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Em meio à desconfiança em torno da política fiscal do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), brasileiros têm intensificado a migração de parte dos investimentos para fora do País. O maior acesso aos ativos globais favorece o movimento e contribui com o aumento no fluxo de recursos para contas de investimento internacional.
Diego Correia, gestor da área de investimentos internacionais da XP, confirma o maior interesse do brasileiro em investir no exterior. Desde junho, a empresa dispõe de uma plataforma para negociação de ativos globais – e a procura não tem decepcionado.
“Estamos em uma curva exponencial desde o lançamento [da plataforma], cenário que se intensificou nas últimas semanas”, relata. “Desde novembro, a conta de investimento internacional da XP tem duplicado o valor investido por clientes do segmento de varejo [pequeno investidor] a cada 10 ou 15 dias”, calcula Correia, que não menciona números das operações por causa de regras impostas a empresas que negociam ações na Bolsa. A XP Inc. tem capital aberto na bolsa americana Nasdaq.
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O crescimento expressivo do interesse dos investidores nacionais por ativos globais não está restrito à XP, segundo apurou o InfoMoney.
“Neste último trimestre, a consulta por investimentos no exterior foi maior do que a soma dos outros nove meses do ano”, afirma Wilson Barcellos, CEO da Azimut Brasil Wealth Management, que tem operações em outros 14 países. Ele lembra que a correlação das consultas sobre o tema e a execução da operação (confirmação do investimento) costuma ser elevada.
Marcos Almeida, diretor da WIT Exchange, empresa especializada na gestão de patrimônio, explica que é comum, no último trimestre do ano, haver um aumento no fluxo de remessas para bancos e corretoras de investimentos no exterior. Mas, em 2022, o movimento realmente surpreendeu, reforça. “Em 2022, notamos um aumento de 30% em relação aos números de 2021”, calcula. “Acredito que esse movimento tenha começado a se intensificar logo depois das eleições”, completa Almeida.
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Receio do governo Lula?
A maior facilidade de abrir uma conta de investimento internacional atualmente estimula cada vez mais o brasileiro a alocar parte do patrimônio em ativos fora do País. Mas as incertezas relacionadas à política fiscal do governo Luiz Inácio Lula da Silva têm impulsionado a saída de recursos locais.
Para dimensionar a tensão do mercado financeiro com um possível aumento de gastos públicos nos próximos anos, o Ibovespa – principal índice da Bolsa – acumula perdas de quase 7% nos últimos dois meses, reflexo principalmente da tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição, no Congresso.
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Aprovado em segundo turno no Senado em 21 de dezembro, o projeto abre espaço no orçamento da União para a realização do pagamento do Bolsa Família – programa de assistência social – fora do teto de gastos. São R$ 145 bilhões fora do teto apenas no exercício de 2023, além de até R$ 23 bilhões para outros investimentos.
Embora gastos acima do teto já fossem esperados por profissionais do mercado financeiro (e tido como necessários, do ponto de vista social), o tamanho da licença para gastar pretendido pelo novo governo Lula foi considerado excessivo.
A preocupação com as consequências fiscais da PEC – que poderia aumentar a dívida pública – tem elevado os juros futuros do País, aumentando a rentabilidade da renda fixa e reduzindo a atratividade da renda variável.
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“O risco fiscal e o controle das contas públicas são fatores determinantes para o investidor, pois determinam se aquele país terá condições de entregar segurança e lucro para seus investimentos”, explica Almeida, reforçando a justificativa para o aumento do interesse do brasileiro em ativos internacionais.
Mas vale mesmo a pena investir no exterior?
A alocação de parte do patrimônio em ativos internacionais como forma de diversificação da carteira de investimentos é vista com bons olhos pelos analistas, que chamam a atenção também para eventuais excessos.
De acordo com os especialistas, o destino majoritário dos recursos dos brasileiros tem sido os bonds – títulos de renda fixa dos Estados Unidos, que estão mais rentáveis com a elevação do juro local. Para 2023, o país já vê uma taxa acima dos 5%.
“De forma geral, o brasileiro já conhece a renda fixa e [investir nos títulos norte-americanos] é uma maneira de diversificar o patrimônio”, explica Correa. “Lá, o recurso do investidor também está atrelado a uma moeda forte e a um mercado mais maduro”, pontua.
O percentual ideal de alocação em ativos internacionais vai depender do perfil de cada investidor, orienta Barcellos, CEO da Azimut, que critica eventuais exageros.
“Teve gente querendo enviar todo o dinheiro para fora, pessoas bastante preocupadas querendo deixar o País”, conta. “A nossa recomendação é sempre fazer a alocação de uma forma equilibrada e diversificada, em busca de objetivos de médio e longo prazo”, orienta.
Além disso, ele lembra que, ao enviar parte do patrimônio para o exterior, o investidor está abrindo mão de uma taxa de 13,75% ao ano – atual patamar da taxa básica de juros da economia brasileira, a Selic, referência para as aplicações de renda fixa. O percentual deve ser mantido ainda por um bom tempo, observa.
É preciso também levar em conta a complexidade para realizar o recolhimento de impostos no Brasil sobre os rendimentos obtidos com bonds e questões sucessórias.
Estratégia também embute riscos
A alocação equilibrada de recursos em ativos internacionais pode ser uma boa opção de diversificação e até de proteção para parte do patrimônio, mas há riscos nesta modalidade de investimento, alerta Almeida, da WIT Exchange.
“É importante estar ciente que há riscos de se investir no exterior, assim como no Brasil, pois o mercado está sob a influência dos fatores e condições daquele país onde os ativos se encontram”, destaca.
Ele sugere ao investidor estudar e entender bem o mercado onde se está investindo, as variáveis que contribuem positiva e negativamente para os negócios. O especialista destaca pontos como oscilação da taxa de juros, aumento da inflação acima das expectativas e risco de liquidez.
Além disso, completa, é preciso estar seguro de que o ativo escolhido se enquadra no tipo de risco que o investidor deseja assumir para alavancar seus investimentos.
A tributação – que pode variar de acordo com o produto e o país de destino dos recursos – também deve ficar no radar do brasileiro que planeja investir fora do País.
Cenário internacional também é desafiador
Em relatório Onde Investir 2023 da XP, Alberto Bernal, estrategista-chefe global da corretora, cita a expectativa de leve recessão dos Estados Unidos em 2023 e lembra da estratégia do Federal Reserve (banco central norte-americano) de aumentar as taxas de juros do País de forma agressiva.
Bernal também projeta a necessidade de um aperto monetário ainda maior nas economias europeias diante da manutenção da tendência de alta da inflação na região. “Uma vez que provavelmente haverá repasses adicionais da alta dos preços de energia para os preços ao consumidor”, explica. Neste cenário, prevemos uma recessão mais profunda na Europa no ano que vem”, diz Bernal, que ainda lembra das tensões geopolíticas persistentes na Ucrânia.
Na China, afirma o analista, a atenção está voltada para as políticas de Covid zero. A persistência de medidas rígidas de lockdown ao longo do ano e os problemas no mercado imobiliário prejudicaram consideravelmente o crescimento econômico do País asiático este ano.
“Acreditamos que o PIB local crescerá em torno de 3,3% em 2022, bem abaixo da meta de 5,5% estabelecida pelo governo no início do ano”, avalia Bernal. “O aumento das tensões sociais e o avanço da vacinação de idosos devem forçar a reabertura da economia, embora o recente aumento de novos casos de Covid possa atrasar essa decisão”, pontua.