SÃO PAULO – A valorização da ordem de 36% do dólar em relação à moeda brasileira neste ano tem desafiado a gestão do patrimônio de investidores brasileiros. Com o mercado brasileiro sofrendo os efeitos da pandemia do coronavírus, com perdas de 26% da Bolsa em 2020, e a expectativa de uma lenta retomada, as atenções do mercado financeiro têm se voltado cada vez mais ao exterior, especialmente aos Estados Unidos.
Por lá, o principal índice de referência do mercado acionário, o S&P 500, tem uma queda menos expressiva no ano, de 8,5%, e o Nasdaq Composite inclusive já acumula alta, de 3,9%, em meio à valorização de ações de tecnologia.
Não à toa, o Brasil conta cada vez mais com fundos de investimento com alocação no mercado externo, expostos à variação de ativos estrangeiros de renda fixa e variável. O crescimento da oferta tem sido feito via produtos com ou sem exposição cambial. Cabe, portanto, ao investidor decidir se quer se expor apenas à oscilação de preços dos ativos do fundo ou também da moeda americana. Como escolher?
A gestora do JP Morgan está entre as instituições que oferecem os chamados “feeders funds” – veículos domésticos criados para acessar a carteira global – com ou sem hedge (proteção) cambial para investimentos no exterior, ou seja, produtos cujos retornos incluem ou não a oscilação do dólar.
Neste ano, o fortalecimento do dólar tem ajudado as carteiras sem hedge. É o caso do fundo JP Morgan Dólar Global Macro Opportunities FIM – IE, que acumula alta de cerca de 43% em 2020, enquanto o JP Morgan Global Macro Opportunities FIC FIM IE – Classe A, com proteção cambial, tem ganhos próximos de 6% no período.
Giuliano De Marchi, head do JP Morgan Asset para América Latina, avalia que tanto investidores institucionais (como fundos de pensão) quanto o público de varejo têm percebido os benefícios da diversificação global e acelerado a procura por produtos do tipo.
“Mas ainda tem um espaço gigantesco para esse mercado crescer. E, com as condições atuais do Brasil, o investidor vai ter que começar a diversificar, a crise impulsiona ainda mais [essa necessidade]”, diz.
Segundo De Marchi, investidores pessoas físicas têm buscado mais fundos multimercado, com exposição em dólar e em mercados globais, enquanto os institucionais têm olhado mais para ações. “A parte institucional está recolocando ações globais no lugar do mercado brasileiro; a volatilidade é muito menor”, assinala.
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Ao ressaltar que considera “loucura” um investidor não ter hoje uma parcela dos seus investimentos em dólar, o executivo chama atenção para a movimentação muito rápida das moedas em períodos de crise, como no chamado “Joesley Day”, quando o dólar subiu mais de 8% no dia 18 de maio de 2017.
Como o Brasil é um mercado emergente e representa uma fatia pequena dos ativos globais, em momentos de crise de confiança global, há uma tendência de pressão sobre o câmbio. E em meio à perspectiva de retomada em 2021, De Marchi aconselha o investidor a não perder de vista o cenário para o médio prazo.
“Esqueça o câmbio”
Para Otávio Vieira, sócio e gestor da gestora de patrimônio Taler, se o investidor pretende ter parte do patrimônio alocado no exterior, a escolha deve recair sempre sobre fundos em dólar, isto é, sem hedge cambial.
“Se é para ter dinheiro lá fora, esqueça o câmbio”, orienta, destacando a importância da descorrelação com o mercado brasileiro.
E a preferência de Vieira recai sobre fundos de gestoras internacionais, com equipes no exterior debruçadas sobre os mercados estrangeiros. Fundos de ouro e BDRs também são apontados como alternativas para a fatia a ser dirigida à cena internacional, que pode variar de 10% a 50% da carteira de um cliente, diz.
Com o dólar tão apreciado, entretanto, o gestor aconselha o investidor a ser mais comedido na velocidade da internacionalização do patrimônio, com investimentos graduais para a construção dessa parcela do portfólio.
Sigrid Guimarães, sócia e CEO da Alocc Gestão Patrimonial, também assinala que, se o foco for a diversificação do patrimônio via alocação internacional, é preferível que o cliente tenha aplicações em dólar, sem hedge.
“Normalmente, nossos investidores que buscam a diversificação de moedas já atingiram o máximo de diversificação no Brasil. Esse é o excedente, em geral de 20% a 30% do patrimônio”, afirma.
A carteira brasileira, complementa, já cobre os custos de vida do investidor no Brasil, por isso a estratégia de destinar o restante dos recursos ao mercado externo, seja via produtos locais ou diretamente no exterior.
Já se o intuito for a preservação de capital, por exemplo de pessoas com despesas correntes no exterior, a alocação requer algum tipo de proteção cambial, explica Sigrid.
Fabiano Cintra, especialista em fundos internacionais da XP, vai na mesma linha, ao ressaltar a volatilidade adicionada pela moeda às carteiras. “Os investidores querem um fundo de crédito ou ações ou um fundo cambial?”, questiona.
Em produtos de renda fixa, ele destaca que, se não houver proteção contra a oscilação do câmbio, o dólar pode se tornar o fator de risco preponderante da carteira, respondendo por 70% da variação da cota. “Ou seja, torna o fundo de crédito um fundo cambial”, observa.
E Cintra ainda lembra que, em um ano de pandemia, recessão global e eleições americanas, é esperada uma corrida em direção aos ativos mais seguros do mundo, como títulos soberanos americanos.
“Com incertezas, investidores ‘voam para qualidade’, ou seja, Treasuries. Esse fluxo massivo para os Estados Unidos fortalece o dólar não só contra o real, como contra as principais moedas do mundo.”