Avanço do agronegócio “está contratado” e cenário para Fiagros independe de governo, diz diretor da Suno

Para Octaciano Neto, diplomacia ativa do futuro governo Lula e proximidade com o agronegócio do vice eleito, Geraldo Alckmin, beneficiarão o setor

Katherine Rivas

Octaciano Neto, diretor de agronegócio do Grupo Suno (Foto: Divulgação)
Octaciano Neto, diretor de agronegócio do Grupo Suno (Foto: Divulgação)

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O agronegócio teve crescimento pujante nos últimos anos, fortalecido pelo aquecimento no preço das commodities, pelo aumento das exportações e pelo sentimento de necessidade de garantir a segurança alimentar reforçado pela pandemia. Diante da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a presidência, alguns investidores passaram a questionar se era possível manter o legado, usufruir de benefícios com a reaproximação de países como a China – e qual seria o impacto disso no universo crescente de investimentos ligados ao setor.

Na visão de Octaciano Neto, diretor de agronegócio do Grupo Suno, ex-secretário de Agricultura do Espírito Santo e com ampla vivência no setor, o crescimento deve continuar em alta, com destaque para novas modalidades de financiamento por meio do mercado de capitais.

“O crescimento está contratado e os Fiagros serão os investimentos que mais vão crescer nos próximos anos”, afirmou ao InfoMoney. Confira os principais trechos da entrevista:

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InfoMoney: O que esperar para o agronegócio durante o governo Lula?

Octaciano Neto: Eu tenho convicção de que o crescimento do agronegócio no Brasil está contratado por razões tecnológicas. Somos um país tropical que consegue produzir mais do que qualquer país no mundo.

Contratado porque a urbanização é crescente no mundo, a renda média mundial só vai aumentar – cresceu nas últimas três décadas e vai continuar crescendo – e o Brasil apresenta os principais diferenciais do mercado. Então eu não vejo nenhum motivo, do ponto de vista climático, para a gente ter um problema no Brasil, e nem razão política para ter um problema no setor.

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Nós temos duas âncoras políticas no agronegócio: a primeira âncora é a Frente Parlamentar Agropecuária, composta por mais de 200 deputados federais no Brasil, que é fundamental para evitar retrocessos no setor.

A segunda âncora é o vice-presidente da República eleito, Geraldo Alckmin, que tem uma relação histórica boa com o agronegócio e deve coordenar a transição. Não acredito que exista nenhum aspecto político que prejudique o setor.

Então esse crescimento do agronegócio continua, não tem nada que impeça o aumento da produtividade nas dezenas de atividades em que o Brasil é líder.

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IM: Uma eventual reaproximação do Brasil com a China no novo governo seria benéfica para o agronegócio?

Octaciano Neto: Eu acho que a mensagem do presidente eleito no domingo (30) e nos próprios debates eleitorais é de uma atitude proativa de rodar o mundo. A rapidez com que os líderes dos principais países o parabenizaram pela eleição sinaliza uma reaproximação do Brasil com os principais importadores de alimento do mundo: China, Europa e Estados Unidos.

A China é nosso principal parceiro na questão de alimentos, mas acho que a diplomacia ativa do novo governo vai beneficiar o agronegócio.

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Além dessa diplomacia, existe a necessidade da Europa e Estados Unidos reduzirem a sua inflação, o que deve acelerar novos acordos comerciais, permitindo que o Brasil exporte mais alimentos.

IM: Quais são as principais avenidas de crescimento e desafios para o agronegócio nos próximos quatro anos?

Octaciano Neto: Foram três alavancas que nos trouxeram até aqui: biologia, química e mecanização. Mas no novo momento do agronegócio nacional teremos seis alavancas: as três existentes e a digitalização, a agenda ESG e o mercado de capitais.

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Na digitalização, nós temos quase 2 mil agritechs no Brasil, um processo intenso que se traduz no aumento de produtividade. Na agenda ESG, precisamos evoluir em boas práticas no setor, como melhorar governança nas propriedades rurais, sucessão familiar, cumprir o código florestal e reduzir o desmatamento ilegal no Brasil.

Já o mercado de capitais fortalece o financiamento, pois há muito tempo o setor público e o Plano Safra não conseguem atender toda a demanda. O mercado de crédito cresceu, mas não consegue fazer milagres. Os bancos têm o Índice de Basileia, e há outros setores para financiar. Então, a grande avenida é o dinheiro vindo do mercado de capitais, é aproximar o dinheiro dos investidores das empresas do agronegócio, fazendeiros, entre outros.

O grande desafio do setor é reverter o desmatamento da Amazônia, que prejudica a imagem do agronegócio como um todo, diante dos importadores. O Brasil precisa se comprometer com essa agenda.

IM: Como este cenário para o setor nos próximos anos impacta o mercado de capitais e os investimentos no agronegócio? Alguma classe de ativos se destaca?

Octaciano Neto: Acho que o crescimento das classes de ativos não se dará em função do governo. Acredito que os Fiagros, fundos que investem nas cadeias produtivas agroindustriais, são os investimentos que mais vão crescer, porque auxiliam pessoas físicas a diversificar os seus investimentos no agronegócio.

No caso dos CRA (Certificados de Recebíveis do Agronegócio), a maioria ainda é destinado para investidores qualificados (com patrimônio investido maior ou igual a R$ 1 milhão) e profissionais (com pelo menos R$ 10 milhões investidos), e têm baixa liquidez. Então, o Fiagro tende a crescer bastante por ser um produto popular, que as pessoas entendem. Permite começar com R$ 100, tem boa liquidez, é mais fácil de investir.

Sobre as empresas de agronegócio listadas na Bolsa, também vejo crescimento, mas há os desafios de governança que precisam ser superados. Os fundos de private equity têm um papel fundamental como aceleradores, auxiliando essas empresas na maturação antes de abrir capital.

Os ativos em “quinta marcha” serão os Fiagros e CRAs.

IM: Acredita que os Fiagros devem continuar em crescimento acelerado e pagando dividendos elevados, como nos últimos meses?

Octaciano Neto: Boa parte dos Fiagros hoje estão atrelados ao CDI (indicador de referência que acompanha os movimentos da taxa básica de juros), e a projeção do Relatório Focus para 2023 ainda é de juros elevados (11,25% ao ano). Se o CDI continua alto, os Fiagros vão ter uma boa remuneração.

Mas a remuneração não cresce mais, estabiliza. Para 2024, ainda não temos previsibilidade. Vai depender da política econômica do governo. Mas não acredito que o CDI volte para o patamar de 2% ao ano no futuro.

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IM: Se houver risco fiscal, que eleva inflação e juros, como fica o cenário para os Fiagros e seus dividendos?

Octaciano Neto: O agronegócio é pouco correlacionado com o Brasil porque ele exporta muito. Claro que tem muita coisa atrelada ao CDI ou à inflação, mas a demanda de alimentos do mundo vai continuar crescendo e essa demanda virá para o Brasil.

E quando o setor está crescendo depende muito de financiamento. Se não tem dinheiro público, a saída é pelo mercado de capitais, o que é favorável para os Fiagros.

Por isso, afirmo que o crescimento está contratado. Se tem mais demanda no mundo e âncoras políticas, como a Frente Parlamentar e o vice-presidente, não vejo problemas para o setor.

O histórico do presidente eleito com o agronegócio também é bom. O melhor ministro de Agricultura que já tivemos em todos os tempos foi Roberto Rodrigues, que fez parte do governo Lula.

IM: Fiagros de CRA indexados ao CDI lideraram até então nos lançamentos. Diante das perspectivas para o setor, quais categorias devem ganhar espaço dentro da indústria?

Octaciano Neto: A regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) apresenta três tipos de Fiagros atualmente: Fiagro FII, semelhante aos fundos imobiliários, Fiagro FDIC (de direitos creditórios) e Fiagro FIP, relacionado a investimento em participações.

Mas essa é uma regulamentação provisória. A expectativa do mercado é de que a regulação definitiva, que deve ocorrer até o final de 2023, unifique todas estas categorias. Desta forma, cada Fiagro vai decidir no seu regulamento como vai investir os recursos, misturando estas classes.

Do ponto de vista de mercado, para mim a categoria que mais vai continuar crescendo é o crédito. No Brasil, falta crédito para o agronegócio. Então, não vejo Fiagro de terra crescendo na mesma velocidade do que Fiagros de crédito. E estes não vão investir apenas em CRA. Instrumentos como a CPR (cédula do produtor rural, que é mais simples do que o CRA e não precisa de securitizadora) podem ganhar espaço.

Alguns Fiagros devem ir à Bolsa e outros, continuar fechados. Acredito que a indústria vai continuar majoritariamente indexada ao CDI.

IM: Como o investidor encontra boas oportunidades de investimento diante do novo governo?

Octaciano Neto: Ele vai precisar olhar os Fiagros com algumas lentes. A primeira é a experiência de crédito das gestoras, se a equipe conhece esse mercado. A outra é o conhecimento do agronegócio, se a gestora entende o setor e tem vivência nele. Precisa ter experiência no setor e no mercado de crédito.

É importante olhar a carteira de clientes do Fiagro, se são empresas que o investidor conhece, se fazem sentido, o risco de crédito delas. Um erro é olhar apenas para o dividend yield (taxa de retorno em dividendos) e não para os clientes do fundo. Observar a carteira ajuda a minimizar os riscos de investir nesses ativos.

Um ponto importante é que a partir do crescimento da indústria de Fiagros, a diversificação será necessária. Acho que ainda não temos nenhum Fiagro com mais de R$ 1 bilhão de patrimônio líquido, mas quando isso ocorrer a diversificação deles precisa refletir o agronegócio brasileiro. Todo mundo fala de soja, mas este é 30% do valor bruto da produção agropecuária. É importante reproduzir outras culturas (commodities) e ter uma diversidade de regiões. Diante de problemas climáticos, como La Niña, a diversificação evita os impactos em toda a carteira.

Então, os fundos precisarão estar equilibrados assim como a agricultura brasileira é equilibrada.

Katherine Rivas

Repórter de investimentos no InfoMoney, acompanha ETFs, BDRs, dividendos e previdência privada.