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Nem mesmo o setor de utilities, um dos preferidos do mercado de capitais brasileiro, passou ileso pelos eventos de créditos do início do ano – leiam-se o Caso Americanas (AMER3) e a sequência de pedidos de recuperações judiciais, especialmente o da Light (LIGT3), que acabou respingando em todo o setor de infraestrutura.
Segundos profissionais ouvidos pelo InfoMoney, a aversão ao risco foi a tônica do mercado de crédito no primeiro trimestre, com operações pontuais, spreads mais altos e emissões mais “encarteiradas” do que o usual pelos bancos, que buscarão vender os papéis no mercado secundário em uma janela mais favorável.
“É importante lembrar que o mercado de emissões vinha de seguidos recordes, mas esses eventos não precificados pesaram no mercado. Muitos investidores ficaram com a sensação ‘será que estamos vivendo uma quebradeira?’”, afirma Cristiano Cury, coordenador da comissão de renda fixa da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
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De janeiro a abril deste ano, segundo dados mais recentes da Anbima, as emissões do setor de energia elétrica, petróleo e gás e saneamento recuaram 34,5% no comparativo com igual período de 2022, de R$ 26,3 bilhões para R$ 17,2 bilhões.
Por outro lado, desde o início de maio, já é possível ver uma queda no custo de capital do setor e uma retomada das emissões é esperada. “Até alguns meses atrás, estava muito difícil alguma emissão acima de R$ 1 bilhão andar, agora estamos vendo um interesse maior”, acrescenta Cury.
Chama atenção que as emissões em prazos mais curtos tiveram crescimento. Os papéis com vencimento em até três anos somam 37,5% do total dos primeiros quatro meses de 2023, ante 22,7% do ano passado. Enquanto captações mais longas, de 10 anos ou mais, perfil mais alinhado ao mercado de utilities, recuaram de 31,8% para 28,1%.
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“É comum que algumas empresas evitem financiamentos de longo prazo para uma estratégia voltada mais ao curto prazo. Se modifica o bridge de pagamento para evitar um encarecimento maior do capital”, lembra Edson Ogawa, head de project finance Santander (SANB11).
O aumento do spread pedido nas operações chega a variar mais de 1% em relação a emissões feitas em 2022. Um levantamento divulgado no início deste mês pelo Bradesco BBI mostra que as debêntures com menor rating de crédito acabaram mais afetadas pelo atual cenário.
Um exemplo é a Aegea, com rating AA, que havia conseguido emitir R$ 800 milhões em setembro do ano passado a uma taxa de CDI+2,5% com liquidação em 2029. Já em maio deste ano, a companhia fez uma emissão maior, de R$ 1 bilhão, a um custo de CDI+3,6% e vencimento em 2025. Para emissões AAA, consideradas as mais seguras, o custo ficou entre CDI+1,2% e CDI+1,5%.
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Efeitos nos leilões de concessão
Embora o custo de capital do setor tenha subido em relação a 2022, a tendência é que os vencedores dos principais leilões de utilities do ano passado não tenham dificuldades em fazer andar seus investimentos.
“Esses projetos [de leilão] têm desembolsos mais longos e um tempo maior para se obter todas as licenças necessárias paras as obras”, lembra Guilherme Barbosa, do banco XP. “Há um gap temporal entre a vitória em um leilão e o desembolso, de 18 a 24 meses para a emissão da dívida”.
“É um processo demorado. Somente há pouco tempo que obtivemos a licença ambiental de um projeto que vencemos em 2021 e, a partir de agora, é que vai começar o desembolso de fato”, afirma Rui Chammas, CEO da ISA Cteep (TRPL4).
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Em 2022, os leilões de transmissão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) demandaram R$ 19,4 bilhões em investimentos a serem feitos nos próximos anos, e o mercado de capitais será importante para garantir o aporte.
Somente a ISA Cteep, por exemplo, terá que investir R$ 3,6 bilhões a partir do certame vencido no ano passado. Em março, a empresa fez uma emissão de R$ 550 milhões em debêntures para reforçar seu caixa, com vencimento em 2030 e taxa de CDI+1,5%, um valor baixo se comparado com outras operações.
“Dificilmente as empresas de utilities terão dificuldade em financiar seus projetos. Os spreads podem vir maiores, mas estamos vendo uma tendência de queda. Todos os participantes de leilões mapeiam seu funding antes de fazer uma oferta. No máximo, o que podemos ter é um ajuste pontual do bridge de pagamentos, a depender das circunstâncias, mas nada que afete os projetos”, reforça Cury, da Anbima.
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A Aegea, que levantou R$ 2,4 bilhões no mercado de crédito entre setembro de 2022 e maio deste ano, foi a vencedora do principal leilão de saneamento do ano passado: a venda da estatal gaúcha Corsan por R$ 4,15 bilhões. A maior parte do desembolso ainda não ocorreu, uma vez que a assinatura do contrato de compra está atrasada por conta de contestações na Justiça.
Ainda no setor, a Iguá está captando no mercado até R$ 3,8 bilhões para financiar seu projeto de saneamento no Rio de Janeiro, após vencer um dos leilões promovidos no estado em 2021. Os papéis, emitidos em duas séries, terão vencimento em 2033 com taxas entre o custo de títulos do tesouro direto vinculados ao IPCA (a chamada NTN-B) mais 2,65%, custo maior que o do setor de transmissão.
“Transmissão acaba sendo a preferência dos investidores por ser um segmento mais previsível e ter um regulatório mais consolidado. É um setor com ‘moral’ com o mercado”, reforça Ogawa, do Santander.
Já o setor de óleo e gás não possui tanta recorrência para financiar seus projetos, embora as cifras sejam expressivas. Neste ano, o setor fez apenas uma emissão, de R$ 3,5 bilhões pela 3R Petroleum (RRRP3), para financiar a compra do Polo Potiguar da Petrobras (PETR4), em um negócio iniciado em fevereiro de 2022 e que foi concluído na última semana.
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