Impasse sobre privatização do porto de Santos pode criar ‘gargalo’ em investimentos logísticos 

Aportes em estradas e ferrovias para facilitar acesso a portos podem não ter a mesma efetividade sem concessão de autoridades portuárias

Rikardy Tooge

Publicidade

O impasse envolvendo a privatização da administração do porto de Santos, o maior do país, jogou luz novamente na dificuldade de o governo federal garantir previsibilidade ao setor privado que deseja investir – e lucrar – na infraestrutura logística do país.

“Temos um conjunto de investimentos em infraestrutura que está andando para expandir a capacidade e a demanda do porto que corre o risco de ‘gargalar’”, resume Marcelo Allain, sócio da consultoria BR Infra Group.

No caso do porto de Santos, o modelo de privatização da Santos Port Authority (SPA) chegou a ser feito pelo governo Jair Bolsonaro (PL) e esteve em vias de avançar para leilão. No entanto, no fim de 2022, o Tribunal de Contas da União (TCU) entendeu que era melhor que o então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), assumisse para decidir se dará aval ou não à concessão da autoridade portuária pelos próximos 35 anos.

Continua depois da publicidade

Segundo estimativas do governo anterior, dos R$ 18,5 bilhões de investimentos obrigatórios previstos, R$ 14,1 bilhões serão aplicados em manutenções, durante os 35 anos da concessão. Outros R$ 3 bilhões estão reservados para a construção de um canal submerso para ligar Santos e Guarujá. Outro R$ 1,4 bilhão deve ser injetado em obras como novos acessos rodoviários, modernização portuária e aprofundamento do canal de Santos.

Nos últimos anos, gigantes do setor de logística, como Rumo (RAIL3), CCR (CCRO3) e Prumo investiram bilhões em estradas, ferrovias e infraestrutura portuária. Mas ainda falta muito.

“A realidade das empresas estatais oscila muito, é importante que exista uma previsibilidade da gestão, como ocorre com os aeroportos. Existe um pipeline robusto para a infraestrutura [além do porto]. São cerca de R$ 300 bilhões em projetos de infraestrutura que eu não vejo o motivo para não seguir”, avalia Diogo Mac Cord, sócio-líder de infraestrutura e mercados regulados da EY.

Continua depois da publicidade

Mac Cord lembra que já houve o primeiro leilão de primeira autoridade portuária no país no ano passado. A Codesa, que atua no porto de Vitória (ES), foi concedida por 35 anos a um valor de R$ 106 milhões, com o compromisso de R$ 850 milhões em investimentos, sendo R$ 335 milhões destinados na ampliação do porto. O vencedor foi um fundo de investimento em logística ligado à Quadra Capital.

Há também no radar a desestatização do porto de Itajaí, em Santa Catarina, e do porto de São Sebastião, em São Paulo, cujo o comando da autoridade portuária é do governo do estado.

Tentativa de diálogo

Para garantir a continuidade dos processos de concessão, governador de São Paulo e ex-ministro da Infraestrutura de Bolsonaro, Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem conversado com o governo federal para buscar uma solução. Na semana passada, Freitas afirmou que Lula não descartou a concessão da autoridade portuária de Santos.

Continua depois da publicidade

“Pelo contrário, abriu o diálogo”, relatou o governador na ocasião do encontro. Tarcísio de Freitas lembrou que a privatização é um tema sensível ao governo petista, mas Lula teria dito ao governador paulista que não está “preso a dogmas” e que o presidente saberá tratar o tema com responsabilidade.

Mas o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, faz jogo duro e diz que não cabe a discussão da venda da autoridade portuária, mas melhorias no porto podem ser concedidas. “O canal nós estamos dispostos a discutir com concessionários alternativas mais rápidas e objetivas. A autoridade nós não vamos privatizar”, reforçou França.

Para Marcelo Allain, da BR Infra Group, “fatiar” a concessão do porto em serviços específicos como a dragagem e o aumento do calado, não seria uma alternativa eficiente.

Continua depois da publicidade

“A ideia de se fazer concessões parciais é bem nova, não me parece que funcione bem porque o conjunto precisa andar. Existem serviços que geram despesa, que o governo precisaria pagar, e outros que geram receita, em que o governo deveria pedir um ágio”, exemplifica.

Outro problema é que ao dividir as concessões, não conseguiria o ganho de se eliminar a burocracia do processo. “A autoridade portuária já enfrenta dificuldades de realizar licitações. Ela tenta há dez anos contratar fornecedores para os serviços de dragagem, mas o certame sempre é questionado e fica suspenso, isso mostra uma limitação do serviço público”, analisa.

Necessidade de modernização

Na avaliação de Mac Cord e Allain, que já estiveram no Programa de Parceria de Investimentos (PPI) do governo federal, o porto de Santos está ficando para trás em inovação por conta da burocracia e falta de investimentos. Eles dão como exemplo a baixa profundidade dos calados dos terminais portuários, que impede que navios maiores – uma tendência do comércio marítimo mundial – acessem o porto.

Continua depois da publicidade

Os terminais do porto estão espalhados por um canal de 25 quilômetros de extensão. Hoje, esse canal tem profundidade de 15 metros. Toda estrutura terá de ser rebaixada para 16 metros numa primeira etapa, chegando a 17 metros em um segundo momento.

Os terminais de Santos têm autorização para receber embarcações com até 366 metros de comprimento, enquanto grandes portos no mundo já estão aptos a ancorar navios de 400 metros. Ao aprofundar seu canal, este novo calado vai permitir o acesso dessas embarcações, apesar destas não terem Santos como rota atual.

(com informações do Estadão Conteúdo)

Rikardy Tooge

Repórter de Negócios do InfoMoney, já passou por g1, Valor Econômico e Exame. Jornalista com pós-graduação em Ciência Política (FESPSP) e extensão em Economia (FAAP). Para sugestões e dicas: rikardy.tooge@infomoney.com.br