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SÃO PAULO – Nesta segunda-feira (11), um choque para a indústria automotiva brasileira: a Ford anunciou o fechamento de suas três fábricas no país, encerrando sua produção nacional de veículos como EcoSport, Ka e Troller T4.
Ainda em 2021, serão encerradas as operações nas plantas de Camaçari (BA), Taubaté (SP) e a fábrica da Troller em Horizonte (CE). A decisão afeta diretamente 5,3 mil funcionários dessas fábricas. Na América do Sul, a Ford afirmou que manterá apenas as fábricas na Argentina e no Uruguai.
Governos estaduais já se mobilizaram: Camaçari já negocia a fábrica com empresas chinesas, por exemplo. Enquanto isso, o governo federal afirmou que a saída da Ford vai contra o momento da indústria no país. “A decisão da montadora destoa da forte recuperação observada na maioria dos setores da indústria no país, muitos já registrando resultados superiores ao período pré-crise”, disse o Ministério da Economia em comunicado. O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, também disse estar surpreso com anúncio.
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Fica a pergunta: o que levou a Ford a sair do Brasil? O InfoMoney conversou com economistas e especialistas no setor, para entender os motivos que levaram a fabricante americana a deixar o Brasil.
O histórico já não era dos melhores: a marca amargou anos difíceis no Brasil. Registrou prejuízos bilionários, perdeu participação de mercado e já havia encerrado operações antes do anúncio desta semana, como o fechamento da fábrica de caminhões em São Bernardo do Campo (SP), em 2019. A situação em lucro e market share foi complicada pela pandemia do novo coronavírus. Então, a Ford se voltou aos fundamentos: fábricas mais produtivas e automóveis com maior valor agregado.
Mas os especialistas também destacaram que o ambiente de negócios brasileiro pesou para que o país perdesse espaço para a Argentina. O desaquecimento da economia brasileira, que reduziu as vendas de veículos no mercado, aliado a um pano de fundo de instabilidades jurídicas e alto nível de burocracia foram fatores importantes para a decisão, segundo os economistas.
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“A insegurança jurídica no Brasil, por vezes, é até maior do que na Argentina. Por exemplo, aqui as empresas precisam lidar não só com os possíveis aumentos de impostos, mas também com a mudança de regra no meio do campeonato. O imposto aumenta de um dia para o outro e pega todo mundo de surpresa, não há plano de negócio que se ajuste tão rapidamente”, diz Raphael Galante, economista que trabalha no setor automotivo há 14 anos e consultor na Oikonomia Consultoria.
Brasil: anos difíceis para a Ford
A Ford deixa de produzir carros em um país onde amarga prejuízos há anos. “Entre 2013 e 2020, a operação da américa do Sul da Ford acumulou prejuízos de US$ 5,7 bilhões”, afirmou Galante em sua coluna no InfoMoney, com base nos resultados da Ford.
“Se expandirmos a análise do resultado da marca de 2006 até 2020, há um lucro de US$ 112 milhões. Tivemos um período de bonança entre 2006 e 2012 com um resultado positivo de US$ 5,8 bilhões, contra um prejuízo de US$ 5,7 bilhões no período de 2013 até 2020 (o resultado do último quartil de 2020 deve deixar a operação no zero-a-zero nesses 15 anos de operação)”, complementa em seu texto.
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O mercado automotivo encerrou 2020 com o maior tombo em cinco anos, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (Anfavea). Entre carros de passeio, utilitários leves, caminhões e ônibus, o total emplacado no ano passado foi de 2,06 milhões de unidades, 26,2% abaixo das vendas de 2019. Trata-se de um recuo não observado desde 2015, quando a queda do setor, em meio à recessão brasileira, chegou a 26,6%.
Pelas projeções da consultoria Tendências, a recuperação no mercado automotivo brasileiro deve ocorrer de forma gradual, voltando para volumes de 2019 apenas no final de 2022 ou começo de 2023. “A pandemia pode ser um fator adicional para a saída da Ford. A indústria automotiva foi bem afetada pela pandemia de forma geral. Mesmo que tenhamos visto uma recuperação ao longo do segundo semestre, puxada pelas vendas internas, que mostraram boa recuperação, os efeitos ainda foram severos para a produção no acumulado do ano”, disse Isabela Tavares, economista da Tendências.
Segundo a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), a Ford teve uma participação de mercado de 7,14% em 2020, a menor entre as marcas General Motors, Fiat, Volkswagen e Hyundai. Em 2006, a Ford detinha 11,34% do mercado.
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“Essa perda de espaço aconteceu principalmente devido à falta de inovação. A Ford não ampliou, não inovou, não atualizou seu portfólio na mesma velocidade que as concorrentes. Apesar da surpresa da notícia em um primeiro momento, era questão de tempo até a montadora ter que paralisar a produção. Afinal, os indicadores mostram que ela perdeu o nível de competitividade”, explicou Galante.
Apesar disso, segundo Isabela, a Ford não foi a única montadora a perder participação. “Quase o mercado todo viu esse movimento, dado o aumento de competição nos últimos anos – especialmente com a entrada das montadoras asiáticas.”
Inclusive, Milad Kalume Neto, diretor de novos negócios da consultoria automotiva Jato Dynamics, aponta que a saída da Ford do Brasil não foi ruim para a marca. “Tanto que as ações da empresa subiram nos Estados Unidos”, diz. No fim desta segunda-feira (11), na Bolsa de Nova York, as ações da Ford fecharam o pregão com ganhos de 3,33%, a US$ 9,30. No mesmo dia, o índice S&P 500, que reúne as 500 principais empresas listadas em bolsas de valores nos EUA, teve baixa de 0,66%. Nesta terça-feira (12), às 16h45 (horário de Brasília) os papéis subiam 4,52%.
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Outro ponto importante para a saída da Ford foi a capacidade ociosa das fábricas brasileiras, grandes demais para a demanda pelos veículos da Ford. Fabricantes de veículos automotores e produtos de metal registraram ociosidade média do parque fabril superior a 30% nos últimos quatro meses, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
A produção nacional tem capacidade para entre quatro a cinco milhões de veículos por ano, estima Kalume Neto. Mas as projeções de vendas para este ano seriam de 2,4 milhões de veículos novos. “Quedas nas vendas da Ford em um mercado como o brasileiro causam prejuízos representativos, pois os custos fixos permanecem altos”, diz o especialista, complementando que as fábricas da Ford não estavam operando em plena capacidade e a ociosidade gera alto custo para as indústrias.
Por que a Argentina?
Antônio Jorge Martins, diretor administrativo financeiro e coordenador de cursos automotivos da FGV, diz que é preciso olhar a decisão da Ford sem comparar as situações macroeconômicas dos dois países.
“Há fatores que levaram a Ford a manter as operações na Argentina, mas não é porque o país está um paraíso, com uma economia melhor que a do Brasil, ou câmbio mais atrativo. Não é isso. O Brasil não foi substituído pela Argentina. A Ford escolheu paralisar a produção de EcoSport e Ka aqui, mas não a removeu para outra planta em um país vizinho. Esses produtos deixarão de ser fabricados. Isso mostra que a montadora está passando por uma espécie de enxugamento de suas operações”, explica.
Para Martins, o processo de reestruturação usado como argumento para o fechamento das fábricas no Brasil não é muito diferente dos processos de associação e fusão que outras montadoras anunciaram recentemente. “A fusão da FCA (Fiat-Chrysler Automobiles) e da PSA (Peugeot Société Anonyme, que detém as marcas Citroën, Opel e Vauxhall) é um exemplo, bem como a aliança Renault-Nissan-Mitsubishi. É uma tendência mundial essa reestruturação, de uma forma ou de outra”, avalia.
Mesmo assim, a Ford escolheu especificamente o mercado argentino por alguns motivos. Veja quais são eles:
Produtividade e acordos com o Brasil
Primeiro, a mudança para o país vizinho pode resolver o dilema de capacidade ociosa da Ford. “Transferir a produção para um país com uma estrutura menor pode ter sido a escolha certa. Agora, a Ford ocupa fábricas quase totalmente produtivas. Foi uma decisão puramente financeira”, diz Kalume Neto.
Ainda segundo o diretor da Jato Dynamics, o mercado interno argentino para novos veículos é um terço do brasileiro. O mercado uruguaio é ainda menor. “A Ford pode exportar seus veículos para o Brasil, aproveitando-se de acordos bilaterais existentes. Veículos argentinos em solo nacional não são uma novidade.”
Em 2019, Argentina e Brasil assinaram um acordo de livre comércio automotivo. O tratado prevê o livre comércio de bens automotivos, a partir de 1º de julho de 2029, sem quaisquer condicionalidades. Até que se atinja o livre comércio em definitivo, o pacto prevê aumentos graduais, com efeitos imediatos, dos volumes intercambiados sem a cobrança de tarifas.
Expertise argentina, com olhos no futuro
Ainda, no país dos hermanos, o momento para a Ford é outro. A Ford Argentina encerrou o último ano com o anúncio de um investimento de US$ 580 milhões para fabricar a nova geração do Ford Ranger, prevista a partir de 2023. O modelo atual da picape se fabrica em General Pacheco, província de Buenos Aires.
“Nossa equipe dedicada conseguiu um progresso significativo na transformação de nossas operações, incluindo a descontinuação de produtos não rentáveis e a saída do negócio de caminhões pesados”, afirmou na época Lyle Watters, presidente da Ford para a América do Sul. As informações são do jornal argentino Clarín.
Em 2019, a Ford já havia anunciado o fechamento de sua fábrica em São Bernardo do Campo (São Paulo). Na época, a Ford alegou que suspendeu a produção para sair do segmento de caminhões na América do Sul. “A ação em São Bernardo foi difícil, mas necessária para a reestruturação dos negócios da empresa”, afirmou a empresa em nota.
Em comunicado sobre o fechamento das três fábricas no Brasil, a Ford reforçou essa necessidade de oferecer veículos maior valor agregado. A marca citou na nota que atenderá o consumidor com um “portfólio empolgante de veículos conectados, e cada vez mais eletrificados”. A Ford cita modelos como Ranger, Transit, Bronco e Mustang Mach 1.
Apesar de o mercado argentino ser menor, Galante afirma que possui uma expertise bem específica. “Eles desenvolveram expertise na produção de SUVs e picapes, como a Ranger [que já era importada para o Brasil]. Eles têm conhecimento nesse segmento, que tem um enorme potencial e é queridinho no Brasil”, diz.
Por isso, a estratégia da Ford é clara, segundo Galante: focar em carros maiores, que vão trazer mais rentabilidade. “A montadora optou por focar em nichos de maior valor agregado, como SUVs e picapes, e em manter um portfólio pequeno e direcionado. Tirou do portfólio o Ka e o Ka sedan, que são carros mais baratos, de pouca rentabilidade e com volume muito destinado às locadoras. Tirou também o EcoSport, que foi o primeiro SUV do Brasil, mas cujo segmento é muito concorrido.”
Custo Brasil como pano de fundo
“Claramente, o Brasil está perdendo a guerra comercial. A quinta maior montadora em vendas está deixando as atividades no país, e isso não é normal. É um espelho das instabilidades econômicas e políticas que circulam nosso país por alguns anos”, analisa Kalume Neto. “Uma política fiscal sem mecanismos artificiais de estímulo tornaria o país mais adequado para investimentos em todas as áreas. Precisamos gerar emprego e renda de forma sustentável. Mas o governo pouco realizou no aspecto tributário.”
O Ministério da Economia afirmou que “trabalha intensamente na redução do Custo Brasil com iniciativas que já promoveram avanços importantes. Isto [decisão da Ford] reforça a necessidade de rápida implementação das medidas de melhoria do ambiente de negócios e de avançar nas reformas estruturais”, diz a nota da pasta. Custo Brasil é uma expressão usada para reunir o conjunto de dificuldades que impedem o crescimento de negócios no país – como complexidades jurídicas, logísticas e tributárias.
Entidades também destacaram a necessidade de reformas no país. A Anfavea, entidade que representa montadoras no país, creditou a saída da Ford à ausência de medidas capazes de aliviar o custo de produção no Brasil. “A Anfavea não vai se manifestar sobre o tema. Trata-se de uma decisão estratégica global de uma das nossas associadas. Respeitamos e lamentamos. Mas isso corrobora o que a entidade vem alertando, há mais de um ano, sobre a ociosidade da indústria (local e global) e a falta de medidas que reduzam o Custo Brasil”, diz a entidade na íntegra da nota.
Em comunicado, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também cobrou a necessidade de redução do Custo Brasil. “Precisamos urgentemente fazer reformas estruturais, baixar impostos e melhorar a competitividade da nossa economia para atrair investimentos e gerar os empregos de que o Brasil tanto precisa”, destacou a entidade. “O custo de cada automóvel produzido aqui, por exemplo, dobra apenas por conta dos impostos.”
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou nesta segunda-feira (11) que o fechamento das fábricas da Ford no Brasil evidencia a ausência de regras claras, de segurança jurídica e de um sistema tributário racional. Defensor da proposta de reforma tributária de autoria do candidato apoiado por ele para a sucessão no comando da Câmara, Baleia Rossi (MDB-SP), o atual presidente da Casa apontou que o sistema tributário teria se tornado um “manicômio” nos últimos anos, com impacto direto sobre a produtividade das empresas.
Faltaram subsídios para a Ford?
Nesta terça-feira (12), o presidente Jair Bolsonaro afirmou que lamenta a perda de empregos causada pela decisão da Ford, mas disse que a empresa não fala a “verdade” e que queria subsídios para continuar no país. “Lamento os cinco mil empregos perdidos. Mas o que a Ford quer? Faltou a Ford dizer a verdade. Querem subsídios. Vocês querem que continuem dando R$ 20 bilhões para eles, como fizeram nos últimos anos? Dinheiro de vocês, do imposto de vocês”, disse a apoiadores, na saída do Palácio da Alvorada.
Dados do Ministério da Economia levantados pelo jornal O Estado de São Paulo mostram que incentivos tributários para fabricantes de automóveis atingiram R$ 43,7 bilhões entre 2010 e 2020. Além de benefícios em tributos federais, as empresas contam com os dados pelos estados, que não entraram na conta do Ministério da Economia.
Porém, Martins, da FGV, não acredita que a falta de subsídios tenha sido um motivo para a Ford deixar o país. “Historicamente, o Brasil tem políticas agressivas de subsídios e incentivos ao setor automotivo de forma geral. No passado, o setor tinha altos níveis de empregabilidade, que diminuíram devido à automação das máquinas e à evolução da tecnologia. Ainda assim, é um setor muito importante para o Brasil”, explica. “Mas a Ford não está abandonando o Brasil por falta de subsídios. É uma decisão estratégica, cujo primeiro sinal já havia sido dado com o fechamento da fabrica de caminhões em São Bernardo do Campo, no ano de 2019.”
Martins ressaltou que a Ford recebeu subsídios, e cada montadora usufrui desse tipo da oportunidade como deseja. “É difícil cravar quem usa qual subsídio ou incentivo. A Rota 2030 [programa de incentivos fiscais que substituiu o similar Inovar Auto] ficou conhecida e deve fomentar o desenvolvimento tecnológico, investimentos e algumas fabricantes estão adotando medidas nessa direção, mas vão receber os incentivos fiscais se alcançarem determinadas metas de eficiência energética e de investimentos em novos carros, por exemplo. Os incentivos por meio de impostos, como ICMS, imposto de importação e IPI são pontuais e os governos federal e estadual utilizam esses mecanismos em certos momentos. Não foi a falta disso que fez a Ford ir embora”, diz.
Então, Ford nunca mais?
Na prática, a Ford deixou de produzir carros no Brasil, mas continua operando por aqui. A assessoria afirmou que o Centro de Desenvolvimento de Produto, na Bahia, o Campo de Provas, em Tatuí (SP), e sua sede regional em São Paulo seguem funcionando, bem como os serviços de assistência ao consumidor para operações de vendas, peças de reposição e garantia para os clientes no Brasil.
Além disso, Galante entende que os preços dos carros da Ford que vão ser comercializados aqui não sofrerão grandes impactos. “Os carros da Ford que o consumidor vai ter acesso serão importados, como já acontece hoje com o a Ranger, com o Mustang. Não vão ficar mais caros só porque o Brasil não tem mais linha de produção. Os consumidores vão encontrar os carros do portfólio da montadora nas redes de concessionárias – que vai ser radicalmente reduzida, pelo baixo volume que teremos a partir de agora, mas vai continuar existindo”, explica.
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