Crise ou oportunidade? Claritas conseguiu amenizar as perdas, e gestor conta como

Damont Carvalho fala sobre como a gestora protegeu as carteiras e orienta investidores: “É preciso reavaliar o portfólio antes de qualquer mudança radical”

Mariana Segala

SÃO PAULO – Os fundos multimercados da gestora Claritas estão entre os que tiveram melhor resultado no último mês, período abalado pela crise do coronavírus. Mas como? Damont Carvalho, gestor de fundos macro da Claritas Investimentos, foi um dos convidados da campanha InfoMoney Orienta, que procura ajudar os leitores a se planejarem e investirem melhor apesar da volatilidade dos mercados.

Em live realizada no Instagram, Carvalho, um dos responsáveis pela gestão do fundo multimercado Total Return, falou sobre as oportunidades que está encontrando no mercado e explicou sobre como protegeu as carteiras diante dos abalos sem precedentes dos últimos dias. Confira:

Como você avalia os pacotes de socorro que estão sendo anunciados no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa? O que seria necessário para conter a crise?

A crise começou de uma maneira e foi mudando ao longo do tempo, lembra Carvalho. De início, tratava-se de um problema localizado na China, onde foram adotadas medidas de fechamento da economia numa tentativa de conter o contágio. Em poucas semanas, no entanto, o coronavírus se espalhou – e enquanto a Europa e os Estados Unidos ainda sofrem com uma curva ascendente de novos casos, a China parece ter conseguido controlar a situação.

“Enquanto este ambiente perdurar, o que veremos são medidas muito corretas dos principais governos e bancos centrais do mundo”, diz Carvalho. As ações, segundo o gestor, têm sido duras e assertivas, tanto na política monetária como também na fiscal, numa tentativa de estimular a economia e suavizar o recuo do crescimento global em 2020.

“O Brasil está fazendo parte desse processo”, diz Carvalho. Ele destaca o corte de juros realizado na semana passada, além de novas ações anunciadas pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos, injetando liquidez na economia. “Elas estão na medida certa, só que o desenrolar dessa crise acontece a cada dia”, diz. Há uma razão evidente para isso: “Essa não é apenas uma crise financeira. É uma crise de saúde. Parece uma guerra, em que o mundo inteiro está lutando contra um vírus”.

O que significa a redução dos depósitos compulsórios anunciada pelo Banco Central?

Carvalho explica que uma das preocupações do mercado financeiro é com a liquidez do sistema. O Banco Central, que também é chamado de “emprestador de última instância”, tem o dever de garantir o poder de compra da moeda.

“Quando começam crises financeiras como a atual, uma preocupação que surge é com os ativos financeiros, que começam a perder as referências de preços, porque oscilam além dos níveis razoáveis”, diz o gestor. Esse movimento pode gerar problemas, por exemplo, para bancos de pequeno e médio porte.

Exatamente para dar liquidez ao sistema que o Banco Central toma medidas como liberar o compulsório, explica Carvalho. “O compulsório é uma parte do dinheiro captado pelos bancos que fica depositada no Banco Central. Para liberar mais dinheiro na economia e gerar demanda pelos ativos financeiros o BC reduz o compulsório”, diz. Dessa forma, a autoridade monetária é capaz de fazer o mercado funcionar melhor.

O que a Claritas tem feito na gestão dos fundos diante desse cenário?

Segundo Carvalho, a desaceleração da economia global estava no radar da gestora desde o início do ano. A pandemia de coronavírus se revelou, na verdade, o estopim para esse movimento se concretizar.

“Quando a doença começou a se espalhar, achamos que a queda dos preços das commodities e do PIB mundial seria muito mais intensa do que o mercado estava pensando. Por isso, desde então preparamos nossos fundos com muito mais proteções em diversos mercados”, explica o gestor. Operando juros e moedas no Brasil e no mundo, a Claritas conseguiu defender as carteiras de modo eficiente.

Entre as estratégias adotadas, Carvalho destaca a venda de moedas de países emergentes, que, na visão dos analistas da Claritas, sofreriam com o menor crescimento global – entre elas o próprio real.

O gestor também comprou moedas de países desenvolvidos, como o iene e o euro. Além disso, apostou em operações de venda tanto na bolsa brasileira quanto nas americanas, numa tentativa de defender ainda mais a carteira de ações, que já é naturalmente defensiva por estar focada em empresas prestadoras de serviços públicos. Outra saída foi apostar no mercado de taxas de juros, com a visão de que elas tenderiam a cair mundo afora.

Para quem não tinha proteções na carteira, ainda faz sentido alocar agora?

Neste momento, antes de buscar um novo hedge, Carvalho orienta as pessoas a avaliarem se o nível de risco dos portfólios está adequado ao seu perfil de investidor. “Qualquer mudança radical na carteira hoje pode ser um tiro na água, porque a queda dos ativos foi muito abrupta”, diz.

Para os investidores que estão mais ansiosos nesse momento, a recomendação é, antes de tudo, revisitar a própria carteira. “A disciplina nesses momentos é o nome do jogo. É preciso ter disciplina, porque ela é que faz você dormir tranquilo, permite a você pensar no longo prazo, no seu momento de vida, no planejamento dos seus gastos”, afirma.

Depois de uma queda tão abrupta, podem aparecer oportunidades em ativos que recuaram muito e têm bons fundamentos. Apostar em instrumentos tradicionais de hedge, como ouro e dólar, por outro lado, é uma decisão muito particular, diz o gestor, lembrando que eles podem estar caros no momento.

Como o investidor que tem caixa deve se comportar agora?

Dificilmente um investidor vai acertar o momento exato em que o mercado chegou ao fundo do poço para, então, começar a comprar ativos de risco, como as ações. Carvalho orienta quem tem disposição para aumentar a exposição a risco a “fasear” as compras, dividindo a nova alocação em vários dias.

“Novamente, disciplina e serenidade são termos importantes. É melhor fazer uma alocação aos poucos, gradativamente, sem tentar acertar o ponto exato”, diz. Isso porque em momentos de volatilidade elevada todo dia parece marcar a mínima – o que efetivamente não acontece.

“Para podermos falar que o mercado acalmou precisamos ver uma série de condições, como a estabilidade da curva de novos casos de coronavírus, tempo para as medidas dos governos mostrarem sua eficácia e uma solução do lado da saúde, como um remédio contra a doença”, avalia Carvalho.

Há uma semana, a Claritas começou a desfazer alguns hedges. Uma posição da gestora em títulos do tesouro americano, por exemplo, já foi zerada. Também reduziu parte dos investimentos que tinha em dólar. Mas, na bolsa, a carteira continua protegida com operações de venda – e não começou a ser aumentada ainda.

Como está a carteira da Claritas atualmente?

Na parte da renda variável, segundo Carvalho, a carteira está focada em empresas que prestam serviços públicos (utilities), em geração e distribuição de energia e também em bancos, que costumam ser resilientes e bons pagadores de dividendos. A proteção está sendo feita com venda de Ibovespa futuro e também com opções de vendas.

O gestor ressalta que sobre juros e moedas tem adotado uma postura também ainda defensiva. “Estou um pouco vendido no real, mas menos do que estava no passado, porque acho que o Banco Central tem bastante espaço e instrumentos para defender a moeda”, diz.

Há possibilidade de fechamento temporário da bolsa? Que efeitos isso traria?

Na visão de Carvalho, é difícil saber se a decisão de fechar a Bolsa – e com isso impedir que os investidores tenham acesso a seus ativos – teria o efeito esperado ou justamente o contrário dele. “Acho que o mercado continua funcional, embora volátil. O real parou de desvalorizar e o dólar está relativamente estável ao redor de R$ 5. A volatilidade do mercado de juros também está caindo, diante das ações do Banco Central, da recompra de títulos públicos, entre outras”, diz o gestor.

Ele lembra que essa não é uma discussão que acontece unicamente no Brasil, mas também em outros mercados. Não é, na sua visão, a medida ideal. “Fechar a bolsa também impede que algumas pessoas aproveitem a oportunidade de comprar ações baratas.”

Onde estão as oportunidades na renda fixa?

Os títulos atrelados à inflação estão atraentes nesse momento, segundo Carvalho, por serem mais defensivos. São interessantes para os investidores que gostariam de manter o investimento na carteira até o vencimento. No portfólio da Claritas, no entanto, as principais apostas de renda fixa atualmente são em papeis prefixados com vencimento no curto prazo.

A intenção, de acordo com o gestor, é se beneficiar dos prováveis novos cortes de juros que o Banco Central deve ter de fazer – o que tende a valorizar títulos comprados quando as taxas ainda estavam mais altas. “Eles têm um retorno mais imediato”, sugere.

Quanto tempo é esperado para a recuperação da economia?

As projeções da Claritas são de que o PIB brasileiro caia cerca de 9% no segundo trimestre de 2020. Nos Estados Unidos e na Europa já se fala de uma recessão de 10% a 30% no mesmo período.

“Acreditamos que a recuperação da economia brasileira deve vir mais pujante no quarto trimestre. Considerando que o pico do coronavírus no Brasil aconteça entre abril e maio, a partir de setembro começa a ter uma retomada”, explica Carvalho.

Ainda assim, a previsão é de terminar o ano com um recuo de 0,9% no PIB brasileiro. Em 2021, a projeção é de que a economia do país cresça 2,5%. A inflação deve ficar em torno de 3% neste ano, e em de 3,6%, no próximo.

Para o câmbio, a expectativa é de que o real se valorize um pouco, com o dólar sendo cotado a cerca de R$ 4,60 até o fim do ano. Embora o déficit primário do Brasil tenta a crescer, dessa vez há um pouco mais de espaço para gastar momentaneamente, segundo Carvalho, dado que a reforma da previdência foi finalmente realizada no último ano.

Com um câmbio a R$ 5, não há risco inflacionário pela frente?

Na visão de Carvalho, o impacto do dólar sobre a inflação é muito menor do que o da queda na atividade, que está sendo muito grande. Por isso, há espaço para o Banco Central continuar tomando medidas de expansão monetária – seja reduzindo a taxa de juros, seja realizando injeções de liquidez no mercado. Mas, para evitar um cenário inflacionário no futuro, a Claritas estima que os juros poderão retomar o caminho da normalização ao fim de 2021.

A partir de setembro, o crescimento do país deve voltar a ser igual ao de antes da crise?

Isso depende, segundo Carvalho, de como será a “paradeira” no atual momento. “Alguns setores ligados à exportação, por exemplo, serão pouco impactados. Se a China conseguir sair da crise mais rapidamente, esses setores podem inclusive ser beneficiados”, afirma.

Já segmentos ligados aos serviços, como o turismo, fatalmente serão bastante prejudicados neste primeiro momento. Para a projeção da Claritas – de crescimento do PIB de 2,5% no ano que vem – se concretizar, é preciso uma retomada do ritmo de crescimento no terceiro ou no quarto trimestre. “Mas tudo depende da extensão da crise e do efeito das medidas fiscais e monetárias na economia”, avalia o gestor.

Se pudesse dar um conselho aos investidores, qual seria?

“Meu conselho é sempre reavaliar o portfólio, verificando se ele está adequado ao perfil de risco e às necessidades de investimento e de caixa do investidor”, diz Carvalho. Além disso, o gestor lista serenidade, disciplina, calma e foco como características fundamentais para sobreviver à crise. “O momento de crise é também de oportunidades. É o momento de crescer, de fazer a alocação certa, de estar com bons profissionais”, afirma. O horizonte deve ser o longo prazo, diz o gestor.

A live com a Claritas fez parte da campanha InfoMoney Orienta, que tem o objetivo de ajudar você a se planejar e investir melhor durante a crise. Envie sua pergunta pelo Twitter ou Instagram, marcando a #InfoMoneyOrienta.

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Mariana Segala

Editora de Investimentos do InfoMoney