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De todas as causas que levaram ao quebra-quebra de bancos nos Estados Unidos nos últimos dias, algumas ainda são um mistério. Há consenso, por exemplo, de que as instituições tiveram liquidez estrangulada pelas altas taxas de juros que corroeram sua emissão de dívida privada. Mas, em paralelo, cresce também a impressão de que um elemento adicional está por trás: o combate dos reguladores americanos às criptomoedas.
Autoridades vêm sendo vocais sobre fechar o cerco contra o mercado cripto no país desde a implosão da FTX, em novembro. A corretora, estima-se, teria deixado passivo na ordem de US$ 10 bilhões e milhares de credores – incluindo muitos brasileiros.
Dois dos três bancos que fecharam recentemente, Silvergate e Signature, têm fortes elos com a indústria cripto, servindo de ponte entre dólares e ativos digitais por meio de parcerias com exchanges americanas.
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O Silvergate anunciou o fechamento voluntário de suas operações após vir à tona uma investigação contra o banco pelo elo com o colapso da FTX. Já o Signature foi encerrado supostamente porque autoridades “deixaram de confiar” nos administradores. Mas, segundo fontes ouvidas pela Bloomberg, a instituição estava sendo investigada pelo Departamento de Justiça e pela Comissão de Valores Mobiliários dos EUA por suas relações com o setor cripto pouco antes de ter controle assumido pela FDIC, agência similar ao FGC no Brasil.
Um dos membros do conselho do Signature é Barney Frank, um ex-congressista norte-americano que ficou conhecido por dar o nome à lei que reformulou a regulamentação bancária dos EUA após a crise de 2008. Nesta semana, ele disse que as criptomoedas são um novo elemento que os legisladores ainda não tinham conhecimento na época.
“A moeda digital foi o novo elemento inserido em nosso sistema”, disse Frank, de 82 anos, em entrevista no último domingo (12). “Um elemento novo e desestabilizador – potencialmente desestabilizador – é introduzido no sistema financeiro”.
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Independentemente das causas, o fechamento dos bancos teve alguns efeitos negativos práticos para o setor cripto. De um lado, empresas do setor passaram a correr contra o tempo para manter abertas as conexões de criptos com o sistema financeiro.
De outro, cresceu o temor de um impacto na liquidez do mercado americano de criptomoedas. Segundo um levantamento da empresa de pesquisa Kaiko, a facilidade de negociação para transações de Bitcoin (BTC) para dólar e Bitcoin para Tether (USDT) em algumas bolsas dos EUA caiu entre 35% e 45% desde o início de março até o fechamento do Silvergate, em cenário que provavelmente piorou com a queda do Signature.
Entre investidores brasileiros atentos ao andar da crise nos EUA, fica a pergunta: será que um problema do tipo poderia ser desencadeado também no Brasil?
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Regulador amigo
Para especialistas ouvidos pelo InfoMoney, o Brasil está em uma posição diferente e os reguladores não oferecem a mesma ameaça que parece crescer nos EUA em relação às criptomoedas. Empresas do setor enxergam tanto no Banco Central quanto na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sinalizações positivas em direção ao mercado cripto.
“O Banco Central está trabalhando em seu projeto de Real Digital, enquanto a CVM tem exercido seu papel de guardiã do mercado de capitais e tem se envolvido em discussões acerca de valores mobiliários tokenizados, por exemplo”, comenta Fabrício Tota, diretor de Novos Negócios do MB.
“É importante lembrar que, em geral, as autoridades brasileiras têm sido abertas ao diálogo com o mercado cripto e têm se mostrado interessadas em fomentar a inovação financeira”, ressaltou Tota.
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William Ou, CEO da Token.com, também não vê no regulador um ponto de preocupação para empresas ou investidores do ramo de criptomoedas. “O Banco Central tem no geral uma atitude positiva em relação a ativos digitais e tem mantido um diálogo aberto com o setor. Inclusive, tem um dos projetos mais avançados de criptomoeda emitida pelo Banco Central (CBDC) no mundo”.
Ameaça dos bancos
Se o regulador é mais amigável no Brasil, players do setor temem que, na verdade, os próprios bancos acabem trabalhando para restringir o acesso dos brasileiros aos ativos digitais – não necessariamente se inspirando pelo que aconteceu nos EUA.
Para o CEO da Token.com, um sinal desse movimento seria uma resolução do BC editada ainda antes do colapso dos bancos americanos, que limitou o uso do Pix pelas chamadas “contas transacionais” para corretoras de criptomoedas. “Era o método mais utilizado [pelas exchanges]. A pressão para esta resolução não veio apenas dos órgãos regulatórios, mas também de empresas do próprio setor, que defendem interesses diversos. Não foi necessária inspiração do exterior”, afirma.
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A história dos bancos brasileiros com o setor de criptomoedas é cheia de solavancos. Em 2020, quando o mercado financeiro ainda juntava os cacos após a queda das bolsas no auge da crise da Covid-19, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) emitiu um parecer técnico em que criticou bancos que haviam decidido fechar unilateralmente contas de corretoras de ativos digitais. As marcas dessa época persistem.
“A relação entre os bancos brasileiros e as empresas de cripto tem sido marcada por fricções históricas, semelhantes às vivenciadas em outros países. Embora a situação no Brasil seja diferente daquela nos EUA, onde parece haver um movimento orquestrado para dificultar a relação entre as empresas cripto e os bancos, muitas exchanges tiveram suas contas encerradas por ‘desinteresse comercial’ e diversas relações foram judicializadas”, relembra Tota, do MB.
“Embora a situação tenha melhorado nos últimos anos, ainda há muito a ser feito. Mesmo os bancos que possuem iniciativas no meio cripto, como pilotos internos em torno de temas como tokenização ou stablecoins, ainda dificultam o acesso a contas para as exchanges cripto. Dentre os grandes bancos brasileiros, o que parece mais aberto ao tema cripto é o Santander”, conta.
O executivo reconhece que há hoje esforços comerciais para compartilhar políticas de verificação de identidade e controles anti-lavagem de dinheiro, mas destaca que a “questão do compliance muitas vezes se assemelha a uma negativa de ordem competitiva, o que acaba dificultando ainda mais a relação entre bancos e empresas cripto”.
“É possível que alguns bancos no Brasil possam se sentir inspirados pelo que vem acontecendo nos EUA e buscar uma ofensiva contra o mercado cripto. Mas, em geral, isso soaria mais como uma tentativa de inibir o crescimento da indústria cripto do que uma resposta a um maior escrutínio regulatório”, opina o diretor do MB.
Investidor brasileiro deve se preocupar?
Segundo especialistas consultados pela reportagem, há poucas chances de que investidores brasileiros percam acesso ao mercado de criptomoedas.
Os bancos menores, impulsionados pela revolução das fintechs, jogaram os botes salva-vidas às exchanges cripto e, até hoje, esses players continuam servindo como principal ponto de apoio às empresas que oferecem negociação de criptos no Brasil, incluindo a oferta de APIs (interface de conexão de sistemas), Open Banking e serviços do Pix.
“Alguns anos atrás alguns bancos menores apostaram no setor e somente agora grandes bancos vieram a se interessar por criptomoedas”, destaca Ricardo Dantas, CEO da corretora Foxbit.
Tota, do MB, ressalta que corretoras que construíram boas relações com o sistema financeiro tendem a garantir mais proteções ao investidor. Já executivo da Token.com enxerga que usuários podem ter que pagar a mais pelas maiores exigências impostas às exchanges para uso do Pix.
“Não acredito que venha acontecer um veto geral ao setor. Continuam existindo instituições financeiras que têm interesse em atender empresas que operam no segmento de criptomoedas, mas com um custo superior ao que víamos no passado, o que pode impactar os usuários”.
A liquidez das criptomoedas negociadas em reais, algo que já foi um problema no passado recente, também não é vista como ameaçada, em parte porque as plataformas melhoraram e o mercado brasileiro ficou mais conectado ao global, gerando eficiência transacional.
“Tudo que gera limitações no mercado ou ineficiências reflete diretamente no preço. O Bitcoin no Brasil até 2017 era negociado cerca de 20% mais caro que o preço no mercado internacional. Hoje, isso está variando entre 0,5% e 1% acima”, afirma Dantas, da Foxbit.