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Os investimentos são como um barco, seguindo as ondas (mercado) e a força dos ventos (juros), que pode ter uma viagem tranquila ou com emoção. É um movimento dinâmico, que precisa ser acompanhado.
Para assegurar esse acompanhamento, no caso dos investimentos de renda fixa, foi estabelecida a obrigatoriedade de marcação a mercado de alguns ativos até então marcados “na curva” pelas instituições financeiras, desde o dia 2 de janeiro.
A regra, estabelecida pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), permite que investidores pessoa física consigam acompanhar, dia a dia, quanto realmente valem os papéis que adquiriram. Isso porque esse processo nada mais é do que a atualização do valor dos títulos segundo os preços pelos quais estão sendo negociados no mercado.
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Os títulos públicos negociados no Tesouro Direto já eram marcados a mercado. Mas desde a semana passada, outros papéis – Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e Imobiliário (CRIs), debêntures e títulos públicos adquiridos via tesouraria – também passaram a ser.
Para os investidores, os primeiros dias de funcionamento da marcação a mercado causaram dúvidas – e em certos casos, sustos.
“Há corretoras ainda vendo nos sistemas como mostrar as informações para os clientes, enquanto outras plataformas já estão disponibilizando o valor atual”, afirma Renato Breia, sócio-fundador da consultoria Nord Wealth. “Desta forma, os clientes que abrirem agora os seus aplicativos conseguem ver o valor real das suas aplicações marcadas a mercado, e não mais na curva”.
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Alguns investidores podem ter observado um aparente grande revés na carteira por conta da novidade. Dada a marcação a mercado, e a depender das condições em que os ativos de renda fixa foram adquiridos, os papéis podem ficar sujeitos a uma oscilação forte, apresentando rendimento negativo em certos momentos.
Breia coletou casos específicos de clientes da Nord Wealth que observaram grandes mudanças nos valores dos ativos que mantinham em carteira de um dia para o outro. Um investidor, por exemplo, tinha debêntures da Vale (CVRDA6), com vencimento em janeiro de 2029, contabilizadas por R$ 114,8 mil no dia 30 de dezembro de 2022, com a marcação ainda na curva. Na segunda-feira passada (2), eles passaram a ser marcados a mercado por R$ 63,5 mil – uma diferença de R$ 51,4 mil ou 44,73%.
Outro cliente, que tinha CRAs emitidos pela JBS com vencimento em abril de 2031 (CRA-CRA021000GU), percebeu uma diferença de 12% entre o valor marcado na curva (R$ 442,8 mil) e o marcado a mercado (R$ 389,4 mil). Entre um extremo e outro, Breia identificou diferenças de 25%, 18% e 17%.
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Um levantamento realizado pela startup Gorila, que possui um aplicativo de consolidação de investimentos com mais de um milhão de contas cadastradas, mostra que, na média, o valor dos ativos dos clientes que passaram a ser marcados a mercado desde a semana passada teve um impacto de -7,93% em relação à marcação anterior na curva. O desvio padrão, que indica o nível de dispersão da amostra, é de 5,72%, considerado baixo.
Segundo Guilherme Assis, co-fundador e CEO da empresa, todos os títulos públicos já eram marcados a mercado no aplicativo – que, agora, passou a marcar também debêntures, CRIs e CRAs. “Importante frisar que essa é a média da queda dos preços dos ativos e não da queda do patrimônio dos investidores”, afirma.
O prazo importa
A marcação a mercado, na média, reduziu os preços dos ativos de renda fixa, como indica o levantamento. Isso acontece, em grande parte dos casos, em razão da alta dos juros nos últimos dois anos, de acordo com Assis, da Gorila.
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Muita gente fica confusa com o “mecanismo” que permite a um papel de renda fixa apresentar rentabilidade negativa. As mudanças estão intimamente ligadas a alterações nas taxas de juros. Na prática, os papéis prefixados e os atrelados à inflação – especialmente os de longo prazo, que são mais sensíveis às variações – costumam desvalorizar quando as taxas de juros estão em tendência de alta.
O contrário também é verdadeiro: os preços dos papéis normalmente sobem quando as taxas de juros caem. Por isso, até o vencimento, eles podem apresentar rentabilidade positiva ou negativa em alguns momentos.
Enquanto os papéis de renda fixa eram marcados na curva, esse efeito não aparecia. Quando passaram a ter seus preços marcados diariamente conforme as taxas que o mercado precifica, ele se revelou.
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Com um detalhe: títulos de renda fixa mais longos são mais sensíveis às condições de mercado – e, por isso, costumam apresentar uma volatilidade maior nos preços quando marcados a mercado.
“Não gostamos de títulos de longo prazo, falamos isso insistentemente aos clientes. Herdamos carteiras que têm até 40% de papéis de longo prazo, e isso terá impacto imenso no bolso”, diz Breia. Segundo ele, o momento atual não é o melhor para se desfazer dos papéis. “Alguns clientes já estão percebendo a situação, mas ainda é pouco o tempo de funcionamento da nova regra”.
Apesar de a nova regra ter sido anunciada há vários meses, ainda há dúvida no mercado. “Percebemos muitos gestores e consultores ficando preocupados, sem saber mais sobre a regra para começar a agir. Por isso, acabamos fazendo esse trabalho”, detalha Guilherme Carter, diretor comercial da SmartBrain, outra plataforma de consolidação de investimentos. “Alguns correram atrás e outros, não”.
Quem pode escolher?
Embora a marcação a mercado dos ativos de renda fixa esteja valendo desde a semana passada, ela não será necessariamente adotada para todos os investidores. Os qualificados – que contam com mais de R$ 1 milhão em aplicações financeiras – podem escolher se preferem migrar para a marcação a mercado ou manter a marcação na curva dos seus ativos.
Se optarem pela marcação na curva, terão que formalizar esse pedido junto à corretora.
De acordo com Marília Fontes, economista e sócia-fundadora da Nord Research, há três bons motivos para o investidor não levar essa opção em conta.
Segundo Marília, a marcação a mercado serve para dizer quanto o investidor realmente conseguiria pelo ativo, se tivesse que vendê-lo hoje. “É muito importante saber o valor correto. Caso contrário, o investidor pode descobrir, no momento que mais precisa de dinheiro, que não tem o patrimônio que imaginava”, afirma.
Além disso, Marília lembra que muito investidores compram títulos prefixados ou atrelados à inflação achando que não embutem riscos, porque se trata de renda fixa. Mas ver a oscilação dos investimentos é a forma mais didática de aprender como funcionam.
Fora isso, a marcação na curva dificulta para os investidores saber se os papéis que compraram em uma corretora foram negociados com taxas piores do que as vistas no mercado. “Depois os títulos são marcados na curva e o cliente nem percebe. Se tivesse marcado a mercado, saberia exatamente o spread [diferença entre o preço de compra e de venda] que pagou pelos ativos” esclarece.
Ela até dá um exemplo: imagine alguém que tem um imóvel avaliado em R$ 1 milhão, tem uma emergência e coloca o bem à venda. E descobre que, naquele momento, o imóvel vale R$ 500 mil, por conta de alguma desvalorização do mercado imobiliário. Se a propriedade fosse um título, ele seria vendido naquele momento, a R$ 500 mil, em razão da marcação a mercado.
“É importante que os clientes não aceitem a marcação na curva. E que, de fato, comecem a ver a marcação a mercado para conseguir entender e avaliar todos os riscos de cada um dos papéis, reforça Caio Zylbersztajn, CFP e sócio da Nord Wealth.
Valor atualizado
Atualmente, a maior parte dos bancos e corretoras atualiza os preços dos investimentos de renda fixa com base na marcação na curva. Um título marcado na curva tem seu valor atualizado todo dia pela mesma taxa contratada pelo investidor no momento em que fez o investimento.
No entanto, na prática, essa taxa muda todos os dias no mercado, de acordo com os negócios fechados entre quem tem o título para vender e quem está interessado em comprar. Com a marcação a mercado, a atualização do valor é realizada a partir da taxa que estiver sendo negociada para aquele investimento naquele dia.