SÃO PAULO – Por muito tempo, alcançar o sonhado primeiro milhão foi associado à ideia de independência financeira, com a possibilidade de parar de trabalhar e viver de renda. Mas será que ainda é viável viver apenas com os frutos dos rendimentos gerados por aplicações financeiras com essa quantia? Na avaliação de especialistas consultados pelo InfoMoney, provavelmente não.
“As pessoas falam em R$ 1 milhão porque é um número redondo, vira uma coisa psicológica, mas hoje esse valor não tem muito significado quando falamos em independência financeira”, afirma o educador financeiro André Massaro.
Ainda que destaque que qualquer simulação depende do estilo de vida pretendido, o consultor assinala ser esperado que um investidor com patrimônio financeiro de R$ 1 milhão não tenha um custo de vida baixo no Brasil e, portanto, não consiga depender exclusivamente dessa reserva por muito tempo.
Com esse montante, Massaro calcula que uma pessoa que pretenda fazer retiradas mensais de R$ 10 mil a partir de uma carteira com rentabilidade real (descontada a inflação) de 3% ao ano, levará apenas 115 meses (pouco menos de dez anos) para esgotar um patrimônio inicial de R$ 1 milhão.
Daiane Reis, assessora de investimentos e sócia no escritório Monte Bravo, assinala que o contexto de juros nas mínimas históricas dificulta o rendimento de aplicações mais conservadoras e que o famoso retorno de 1% ao mês, antes encontrado facilmente com a taxa Selic no patamar de dois dígitos, já não existe mais.
“Hoje, para conseguir uma boa rentabilidade nos investimentos, o investidor tem que se expor mais à renda variável, a aplicações que oscilam e podem sofrer desvalorizações, impactando negativamente a renda”, diz.
Nos últimos 12 meses, quem tivesse investido R$ 1 milhão na carteira conservadora “modelo” da Monte Bravo, composta majoritariamente por ativos de renda fixa, conta Daiane, teria tido um retorno de 130% do CDI, equivalente a um ganho real de 7,74%.
No melhor dos cenários, isto é, se fossem descontados 15% de Imposto de Renda e uma inflação de aproximadamente 4% ao ano, o investidor teria uma renda mensal líquida de cerca de R$ 2,2 mil, aponta a assessora.
Vale lembrar, que o Imposto de Renda é regressivo, isto é, se o investidor resgatar as aplicações em menos de dois anos, o custo será maior e, consequentemente, o montante a ser recebido, menor.
O “número mágico” atual
Uma pessoa de 60 anos que pretenda se aposentar e retirar R$ 10 mil líquidos (descontada a inflação) mensais durante 30 anos, teria que ter um patrimônio financeiro de R$ 2,42 milhões (em valores atuais), considerando uma taxa real de 3% ao ano, calcula Massaro.
Diana Lemos, planejadora financeira com certificação CFP, reforça a necessidade de diversificar o portfólio para alcançar o objetivo proposto. “Se ficar só em CDI, o investidor não vai conseguir o retorno real necessário para alcançar a independência financeira. Ele vai ter que buscar uma diversificação, o que inclui ter outros tipos de indexadores em renda fixa, como IPCA, que dá proteção do poder de compra ao longo do tempo, além de ativos de renda variável”, afirma.
Segundo ela, para ter ganhos melhores, até o investidor conservador terá que aceitar maior risco de crédito na renda fixa e, para isso, o recomendado seria ter uma orientação profissional para selecionar os ativos mais adequados para seu perfil.
Diana lembra, contudo, que uma diversificação só deve ser feita após criada a reserva de emergência, com um montante equivalente a seis a 12 meses o custo de vida.
Como calcular o quanto você precisa para se “aposentar”?
Para conquistar a independência financeira, o primeiro passo, segundo Diana, é calcular o capital inicial disponível, o rendimento a ser obtido com esse montante e o prazo necessário para começar a fazer retiradas periódicas. Uma taxa relativamente conservadora, considerando a Selic em patamares mais baixos, é de 2% a 3% de juros reais ao ano, diz.
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A planejadora financeira destaca que é fundamental que a pessoa tenha uma carteira adequada ao seu perfil de risco e que fique sempre de olho nos juros reais, isto é, acima da inflação, para evitar perda do poder de compra.
Na avaliação de Daiane, da Monte Bravo, um dos produtos mais vantajosos para quem quer viver de renda são os fundos imobiliários, que pagam dividendos mensais em torno de 0,6%, sem IR. “É uma alternativa, mas os FIIs entram na caixa de renda variável, então o ganho não é garantido, o que pode comprometer a renda mensal”, alerta.
R$ 1 milhão hoje não é o que já foi
Por conta da inflação, o poder de compra de R$ 1 milhão era, há 10 anos, muito maior do que hoje. Desde 2009, a inflação acumulada no Brasil foi de 76,3%. Isso quer dizer que R$ 1 milhão naquela época equivaleriam a R$ 1,76 milhão hoje, isto é, quase o dobro.
Se considerarmos a inflação desde o início do Plano Real, em 1994, é ainda mais fácil notar como R$ 1 milhão perdeu valor ao longo do tempo. Nos últimos 25 anos, desde que o país instituiu a moeda estável, a inflação acumulada foi de 520,6%. Isso significa que R$ 1 milhão naquele ano tinha o mesmo poder de compra de R$ 6,2 milhões hoje. Logo, o poder de compra da renda obtida com esse montante também foi afetado na mesma proporção.