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SÃO PAULO – Começa a terceira fase da trilogia da BRF. Primeiro, vieram resultados ruins no fim de 2016 mas uma promessa de ‘virada de página’ em 2017. Daí veio o novo ano e, além de resultados ainda piores, surgiram surpresas catastróficas (como a Operação Carne Fraca) e uma briga entre acionistas e o presidente do Conselho que se arrastaram até abril de 2018. Resultado: a empresa, que no começo de 2017 era tida como uma das “barganhas” da bolsa, chegou a perder 65% de valor de mercado entre outubro de 2016 e abril de 2018.
Agora, no final de abril, a BRF chega ao “volume 3” da sua trilogia, após os acionistas elegerem Pedro Parente (CEO da Petrobras) para substituir Abilio Diniz na presidência do Conselho de Administração da companhia. Qual seria um bom nome para essa 3ª fase da empresa resultante da fusão Sadia + Perdigão? Ao ler o longo relatório produzido pela equipe de análise do BTG Pactual, uma boa sugestão seria “a hora de voltar ao MUITO básico”.
Para quem esperava uma recomendação de compra de uma importante casa de análise para validar a ideia de encarteirar BRF após esta derrocada na bolsa, não vai ficar muito feliz com o paper de 15 páginas assinado pelos analistas Vito Ferreira e Thiago Duarte e enviado aos clientes do banco: eles revelam por que apesar do “sucesso” na escolha do novo chairman da companhia o momento segue extremamente delicado – e destacam 3 desafios centrais para justificar essa apreensão: recuperação das margens, estrutura de capital e recuperação da gestão.
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Em virtude disso, eles reduziram o preço-alvo da ação da BRF de R$ 33 para R$ 25, em linha com o que ela atualmente vale em bolsa (R$ 25,72 no fechamento de sexta-feira, 27/4) e 15% abaixo do target consensual do mercado. “Nossa percepção é que o mercado perdeu a referência sobre qual é o preço justo da BRF (…) acreditamos que o mercado trabalha hoje com uma margem bruta de 24%, o que é 250 pontos-base acima do que a companhia entregou nos últimos dois trimestres (após a normalização no preço dos grãos). A nossa descrença de que uma evolução das margens é alcançável no curto prazo nos levou a recomendar aos investidores que abordem as ações da BRF com cautela”.
Apesar de toda essa repulsa, a recomendação do BTG para as ações não é de venda, mas sim “neutra”. A justificativa pode fazer a mão de muito “caçador de barganha” coçar: “nós ainda acreditamos que a BRF ostenta uma base de ativos que consideramos inigualável e impossível de replicar, tornando-a um possível de ‘takeover’ (tomada de controle) a qualquer momento”, escrevem Ferreira e Duarte no penúltimo parágrafo do relatório. Eles acreditam ainda que essa possibilidade de venda é uma das poucas razões fortes para a BRF ter performado bem nas últimas semanas – entre 17 e 27 de maio, a ação saltou de R$ 20,20 para R$ 25,70, quase 25% de valorização. Eles reforçam, no entanto, que isso não está no cenário-base deles.
No próprio relatório o BTG traz uma evidência que explica por que ele é tão cauteloso com as ações da BRF, em um registro que serve também como uma valiosíssima lição sobre a importância de diversificar seus investimentos na bolsa, pois mesmo com todas as informações e os melhores analistas do mercado, não estamos imunes a erros na renda variável. “Há um ano, escrevemos um relatório sobre a BRF explicando por que, depois de claros soluços relacionados à execução e à alocação de capital, ainda esperávamos que os principais fatores de retração dos lucros fossem em sua maioria de natureza cíclica e não estrutural. Hoje, não poderíamos estar mais errados”.
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Se no começo de 2017 a culpa dos resultados ruins recaía sobre o ciclo, o passar dos meses mostrou que havia um problema estrutural na BRF. Soma-se a isso a incapacidade de monetizar as agressivas aquisições, o forte programa de recompra de ações, a disputa entre seus principais acionistas e o choque de reputação causado pela Operação Carne Fraca e temos uma combinação perfeitamente destruidora de endividamento crescente, margens em compressão e imagem danificada. Um desafio foi vencido no curto prazo, qie foi a formação de um Conselho de Administração “apropriado”, mas ainda há muito a ser feito.
“Nossa conclusão é que não existe uma ‘bala de prata’ e os desafios da BRF para recuperar a lucratividade podem levar muito tempo e exigir uma boa dose de investimentos em seus fluxos de receita e custo. Estes desafios se tornam ainda mais pronunciados quando se considera sua estrutura de capital, que agora oferece pouca flexibilidade”, resume o BTG.
Os 3 maiores desafios do “turnaround” da BRF
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1. Recuperação das margens
Conforme o BTG explica, o ROIC (Retorno Sobre o Capital Investido, que em suma mede o quanto acionistas e credores podem obter de retorno em um investimento) da BRF pode ser dividido em duas partes: margem operacional (cíclico) e giro de ativos (estrutural). É razoável dizer que o fator cíclico sempre estará presente em um negócio em que cerca de um terço dos custos vem de grãos (soja e milho) e quase metade da receita deriva do “altamente commoditizado” mercado de frango fresco. Por isso, maximizar o retorno depende de adicionar valor aos produtos (marcas, inovação etc) e aumentar a capacidade de utilização. Nos últimos anos, a BRF tem sido eficiente em perder nestas duas frentes: tanto as margens como o giro de ativo têm operado sob pressão, especialmente após a BRF intensificar suas aquisições.
Se até 2016 o grande problema para os resultados da BRF era o preço do milho nas máximas, a partir daí a normalização do grão não se refletiu em menores custos – ou seja, havia muito “indireto” na história da empresa. Nas contas do BTG, os custos indiretos da BRF (que excluem depreciação e grãos) ficaram no segundo semestre de 2017 em média 22% maior do visto em 2014 e 2015. O ex-CEO da companhia, José Drummond, chegou a dizer na última teleconferência de resultados que esperava que a BRF “fizesse um esforço coordenado e plurianual para cortar pelo menos R$ 300 milhões em custos”, vindo de várias frentes como automação, simplificação de processos, menor desperdício etc.
Se no lado dos custos as coisas não andam bem, no lado dos preços e do “market share” a situação não ajuda. Em 2015, a BRF adotou uma estratégia mais “promocional” com o intuito de recuperar participação de mercado, mas os menores preços reduziram as margens sem aumentar o “share”. O cenário macroeconômico não ajudou, mas não é o culpado, julga o BTG: “a BRF precisará recuperar sua capacidade de inovação (…) acreditamos que a capacidade da BRF de capturar valor da cadeia pode estar sob ameaça”, dizem os analistas do banco.
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2. Estrutura de capital
A alocação de capital é um dos pontos mais controversos na gestão da BRF desde 2013, avalia o BTG. Entre 2013 e 2017, ela gerou um FCF (Fluxo de Caixa Livre) de R$ 8 bilhões (ou R$ 1,6 bilhão por ano em média), via venda dos ativos lácteos e de carne bovina. Esse excesso de capital foi utilizado numa combinação de: R$ 5,2 bilhões em 15 aquisições – principalmente no Oriente Médio -, R$ 4,5 bilhões em um programa de recompra de ações e R$ 3,3 bilhões em dividendos. Com isso, a dívida líquida praticamente triplicou em 5 anos, indo de R$ 4,3 bilhões para R$ 13,3 bilhões entre 2013 e 2017.
“A combinação da controversa política de alocação de capital da BRF e a redução das margens operacionais aumentaram fortemente a alavancagem líquida nos últimos tempos”, resume o banco, dizendo que os níveis atuais da relação Dívida Líquida/Ebitda, em torno de 4,5x, pode se manter assim no longo prazo – a saber: em 2013, e dívida líquida era pouco mais de 2 vezes superior ao Ebitda.
Essa preocupação com o endividamento deve-se nas próprias sinalizações da empresa de que precisará fazer investimentos ainda maiores para solucionar a queda do ROIC. “Em outras palavras, acreditamos que a BRF pode precisar gastar dinheiro para fazer dinheiro, numa altura em que a sua estrutura de capital é muito menos flexível”, conclui.
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3. Recuperação da gestão
Se por um lado a eleição de Pedro Parente para ser presidente do Conselho da BRF põe fim à uma disputa altamente improdutiva entre grupos de acionistas e também traz uma credibilidade muito necessária em um momento em que a empresa enfrenta sérios problemas de imagem (não esqueçamos da Operação Carne Fraca). Mas isso é apenas o primeiro de muitos passos, necessários, avalia o BTG, que lembra a tumultuada “dança das cadeiras” da companhia nos últimos 5 anos – nesse período, foram 5 CEOs globais, 4 CFOs e 5 CEOs do Brasil.
“Essa matemática obviamente não inclui a rotatividade em outros cargos de alta e média gerência, o que na verdade aumenta o desafio para a futura capacidade de execução da BRF”, escrevem Duarte e Ferreira.