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A proposta do governo federal para o uso de precatórios como “moeda” para o pagamento de concessões de infraestrutura foi vista como um balde de água fria para empresas e fundos de investimentos que viam nos títulos uma oportunidade de mercado. Além de considerarem que o texto contém restrições genéricas, entendem que, caso a portaria apresentada pela Advocacia-Geral da União (AGU) seja publicada da forma que está, abre espaço para questionamentos na Justiça por inconstitucionalidade.
A AGU deixou em consulta pública até a última sexta-feira (30) uma minuta de portaria que visa regulamentar o uso dos títulos de dívida judicial da União para o pagamento das concessões, utilização que se tornou um direito constitucional desde 2021, com a promulgação da PEC dos Precatórios.
O texto impõe a apresentação de garantias bancárias para o uso dos papéis, colocando um custo extra para as empresas de cerca de 5% do valor total. Ou seja, para fazer o pagamento de R$ 100 milhões em precatórios, as empresas teriam um gasto extra de R$ 5 milhões ao apresentar a fiança bancária à União. Encarecimento esse que eliminaria o objetivo principal do uso do instrumento, que é obter um desconto no custo de capital.
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“É direito do credor decidir como vai liquidar a dívida”, defende o ex-ministro da AGU Luís Adams, ao InfoMoney. “Qualquer condicionante genérica tem risco de ser judicializada e, ao meu ver, a portaria proposta cria uma restrição indevida”, acrescenta Adams, hoje sócio do Tauil & Chequer Advogados Associado a Mayer Brown.
Para o ex-ministro da AGU, a portaria em discussão fere três premissas que podem ser levadas à Justiça: a inclusão de um exigência genérica, a infração de um direito constitucional e descumprimento da ordem jurídica.
Outros pontos vistos como negativos pelas empresas privadas são a imposição de um limite anual de aceite de precatórios para o pagamento das concessões e a obrigação de o edital permitir ou não essa forma de pagamento.
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“No caso das garantias, até seria compreensível exigir garantia se ainda cabe recurso ao precatório. Também faz sentido ter no edital como se pode utilizar os precatórios, para criar uma racionalidade para o fluxo de caixa do governo”, pondera Adams. “Mas vejo que, se manter assim, podemos ver licitações ‘rodando’ com uma onda de ações na Justiça”.
Para Fábio Carvalho, CEO da Aeroportos do Brasil (ABR), entidade que representa empresas que administram os principais terminais do país, como Aena, Vinci Airports, GRU Airports e RioGaleão, a proposta do governo não faz sentido, especialmente no que se refere à apresentação de garantias.
“O governo federal está pedindo uma garantia ao setor privado de que ele mesmo vai pagar a própria dívida. É um contrassenso que só aumenta os custos das empresas”, afirma. “Não se pode regular a constituição por meio de portaria. Isso abre precedente ruim e afeta a segurança jurídica”, prossegue o dirigente.
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No início do ano, a Aena havia tentado utilizar precatórios como parte do pagamento da concessão de 11 aeroportos, entre eles o de Congonhas, no âmbito do leilão da sétima rodada, em agosto de 2022, feito pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Em outra frente, a Rumo (RAIL3) entrou na Justiça para utilizar os títulos para o pagamento da uma concessão de ferrovia em São Paulo, mas o caso ainda não teve um veredicto.
O CEO da ABR afirma que uma eventual judicialização da portaria só seria pior ao ambiente de negócios. “É ruim para todo mundo e tira o apetite a risco. É difícil falar de intenções dos outros [governo federal], mas vemos uma burocratização. Mas nós acreditamos que o bom senso vai prevalecer”.
Gestoras repensam estratégia
Após um período de forte demanda por precatórios e com a contínua incerteza a respeito da possibilidade de utilização dos títulos, os papéis atingiram preços que, na visão de gestores, reduzem sua atratividade. Luiza Oswald, sócia da JGP na área de produtos estruturados, explica que, no auge da discussão da PEC dos Precatórios, os papéis eram negociados a um preço equivalente a 45% do valor de face, ante uma média de 73% antes de 2021. A forte demanda pelos títulos desde a promulgação da PEC levaram essa precificação a 80% do valor de face. “Para nós, eles estão caros e tiramos o pé”, afirma.
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Roberto Dib, sócio da TAG Investimentos para as estratégias com precatórios, afirma que as constantes mudanças na política de aceite dos precatórios federais fez a casa desistir de abrir uma área voltada para a estruturação para o setor de infraestrutura. “Nós deixamos de lado essa estratégia por conta das incertezas. Não vale o risco”, reforça.
“Nós chegamos a ser procurados por empresas de infraestrutura para contratos de opção [em que só efetua o negócio após a União aceitar o precatório], mas desde o recuo do governo federal, esse interesse desapareceu”, complementa Luiza Oswald.
Os gestores apontam que, desde março, o mercado secundário de precatórios federais está travado. O motivo foi a revogação de uma portaria por parte do governo que disciplinava o uso dos títulos no pagamento de concessões. A mudança, relatam, desancorou a precificação dos papéis e tem dificultado as negociações. A originação, por outro lado, continua, com as gestoras priorizando precatórios alimentares, que possuem preferência no recebimento.
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Sob este cenário, a Luiza aponta que os fundos começam a dar mais atenção a precatórios estaduais e municipais em detrimento do título federal – o que era impensável antes da PEC -, especialmente os dos estados de São Paulo, Amazonas, Pará e Rio Grande do Sul . “Os precatórios da União sempre foram os mais seguros e com boa previsibilidade de pagamento, mas essa percepção começou a mudar. Hoje já não se pode confiar”.
Fila de precatórios cresce
Segundo os dados mais recentes do Tesouro Nacional, a União encerrou 2022 com um estoque de precatórios estimado em R$ 115 bilhões, e atualmente o montante supera os R$ 140 bilhões. Há também cerca de outros R$ 800 bilhões em “riscos prováveis”, o que significa que há grande chance de o governo perder na Justiça.
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