Em recuperação judicial, Hopi Hari pena para se reerguer em plena pandemia: “retomada será lenta”

Sem acesso a crédito e endividado até o limite, o Hopi Hari não demitiu funcionários e tenta vender pacotes de ingressos para a reabertura

Giovanna Sutto

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SÃO PAULO – Com a quarentena, os parques temáticos estão sendo muito afetados: não é possível abrir as portas e, sem a venda de ingressos, basicamente não existe receita. A Disney, por exemplo, viu seu lucro cair 90% apenas no primeiro trimestre, que contabilizou 17 dias de parques fechados.

Em Vinhedo, no interior de São Paulo, o Hopi Hari passa por um processo de recuperação judicial (RJ) e enfrenta momentos ainda mais preocupantes durante a pandemia.

“O parque, como todos e o segmento de entretenimento de modo geral, foi fortemente atingido pela pandemia. Pelo simples fato de estarmos totalmente fechados, a falta total de receita gera muita dificuldade, logo agora que estávamos em franca recuperação e planejamento de crescimento”, afirma Alexandre Rodrigues, presidente do Hopi Hari, em entrevista ao InfoMoney.

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A empresa está à espera da assembleia de credores para votar um aditivo do plano de recuperação judicial, que, na prática, representa uma versão atualizada do plano já aprovado. O pedido de RJ foi feito em agosto de 2016, para evitar falência, e a reabertura foi em 2017.

O executivo explicou que o documento remetido à Justiça projeta ano a ano o que se espera do Hopi Hari “em termos financeiros nas duas décadas posteriores à aprovação e inclui, dentre outros pontos, o compromisso de investir recursos próprios, para o crescimento do negócio e da região, já a partir do sétimo ano, com a modernização da montanha-russa de madeira Montezum e investimentos em novas atrações de mais vulto para o parque”.

Desde então, a empresa vinha tentando voltar à ativa. O parque contabilizou alta de visitantes e de receitas em 2019, mas mesmo assim o prejuízo foi estimado em R$ 6 milhões, segundo informações do balanço divulgado em fevereiro.

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O executivo não revelou o prejuízo adicional oriundo da crise causada pela pandemia do coronavírus.

“Neste momento, aguardamos para realizar a Assembleia Geral de Credores (AGC) com objetivo de aprovar o aditivo ao plano de recuperação judicial. A data da AGC estava agendada para o final do mês de maio e início de junho. Dependemos da flexibilização da quarentena, já que este tipo de reunião, na configuração de assembleia, também está proibida. Dessa forma, estamos alinhando com o judiciário qual seria a melhor data para, respeitando a quarentena”, explica Rodrigues.

A dívida estimada do parque é de R$ 300 milhões, sendo o BNDES é o maior credor, segundo Rodrigues.

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Segundo o executivo, a assembleia vai acontecer porque já era prevista antes da crise ter início. “Mas estamos aguardando o momento propício para a realização da AGC, mas o plano não será e nem mesmo precisará ser revisto”, diz.

O aditivo apresentado à Justiça contempla todos os credores da empresa, incluindo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), detentor da maior parte do crédito em questão, que totaliza R$ 300 milhões, segundo Rodrigues. “O dispositivo legal, na prática, substitui o plano de autoria da antiga presidência do parque, que foi aprovado, mas acabou contestado pela 2ª Câmara de Direito Empresarial em dezembro do ano passado”, explica.

Mas para Douglas Duek, especialista em RJ e fundador da Quist, o aditivo que será votado não contempla os problemas atuais, apenas os do passado. “A assembleia não vai resolver o problema. O aditivo precisa ser votado, mas os problemas atuais são significativos e mais medidas precisarão ser votadas”, opina.

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“O documento tem a proposta de atualizar o plano e continuar a negociação. Se os credores concordarem com o aditivo, o plano é atualizado. Se não concordarem, há duas opções: podem permitir que a empresa apresente outra proposta mais para frente e a negociação segue ou podem decretar falência”, explica Duek.

Dificuldades dobradas

Para Fernando Ferreira, advogado especialista em RJ e sócio do Santos Neto Advogados, se para empresas do setor a situação já é muito difícil, no Hopi Hari as “dificuldades são dobradas”.

“O entretenimento depende do fluxo de pessoas e, muitas vezes, do turismo. Zerou a atividade, e a receita é fortemente impactada. Empresas que não estão no meio de uma recuperação judicial podem ter alguma reserva de caixa, embora ninguém tenha pensado em passar um período tão grande com tanta penalização de caixa. Tem a folha de pagamento, fornecedores, pagamentos de dívidas, o estresse financeiro é muito alto”, diz.

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Segundo ele, outro ponto que agrava a situação é o acesso ao crédito. “Muitas empresas tiveram que se socorrer por meio de crédito durante a crise. O Hopi Hari não consegue. Há uma ojeriza em negociar com empresa em RJ devido ao alto risco. Os bancos evitam trabalhar com empresas nessa situação. Assim, além da dificuldade mercadológica, ainda não tem uma fonte alternativa de recursos”, diz.

Douglas Duek, da Quist, acrescenta que o “negócio nunca deu dinheiro”.

“No início, a empresa tomou dinheiro emprestado para montar uma superestrutura no Brasil. Emprestou de fundos de pensão e outros, mas nunca pagou os empréstimos, e as dívidas foram se acumulando. Com a recuperação, ganha um tempo para se reestruturar, mas agora parado e com uma dívida exorbitante”, diz Duek.

Ele complementa: “A RJ consiste, basicamente, em congelar a dívida velha, fazer a lição de casa e pagar a dívida milionárias em vários anos. Nesse meio tempo reorganizo o negócio. Só que como vai se organizar no meio de uma crise totalmente imprevisível?”.

Outro desafio é a retomada. Duek entende que o setor de entretenimento deve ser um dos últimos a voltar à normalidade já que exige a aglomeração. “Não é essencial e deve demorar ainda mais para voltar a funcionar”, diz.

Alternativas

Em um momento de queda brusca da receita, Rodrigues explica que a empresa está buscando alternativas tentando antecipar a venda de ingressos. “Estamos apostando em campanhas que possam garantir visitantes quando as condições forem propícias e seguras à reabertura”, explica.

O passaporte (nome do ingresso do parque) “De volta ao Hopi“, que custa R$ 59,90, permite visitar o parque ainda neste ano, em qualquer dia a partir da reabertura.

“Comercializamos, ainda, dois planos de email com o domínio @hopihari.com.br para os fãs – além de 25GB de armazenamento, as contas oferecem possibilidade de 12 visitas durante o período de um ano (uma por mês), sem acesso a eventos exclusivos (R$ 119,90) ou com acesso (R$ 139,90). Temos, ainda, dois grandes eventos programados para o segundo semestre: o Hopi Pride, maior festival LGBTQ+ do Brasil em sua 5ª edição, e também o Show do RBD sem o RBD, megaevento de fãs da banda mexicana”, afirma.

Segundo Ferrereira, a o Hopi Hari poderia demitir funcionários na tentativa de mitigar custos, mas dívidas feitas após o plano de recuperação judicial ter sido aprovado não são congeladas e precisam ser pagas. “Ou seja, se demitir funcionários CLT, por exemplo, precisa arcar com os custos de acordo com os direitos dos empregados previstos em lei, então é mais gasto nesse momento”, afirma.

O Conselho Nacional de Justiça já editou um decreto em que flexibiliza o pagamento de dívidas para empresas em recuperação judicial. “A recomendação de nº 63 de 31 de março deste ano prevê que empresa  em RJ com dificuldade de cumprir o plano aprovado devido à dificuldade de acesso ao crédito e efeitos da pandemia podem prorrogar os pagamentos das dívidas. Assim há uma flexibilização em relação ao descumprimento do plano em razão da pandemia. Em termos normais, após o plano aprovado a empresa precisa andar nos trilhos”, lembra Ferreira.

Apesar da situação, a empresa, que conta com 700 funcionários, não demitiu ninguém. “Mantivemos todos os empregos. Conseguimos realizar esta ação a partir de nosso planejamento financeiro e estratégico, com a utilização da MP 927 e, depois, com a MP 936. Também fizemos um mix de aproveitamento destas medidas com redução salarial e até suspensão de contratos, férias, uso do banco de horas, entre outras medidas”, explica Rodrigues.

Sobre isso, Duek lembra que há um decreto em andamento que consiste na permissão de “uma recuperação judicial, da recuperação judicial”.

“Seria uma espécie de ‘Recall das RJ’ já que muitos planos precisarão ser revistos em meio à crise. Está em discussão no CNJ e basicamente consiste em quebrar a prioridade de pagamentos das novas dívidas”, comenta.

“Quando uma empresa pede a RJ todas as dívidas até o momento do pedido são congeladas e serão pagas no futuro, mas as dívidas que entram depois desse pedido têm prioridade no pagamento, já que supostamente a empresa deve estar se organizando. Só que nesse ambiente de crise, essas despesas também não serão pagas. Então, é pedir o congelamento também das ‘novas’ dívidas e jogar para frente, na tentativa de não falir”, explica. Essa possibilidade está apenas no campo da discussão, mas pode ajudar algumas empresas na situação do Hopi Hari, por exemplo.

Rodrigues admite que 2020 já seria um ano complicado por conta da recuperação judicial, mas a pandemia de covid-19 surpreendeu a todos. “E por ‘todos’ me refiro ao setor de entretenimento e, em especial, ao de parques temáticos. O prejuízo foi grande. Basta lembrar que na segunda quinzena de março de 2020 estaríamos iniciando o nosso segundo maior evento, o Hopinight, saindo, portanto, do período de baixa do parque. Então, sim, fomos severamente afetados. A recuperação será lenta, mas acontecerá”, afirma.

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.