SÃO PAULO – Ainda que a renda variável esteja nos holofotes dos investidores nesta crise, em meio a fortes movimentos vendedores nas bolsas de valores mundiais, o mercado de renda fixa, via crédito privado, também tem sofrido com o aumento do estresse financeiro.
A extensão dos problemas, contudo, pode ser diferente, assim como o olhar do investidor precisa ser outro. Quem explica melhor as particularidades do segmento é Alexandre Muller, sócio responsável pela equipe de gestão dos fundos de crédito da JGP.
Em entrevista ao vivo ao InfoMoney nesta quarta-feira (01), Muller apontou onde estão as principais preocupações no momento, abordou o comportamento de grandes empresas e bancos nesta crise, falou sobre as medidas implementadas pelo governo que possam surtir efeito no mercado de crédito e contou a estratégia da JGP neste contexto de maior estresse, provocado pela epidemia do coronavírus.
Confira a seguir alguns dos principais trechos da conversa. A entrevista completa está disponível no vídeo acima.
Como o mercado de crédito privado tem se comportado desde que a crise começou?
Esse é um mercado importante de acompanhar neste momento, até para entender o desdobramento que pode ter em outros segmentos. O mercado de crédito emite sinais importantes para todo o resto da economia. Esta é a primeira crise que estamos vivendo com um mercado com maior tamanho.
Em 30 dias, tivemos uma queda do Ibovespa de 32%, o Cembi, índice de bonds de crédito negociado lá fora, teve uma queda de mais ou menos 17%, e o Idex [índice de debêntures calculado pela JGP] cai cerca de 7%.
Crédito, assim como outras classes de ativo, tem sensibilidade, mas é normal que a sensibilidade seja menor que de outras classes, como ações, porque títulos de dívida têm prioridade de acesso sobre o fluxo de caixa das empresas.
Os fundamentos continuam sólidos no mercado de maneira geral?
É preciso dividir o tipo de crédito sobre o qual estamos falando. A JGP atua em particular nas grandes empresas do Brasil, como Lojas Americanas, Cemig, Sabesp. Claro que existe um movimento de preço no mercado de crédito, mas, do ponto de vista de fundamento para crédito de grandes empresas, esse é um dos setores mais protegidos hoje, se comparado com empresas mais high yield ou até Bolsa.
Falando em grandes empresas, eu espero que o impacto de quebra de covenants ou eventuais renegociações de dívida seja pequeno.
Agora se descemos um degrau na cadeia de crédito, em fundos mais high yield ou empresas de médio porte, [a avaliação] é caso a caso. Mas, conceitualmente, deve ter mais sensibilidade.
O investidor deve ser mais seletivo em crédito neste momento?
A primeira coisa é entender o que está se passando em termos de fundamento, o mandato de cada fundo. Acho que a ideia de que grandes empresas do Brasil tendem a sentir menos é conceitual. Temos até observado ao longo da última semana anúncios de novas operações de dívidas entre as empresas grandes e os bancos. O problema são as empresas médias.
A segunda pergunta é o que está acontecendo com o preço dos títulos de crédito, com as cotas dos fundos. Será que é uma boa oportunidade olhar esses títulos e fundos neste momento? Existe algo muito especifico acontecendo. Desde que a crise se aprofundou, o governo e o Banco Central vêm anunciando uma série de medidas orientadas para destravar o mercado de crédito.
Entre essas medidas, na segunda-feira da semana passada, foi anunciado um hiper pacote de medidas pelo Banco Central que poderia liberar R$ 1,2 trilhão de liquidez, de dinheiro, para que os bancos concedam novos empréstimos, destravando toda a cadeia.
Uma das medidas é orientada para o mercado de capitais, para as debêntures negociadas no dia a dia, e acaba fazendo preço nos fundos. É um programa no valor de R$ 91 bilhões para que o Banco Central dê empréstimos para os bancos recomprarem esses títulos no mercado secundário. Isso é uma maneira de garantir o funding do banco para que ele possa fazer essa operação.
Esse programa entra em vigor dia 6 de abril, então existe um rito burocrático em grande parte das medidas que está atrasando pontualmente o início, mas as medidas vão entrar e a tendência é que elas façam diferença nos spreads de crédito e nos preços dos títulos.
Na sexta-feira passada veio o principal dos programas. Uma PEC, que permite ao Banco Central comprar diretamente ativos de crédito privado para seu balanço. Essa é uma medida muito mais extrema, algo que vimos nos Estados Unidos, na Europa e até em outros países, como Colômbia.
E é uma medida que pode fazer uma diferença muito maior, porque, por mais que o BC jogue toda essa liquidez no mercado bancário, os bancos sempre têm a prerrogativa de não fazer nada, de sentar em cima do dinheiro. Então essa medida provavelmente vai fazer com que o BC tenha flexibilidade para atuar comprando títulos de crédito de grandes empresas.
A partir do momento que ele faz isso, altera a dinâmica de spreads para esse segmento da cadeia, empurra os bancos para terem que usarem o balanço em empresas de pequeno e médio porte, começa a oxigenar a liquidez, a destravar o mercado de crédito.
É importante que o investidor compreenda o que está sendo feito pela autoridade monetária e, se ele acreditar que ela vai ser bem-sucedida no destravamento desse mercado de crédito, e isso vale para empresa grande, média e pequena, pensar em crédito como um investimento neste momento pode ser uma boa ideia.
Você enxerga perspectivas de retomada do mercado primário?
Estamos vendo o mercado primário ativo principalmente para grandes empresas, captando dívidas diretamente com os bancos, de um ou dois anos em geral. Vimos anúncios públicos de captação da Iochpe-Maxion, do laboratório Fleury, da BRF, então estamos vendo que as empresas estão fazendo captações de emergência para reforçar o caixa neste momento.
Como os bancos trabalharam depois da crise do subprime? Deram linhas de liquidez para grandes empresas e deixaram contratados mandatos para fazer operações que alongassem captações de curto prazo, ganhando o direito de serem coordenadores-líderes. É possível que, quando a crise acalmar, [os bancos] venham com ofertas de debêntures para refinanciar a dívida de curto prazo contratada pelas empresas. É uma possibilidade.
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