dessas ações para garantir a fidelização de clientes como também para não correr o risco de ter um seguro negado ao não atender às melhores práticas para minimizar o impacto das suas atividades.

“As seguradoras estão exigindo cada vez mais alinhamento com compromisso ESG, como o climático, que é o mais importante, para subscrição dos serviços de seguro [etapas da tomada de decisão, como a análise dos riscos]”, explica a advogada Daniela Stump, do escritório DC Associados.

Daniela Reia, diretora-executiva da Gallagher Brasilk, considera que as questões ESG são ponto cada vez mais importante e sensível. “Há uma pressão grande do mercado como todo e fatores diretos e indiretos relacionados ao ambiental, social e governança têm impacto real inclusive na precificação”, diz.

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As questões ambiental e climática têm sido as que despertam mais preocupação e, segundo Reia, as seguradoras focam nos detalhes do risco e como a empresa cuida de um problema que a sua atividade pode causar, inclusive a terceiros.

A preocupação está amparada em números. Em 2022, cerca de 45% dos US$ 275 bilhões em perdas econômicas globais decorrentes de desastres naturais foram cobertos por seguros. Isso reafirma a tendência de um aumento médio anual de 5% a 7% nas perdas seguradas nas últimas três décadas, conforme o último relatório sigma da Swiss Re.

Circular 666

“Existe determinação, do meio do ano passado da Susep [Superintendência de Seguros Privados], que começa a colocar o risco que a seguradora gera relacionado a crédito, análise. E algumas seguradoras internacionais já começam a colocar restrição em seu portfólio medindo a pegada de carbono”, diz Daniela Reia.

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A executiva se refere à Circular 666/22, da Susep, que dispõe sobre requisitos de sustentabilidade a serem observados pelas sociedades seguradoras, entidades abertas de previdência complementar, sociedades de capitalização e resseguradores locais.

“A preocupação com sustentabilidade e as práticas ESG não é nova, mas, a partir da assinatura do Acordo de Paris, em 2015, entrou definitivamente na agenda dos reguladores e supervisores financeiros mundo afora – na maioria das vezes enfatizando o risco climático e seus potenciais impactos sobre a estabilidade do sistema financeiro. No Brasil, não por acaso, o Banco Central, que já possuía uma norma tratando do tema, havia anunciado para o ano passado uma grande reformulação dessa regulação, o que de fato fez”, publicou a autarquia à época da divulgação da circular.

A norma da Susep pede que as seguradoras implementem a gestão dos riscos de sustentabilidade (ambientais, sociais e climáticos); política de sustentabilidade; e relatório de sustentabilidade. A gestão dos riscos de sustentabilidade deve ser integrada à estrutura de gestão de riscos e aos processos operacionais, em especial no que se refere à precificação e à subscrição de riscos, seleção de investimentos e seleção de prestadores de serviços, podendo estabelecer limites para concentração de riscos ou restrições para a realização de negócios.

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Os coordenadores da Susep de Regulação Prudencial e de Regulação de Riscos, Ativos e Controles Internos, César Neves e Victor de Almeida França, apresentaram um painel sobre o acompanhamento da regulação brasileira de seguros relacionada a requisitos de sustentabilidade durante evento realizado pela CNSeg (Confederação Nacional das Seguradoras), em Brasília, no mês passado.

Na apresentação, ambos destacaram que a norma foi elaborada com base nas melhores práticas internacionais e em uma grande discussão com o mercado segurador, demandando que as supervisionadas adotem metodologias, processos, procedimentos e controles específicos para identificar, avaliar, classificar, mensurar, tratar, monitorar e reportar, de forma tempestiva, os riscos de sustentabilidade a que se encontram expostas. O compromisso da Susep, dizem eles, é, junto com as empresas do setor, buscar soluções para combater os efeitos das mudanças climáticas.

Compromisso global

Em janeiro deste ano, seguradoras globais e as Nações Unidas lançaram, na Reunião Anual do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, um protocolo de metas para acelerar a transição para uma economia líquida zero.

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A Net-Zero Insurance Alliance (NZIA) considera que o setor de seguros tem um papel importante para desempenhar na transição para uma economia global com emissões líquidas zero, apoiando seus clientes na tomada de medidas concretas para alcançar o zero líquido. O objetivo é engajar o setor global de seguros na agenda da descarbonização.

“O primeiro protocolo de definição de metas da NZIA é um avanço histórico. Pela primeira vez, seguradoras e resseguradoras entre as maiores do mundo construíram uma estrutura e ferramentas de medição para avaliar o impacto de suas atividades nas mudanças climáticas. O Protocolo de Definição de Metas da NZIA servirá como um catalisador para definir metas ambiciosas e sem precedentes rumo ao zero líquido”, disse à época Renaud Guidée , presidente da NZIA e diretor de risco do grupo na AXA.

“A mudança climática é um dos maiores desafios que enfrentamos como sociedade global e as resseguradoras desempenham seu papel na transição para uma economia de baixo carbono. Definir metas para descarbonizar carteiras de resseguro é, portanto, um passo crucial, servindo como uma estrela do norte no caminho para zero líquido”, complementou Thierry Léger, diretor de subscrição do grupo, Swiss Re, cuja organização lidera o grupo de trabalho de definição de metas da NZIA.

Debandada

A meta ambiciosa de colocar o mercado segurador como um dos protagonistas na luta contra o aquecimento global pode não ter o efeito esperado. “Já vimos alguns movimentos de saída deste compromisso de algumas seguradoras e resseguradoras, que mantêm o compromisso, mas não querem fazer isso na aliança”, explica Daniela Stump.

Pelo menos nove empresas já anunciaram a saída do Net-Zero, devido a preocupações legais com legislações antitruste e ações anti-ESG nos Estados Unidos.

Uma que resolveu deixar a aliança foi a resseguradora Munich Re, que anunciou sua saída da Net-Zero Insurance Alliance no fim do mês passado. A empresa alemã era uma das fundadoras da NZIA, lançada no fim de 2021.

“Em nossa opinião, as oportunidades de buscar metas de descarbonização em uma abordagem coletiva entre seguradoras em todo o mundo sem nos expor a riscos antitruste materiais são tão limitadas que é mais eficaz perseguir nossa ambição climática de reduzir o aquecimento global individualmente”, disse à época Joachim Wenning, CEO de Munique Re, conforme noticiou o blog “Sonho Seguro”.

A Zurich Insurance e a Hanover Re anunciaram a saída em abril. A Zurich justificou que vai “concentrar recursos para apoiar os clientes em sua transição [energética]”. Já a seguradora francesa AXA, a resseguradora Scor, a seguradora alemã Allianz e a seguradora japonesa Sompo anunciaram nesta semana que estavam deixando a aliança.

Por enquanto, restam cerca de 20 signatárias na aliança e o grupo garante que está cumprindo com as metas climáticas. Em uma primeira etapa, as emissões de GEE relacionadas ao portfólio de investimentos serão reduzidas em 29% até o fim de 2025 e, posteriormente, serão reduzidas a zero líquido até 2050.

Gilmara Santos

Jornalista especializada em economia e negócios. Foi editora de legislação da Gazeta Mercantil e de Economia do Diário do Grande ABC.