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O segundo mês consecutivo de IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) negativo – ou com deflação – trouxe preocupação aos investidores que possuem papéis atrelados ao indicador.
Embora a deflação possa, de fato, afetar negativamente o desempenho desses ativos em certos momentos, especialistas recomendam cautela ao investidor que pensou em vender os papéis por causa do receio de perdas.
Em agosto, os efeitos sobre o retorno de alguns papéis da renda fixa pública atrelada à inflação foram limitados. Os títulos públicos corrigidos pelo IPCA e com vencimento acima de cinco anos, por exemplo, avançaram 2,49% no mês passado, apesar da deflação de 0,36% registrada no mês, segundo informado nesta sexta-feira (9) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O desempenho desses papéis é medido pelo IMA-B 5+, índice calculado pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais).
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A situação foi diferente no caso dos títulos públicos atrelados à inflação com vencimento em menos de cinco anos, reunidos no IMA-B 5. Seu retorno foi zero, na média.
Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, detalha que os papéis de inflação possuem dois componentes que afetam o seu preço: a remuneração prefixada e a variação do IPCA.
Na parcela da remuneração prefixada, o que pesou em agosto foi o recuo forte dos juros, devido à queda nos preços de commodities e de combustíveis, que costumam pressionar a inflação para cima, segundo a economista. A queda levou ao aumento nos preços dos títulos, refletida nas carteiras devido à chamada marcação a mercado.
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Um exemplo: no começo de agosto, o Tesouro IPCA+ 2045 oferecia uma taxa real de 6,23% ao ano e seu preço era de R$ 3.934,29. Já no último dia do mês, a remuneração do papel havia diminuído para 5,98% ao ano, enquanto seu preço subiu para R$ 4.053,46.
O aumento do preço decorre da marcação a mercado. Durante a existência de um papel, seu preço é marcado diariamente conforme as taxas que o mercado precifica a cada dia. Na prática, papéis atrelados à inflação costumam valorizar quando as taxas de juros estão em tendência de queda – como se verificou em agosto.
O contrário também é verdadeiro: os preços dos papéis normalmente caem quando as taxas de juros sobem, como estava ocorrendo nos meses anteriores, enquanto o mercado acreditava em uma provável continuação do ciclo de aperto monetário pelo Banco Central.
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Pelo fato de serem mais sensíveis a mudanças na política fiscal, os títulos atrelados à inflação de prazo mais longo foram os que mais sentiram a marcação a mercado em agosto, como explica Vinicius Romano, analista de renda fixa da Suno.
Ou seja, eles registraram quedas mais expressivas nas taxas e consequentemente, maior avanço nos preços no mês passado.
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Já sobre o componente do preço dado pela correção pela inflação, é preciso ponderar que essa parte teria registrado recuo no mês passado, considerando a deflação vista de 0,36%, observa Rafaela. Ela explica que quando ocorre deflação, o valor nominal atualizado (VNA) dos títulos é corrigido para baixo, e não para cima (como aconteceria caso o IPCA tivesse sido positivo).
O valor do título poderia ser corrigido para baixo considerando apenas a deflação – porém, o aumento dos preços causado pela queda das taxas de juros durante o mês compensou pelo menos parte desse movimento em alguns papéis.
É como se fosse uma balança entre os dois componentes. Segundo Rafaela, em agosto, o aumento dos preços dos títulos públicos pesou positivamente sobre a parte prefixada e influenciou mais do que deflação do componente de correção pelo IPCA, na visão da economista.
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Por essa razão, mesmo com a deflação, os papéis – especialmente os mais longos – apresentaram valorização, afirma Romano. Ou seja, o investidor que optasse por vender o título antecipadamente provavelmente iria obter ganhos, apesar do IPCA negativo. Tal movimento, no entanto, precisa ser acompanhado com cuidado.
Em julho, por exemplo, o retorno dos títulos públicos atrelados à inflação terminou o mês, na média, com perdas de 0,88%. Nesse caso, a subida das taxas na parte prefixada levou a um recuo nos preços dos títulos públicos atrelados à inflação, o que pesou negativamente junto com a correção para baixo no valor do VNA dos papéis em julho.
Títulos privados também podem ser afetados?
Ainda que outros títulos de renda fixa não sejam afetados pela marcação a mercado, papéis como Certificados de Depósito Bancário (CDBs), Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) e Imobiliário (LCIs), assim como debêntures incentivadas, Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e Imobiliário (CRIs) também podem ter alterações pontuais no rendimento.
Romano, da Suno, destaca que papéis privados também possuem duas componentes de preço: a parte prefixada e a parcela que será corrigida por um índice de inflação, que na maior parte dos casos, é o IPCA.
Em um cenário de deflação, o valor atualizado dos títulos (VNA) tende a ser corrigido para baixo, diz Romano. O ponto é que há ainda a parte prefixada.
Para entender melhor se o papel teve um retorno positivo ou negativo no período, o investidor precisa primeiro transformar o retorno anual oferecido pelo ativo em uma taxa mensal. Se o título oferecer um retorno de 6% acrescido de IPCA, por exemplo, isso seria o equivalente a cerca de 0,50% ao mês.
Levando em conta os 0,68% registrados de deflação em julho, por exemplo, o rendimento do título teria sido de 0,50% menos 0,68%. No fim, o título teria tido um retorno negativo de 0,18%.
Nesse caso, diz Romano, para que o papel apresentasse uma rentabilidade positiva, seria preciso que a taxa prefixada mensal fosse superior a 0,68%, usando o IPCA de julho como referência. Se o investidor comprasse um CDB que oferece 10% acrescido de IPCA, por exemplo, o retorno mensal seria de cerca de 0,80% ao mês. Ao descontar a deflação, a remuneração oferecida pelo título seria de 0,12% – a diferença entre o 0,80% e o 0,68%.
Papéis atrelados à inflação seguem atrativos?
Embora os retornos possam ficar menores no curto prazo, a depender da taxa entregue pelo título, Romano lembra que o cenário de deflação não deve ser persistente por muitos meses.
“Se a inflação continuasse caindo por mais vezes, o investidor talvez tivesse um retorno menor no vencimento. Mas são dois [ou três meses] de 12 meses em que veremos uma queda”, argumenta. “É uma medida que afeta mais no curto prazo”, resume.
Dessa forma, segundo o especialista da Suno, o fenômeno não invalida o investimento em papéis atrelados à inflação, sejam eles públicos ou privados.
Rafaela, do Inter, concorda e acrescenta que o principal atrativo dos títulos atrelados à inflação é a proteção contra a escalada de preços.
“Há um cenário de muita incerteza, com chegada de novo governo. Além disso, temos histórico de alta de preços e de adotar uma política mais expansionista [o que pode pressionar a inflação para cima]”, pondera a economista-chefe.
Entre as preferências de Rafaela estão o título público atrelado à inflação (Tesouro IPCA+) com vencimento em 2045. Segundo ela, o papel é o que apresenta prazo mais longo do Tesouro Direto dentre os papéis que não pagam juros semestrais.
Em sua justificativa, a economista diz que o problema do pagamento de um cupom semestral é o risco do reinvestimento – ou seja, a chance de não obter uma remuneração equivalente à anterior ou em condições melhores que as atuais.
“Mas entendo que quem está mais preocupado com a volatilidade, talvez deva preferir vencimentos em 2028 ou 2035. Talvez faça mais sentido”, defende Rafaela.
Bruna Centeno, especialista em renda fixa da Blue3, também prefere títulos públicos de prazo mais longo, de olho em possíveis ganhos de capital.
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Ela argumenta que o cenário atual ainda é de maior incerteza e que, por isso, o prêmio exigido pelos investidores tende a ser mais elevado.
“Esse cenário de risco deve diminuir e as taxas devem voltar para patamares mais baixos”, diz. “Olhamos mais para ativos de longo prazo para pegar esse fechamento [queda dos juros] de curva”, completa, dizendo que gosta de vencimentos como o 2030, 2035, 2050 e 2060.
Segundo o último Relatório Focus, do Banco Central, o ponto médio das projeções para a inflação em 2023, 2024 e 2025 estava em 11,25%, 8,00% e 7,50% respectivamente.
Com a queda da taxa básica de juros, a tendência é que o juro oferecido pelos papéis negociados na renda fixa também recue a partir de 2023, observa Bruna. Nesse caso, a contração das taxas faria com que os preços dos títulos subisse, o que poderia proporcionar possíveis oportunidades de venda antecipada dos títulos.
Além de olhar para títulos públicos, a especialista da Blue3 não descarta a alocação em ativos como CRIs, CRAs e debêntures incentivadas para fins de diversificação, já que os três possuem a isenção do Imposto de Renda (IR) para pessoa física. A profissional lembra que a vantagem é que tais títulos costumam oferecer a possibilidade de uma saída antecipada por meio do mercado secundário de forma mais fácil do que no caso de CDBs, LCAs e LCIs.
Ao selecionar os ativos, Bruna diz que a preferência está nas chamadas bluechips (nome dado a ações de primeira linha), como papéis emitidos pela Taesa, JBS, por exemplo, que oferecem a partir de 5% de juro real, com vencimento entre quatro e sete anos, observa.