Ouro tem a maior cotação desde 2012. O que esperar daqui para frente?

Enfraquecimento da economia global, juros baixos e aumento de liquidez incentivam busca de investidores por ativos mais seguros, como dólar e ouro

Mariana Zonta d'Ávila Beatriz Cutait

(Petrovich9/Getty Images)
(Petrovich9/Getty Images)

SÃO PAULO – Em momentos de grande volatilidade e incerteza, como o atual, investidores partem para ativos considerados seguros de forma a proteger o portfólio. Enquanto alguns procuram respaldo exclusivamente no dólar, outros preferem diversificar o patrimônio e apostar também em metais preciosos como o ouro. É o caso de gestoras como Legacy e Novus, que montaram posição na commodity nos últimos meses, e de casas como Dahlia, Truxt, Vista Capital e a americana Crescat Capital, que mantêm alocação no metal há mais tempo.

O contrato futuro de ouro mais líquido negociado no mercado americano acumula valorização de 5,9% desde o início da crise, em 21 de fevereiro, e chegou a superar em abril a cotação de US$ 1.756 a onça troy (uma onça troy equivale a cerca de 31 gramas), atingindo o maior valor desde outubro de 2012, quando foi negociado a US$ 1.758. Nos últimos 12 meses, a alta é da ordem de 34%, com valorização de 14,3% apenas neste ano.

Entre os maiores fundos multimercado de ouro, expostos também à variação cambial, estão Órama Ouro, Vitreo Ouro e Trend Ouro Dólar, da XP, com ganhos da ordem de 60% em 2020.

E o que tem contribuído para a disparada do metal? Na avaliação dos gestores consultados pelo InfoMoney, o enfraquecimento da economia global em meio à pandemia de coronavírus, com juros em patamares baixos, expansão fiscal e aumento de liquidez, incentiva a busca de investidores por ativos mais seguros, como dólar e ouro.

Embora uma parcela do mercado avalie que os preços do metal já estejam esticados demais, um outro grupo ainda vislumbra potencial de alta, inclusive com ampliação da posição na moeda.

E o investidor pessoa física também tem aproveitado para incluir o ouro em seu portfólio, de forma a ampliar a diversificação e proteger as posições de maior risco. Os maiores fundos com foco na commodity têm captação líquida no ano que ultrapassa os R$ 150 milhões nos produtos da Órama e também da XP.

Porto seguro

Com as medidas adotadas pelos bancos centrais para minimizar os impactos da pandemia sendo insuficientes para evitar uma recessão global, a visão do banco suíço Julius Baer é de que deve haver um aumento da demanda por ouro como ativo seguro.

“Com investidores enfrentando incertezas sem precedentes nos mercados financeiros, uma determinada fatia de ouro nos portfólios deve fornecer alguma proteção”, escreveu Carsten Menke, chefe de pesquisa de uma área com foco em ações no longo prazo do Julius Baer, em relatório publicado em abril.

A avaliação é de que os países sairão da crise muito endividados, com menos crescimento e juros baixos, o que favorece o desempenho da commodity. “Vai haver um processo de desglobalização e protecionismo, vamos voltar a ver períodos de guerra comercial e todas as moedas vão se desvalorizar frente ao ouro”, afirma Gustavo Pessoa, sócio gestor da Legacy Capital.

Com posição no metal desde março via contratos futuros nos Estados Unidos, o fundo multimercado da casa também está comprado em dólar contra moedas emergentes, como o real e o peso mexicano.

A exposição à moeda americana e ao ouro também permitiu ao fundo Dahlia Total Return atravessar a turbulência recente com menor instabilidade, conta José Rocha, sócio da Dahlia Capital.

“Ouro os governos não podem imprimir”, afirmou, destacando que o papel moeda poderá perder valor ao longo do tempo.

Esse critério mais “rígido” do metal, de não poder ser facilmente ampliado, também é citado pela Vista Capital. “O grande ativo real que enxergamos no mercado é o ouro. Ele é finito, não dá para aumentar sua produção enormemente. É um ativo que não perde o seu poder de compra, uma proteção”, afirmou João Landau, diretor e gestor de investimentos da gestora, em entrevista ao podcast “Stock Pickers”.

Proteção com baixo custo

Na Truxt, a posição em ouro, que é carregada desde o início de 2019, foi ampliada com a queda dos preços em março e ocupa hoje 8% do portfólio do fundo macro e 20%, do long bias.

Segundo Rafael Gaspar, gestor da estratégia macro focado em mercados internacionais, a posição tem contribuído para o desempenho das carteiras no ano. O Truxt I Macro FIC FIM acumulava retorno positivo de 0,76% até o dia 12 de maio, enquanto o Truxt I Long Bias FIC FIM tinha alta de 1,97% no mesmo período.

Foi de olho na valorização do ativo que o multimercado Novus Macro voltou a integrar o ouro em seu portfólio também no mês de março. A posição estava zerada desde o último trimestre de 2019, quando as notícias sobre o acordo comercial entre os Estados Unidos e a China se refletiram em sinais de melhora da economia global e, consequentemente, na queda do preço do ouro. Na época, a Novus chegou inclusive a testar algumas vendas táticas no metal.

“O ouro é visto como uma reserva de valor para se ter na carteira. E, hoje em dia, o custo para se ter essa reserva é muito baixo, dado que os juros dos Estados Unidos, que influenciam o metal, estão próximos de zero”, afirma Ricardo Kazan, gestor da Novus Capital.

Ao infinito e além?

Com forte valorização no ano, o ouro tem espaço para se apreciar mais? Para Pessoa, da Legacy, tendo em vista a continuidade de estímulos monetários adotados pelos bancos centrais, ainda há espaço para alta.

“O movimento recente do ouro representa metade do que aconteceu após a crise de 2008. Acho que ainda tem espaço para andar mais, mas a posição técnica é um pouco pior, porque muita gente já tem a posição”, afirma o gestor, que não vê o investimento como algo pontual, mas uma “tendência para anos”.

A avaliação de que a moeda tem espaço para se valorizar ao longo dos próximos anos é compartilhada pela Truxt, que vê o metal atuando como melhor reserva de valor que títulos soberanos, dados os atuais níveis baixos dos juros.

“O ouro vai funcionar como uma proteção contra a inflação dos ativos, porque o valor do dinheiro vai diminuir”, diz Gaspar. Há ainda riscos geopolíticos, especialmente com a disputa comercial entre Estados Unidos e China, contribuindo para a percepção favorável ao ouro, além da demanda crescente de bancos centrais pela commodity e sua produção inelástica, que contribui para preços elevados.

Há quem veja, contudo, que o investimento já esteja caro, uma vez que, nos níveis atuais, uma recessão já está refletida nos preços. Essa é a avaliação de Menke, do Julius Baer.

Com a visão de uma recessão curta e acentuada no horizonte, em vez de uma depressão mais duradoura – que poderia levar o preço do ouro aos US$ 2 mil por onça –, Menke avalia que, no curto prazo, o potencial de alta para o metal é limitado, com o preço recuando no médio e longo prazo.

A opinião é compartilhada pelo gestor Eduardo Canto, da ARX Investimentos, que contou ao InfoMoney que tem apostado suas fichas na prata, que recua 16,8% no ano, até abril.

Apesar de destacar que o ambiente de acomodação monetária somado ao baixo crescimento de produção das minas nos últimos anos possa ser uma “tempestade perfeita para o preço do ouro”, a Kapitalo diz, em carta aos cotistas, que o metal possui um retorno real aproximadamente nulo e baixa utilidade como hedge em períodos de estresse.

Mesmo assim, ressalta, por conta dos títulos soberanos de países desenvolvidos, que serviram como proteção para ativos de risco durante as últimas recessões e hoje possuem retorno real prospectivo negativo, investidores têm considerado o ouro como uma alternativa de investimento. A gestora tem posição comprada no metal.

Mineradoras ganham espaço

Além do investimento via contratos futuros de ouro, Otavio Costa, gestor da Crescat Capital, gosta de aproveitar as oportunidades na indústria de mineradoras.

Com cerca de US$ 200 milhões em ativos sob gestão, a asset com sede no Colorado, EUA, tem suas principais apostas em posições vendidas em ações globais de setores como tecnologia, usinas elétricas e bancos, e compradas em ouro e demais metais preciosos.

Foi o otimismo com a classe que levou a gestora a criar, em maio de 2019, o fundo Crescat Precius Metals Composite, com uma estratégia voltada para a busca de oportunidades na indústria de metais preciosos, como ouro e prata. Atualmente, o portfólio conta com 40 a 50 nomes de mineradoras em países como Canadá, Austrália e EUA, além de posições em contratos de ouro, prata e em investimentos privados.

Ouro na carteira da pessoa física

Buscando minimizar os impactos da crise no portfólio, muitos gestores têm optado pela compra de ouro para se proteger da forte volatilidade dos mercados. O investidor veterano Mark Mobius, fundador da gestora Mobius Capital Partners, por exemplo, afirma que o ouro deve sempre fazer parte de uma carteira, com uma participação de pelo menos 10% do portfólio.

A alocação, contudo, faz sentido para o investidor pessoa física? Qual o percentual ideal na carteira e como investir no metal?

Para Guilherme Anversa, sócio e gestor da XP Advisory, o posicionamento em ouro faz sentido pelo benefício da diversificação do portfólio, principalmente por ser uma classe de ativo com baixa correlação com Bolsa e renda fixa.

No ano até abril, o Ibovespa teve queda de 30,4%, o IMA-B, referência de desempenho de títulos atrelados à inflação (Tesouro IPCA+), recuou 5%, enquanto o contrato de ouro negociado na B3, que embute a apreciação cambial, teve valorização de 46%.

A forma mais prática e fácil de o investidor brasileiro investir na commodity, diz Anversa, se dá por meio de fundos de ouro, com exposição ao metal. Em plataformas de corretoras, por exemplo, o investidor consegue investir nesses fundos com valores a partir de R$ 500.

“Se o investidor for comprar ouro físico, ele precisa se preocupar com a custódia, por exemplo, então é uma estrutura menos flexível. E se for operar na Bolsa, tem a questão do timing, de ver qual a melhor oferta e se a operação não vai ser muito custosa”, afirma.

O tamanho da posição a ser assumida, segundo Anversa, depende da parcela em risco na carteira do investidor. Em um portfólio mais arrojado, com posições em ações e ativos como investimentos internacionais, ter 5% do portfólio estruturalmente em ouro já contribui para uma boa diversificação, avalia.

Para uma “dupla” proteção, o investidor pode optar ainda por fundos de ouro em dólar, diz, que aumentam a característica defensiva da posição, mas podem sofrer maiores oscilações de retorno, por conta da volatilidade da moeda.

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