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O arcabouço fiscal apresentado na última quinta-feira (30) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não resolverá todos os problemas fiscais do País. O Brasil seguirá tendo uma carga tributária mais alta do que deveria e um Estado maior e menos focado do que o recomendável. “Dito isso, não estamos diante de uma proposta irracional. Se o framework apresentado for seguido, não teremos descontrole fiscal, e esse é o ponto”, avalia Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e presidente do Conselho de Administração da Jive Investiments.
É justamente por isso, na visão do economista, que os primeiros reflexos da proposta nos mercados foram positivos. “Os ativos brasileiros refletiam o risco de descontrole. Mas estamos diante de um plano de voo que não é irracional, e por isso agora eles estão melhorando”, afirma.
O novo marco fiscal estabelece meta de trajetória de resultado primário para o governo federal até 2026, com banda de variação tolerável, crescimento de despesas sempre abaixo das receitas em momentos de crescimento e mecanismos anticíclicos que garantem elevação de gastos em situações de crise (veja os detalhes já anunciados).
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Agentes econômicos têm questionado uma série de aspectos do arcabouço fiscal desde que foi apresentado – e Figueiredo reconhece que muitos deles fazem sentido. Em sua visão, de fato, o plano vai demorar até estabilizar o crescimento da relação entre dívida e PIB (Produto Interno Bruto), é bastante calcado na receita e prevê aumento da despesa todo ano, mesmo que o País enfrente uma recessão.
Porém, “isso não inviabiliza que o Brasil alcance uma dívida sustentável em algum momento”, segundo o economista. “Se o País crescer minimamente crescer, o piso de aumento dos gastos não será uma questão”, afirma.
A proposta do governo é de que as despesas previstas no orçamento do governo sejam elevadas em pelo menos 0,6% acima da inflação todos os anos. Considerando que o crescimento dos gastos nos governos do PT foi de aproximadamente 6% ao ano, segundo Figueiredo, o piso previsto na proposta soa razoável.
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No momento, a dúvida paira em como operacionalizar as metas estabelecidas na proposta. Figueiredo lembra que o “plano de voo” de Haddad prevê que este ano termine com um déficit primário de 0,5% do PIB – mas as estimativas predominantes antes do anúncio eram de que o indicador ficaria em um patamar maior, de 1% do PIB.
O ministro, lembra o economista, deu pistas de como pretende “chegar lá” – sem aumentar a carga tributária, mas tirando “jabutis” do orçamento e atacando setores e atividades que hoje possuem isenções fiscais. “Ele está na batalha para conseguir R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões”, diz.
É uma perspectiva bem mais palatável para o mercado do que o discurso de incompatibilidade entre a estabilidade fiscal e as políticas sociais que vinha sendo sustentado pelo governo até aqui – e causa do temor com a possibilidade de implementação de uma agenda pública populista, segundo Figueiredo.
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“Venceu a racionalidade até aqui, e essa é uma grande notícia”, diz.
Selic em queda a partir de junho?
Figueiredo era um dos economistas mais otimistas com as perspectivas para os juros até o ano passado. Enquanto o mercado, de modo geral, projetava que a primeira redução da Selic aconteceria até maio ou junho, ele acreditava que a queda poderia começar ainda no primeiro trimestre.
Após as eleições presidenciais, no entanto, duas grandes incertezas passaram a embaralhar o cenário. De um lado, Figueiredo destaca o discurso sobre a incompatibilidade entre a preocupação social e o equilíbrio fiscal. E em segundo lugar, o governo “tratou mal” o Banco Central, colocando sua independência em questão.
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“Isso atrapalhou muito o potencial de redução da taxa de juros, a ponto de as expectativas começarem a subir. Aí, o Banco Central fica de mãos amarradas”, explica.
Diante de um arcabouço fiscal razoável, as críticas ao Banco Central arrefeceram, diz Figueiredo – e a resposta do mercado, foi uma queda na curva de juros futuros. “Isso pode estar sugerindo que expectativas também vão arrefecer e, num segundo momento, cair”.
Na visão do economista, há boas chances de as expectativas “mudarem de sinal”, o que levaria a uma reavaliação do balanço de risco na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), no início de maio. “E então, haveria chance de queda da Selic na reunião de junho. Seria uma grande notícia”, avalia.
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“Toda a discussão era sobre qual seria o tamanho da irracionalidade, e agora ela está mudando de vetor. Estamos falando de risco fiscal, não de ter o melhor gasto do mundo”.