Dividendos da Petrobras: mercado teme interferência política, mas proventos estão mesmo ameaçados?

Mudanças recentes devem afetar foco da distribuição de proventos – mas, para analistas, retornos tendem a continuar altos

Monique Lima

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O conselho de administração da Petrobras (PETR4) aprovou nesta segunda-feira (23) uma mudança em seu estatuto social. Dois tópicos abordados na proposta são sensíveis para características cruciais na tese de investimento da companhia: o pagamento de dividendos e a governança corporativa.

Os pontos que se tornaram o centro do debate sobre as mudanças sugeridas, que ainda devem ser submetidas à Assembleia Geral Extraordinária (AGE), são a criação de uma reserva de remuneração do capital e a remoção de algumas restrições à nomeação de executivos conforme descrito na Lei das Estatais.

Segundo o comunicado, a reserva de remuneração irá assegurar os pagamentos aos acionistas, seja na forma de dividendos, juros sobre capital próprio (JCP) e até mesmo recompra de ações. Para os analistas André Vidal e Helena Kelm, da XP Investimentos, a avaliação preliminar é de que essa reserva de remuneração irá facilitar o não pagamento de dividendos acima da política mínima de distribuição.

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“Isso não significa, necessariamente, que não haverá pagamento de dividendos extraordinários referentes ao exercício de 2023 (nosso cenário base é de que pagarão), apenas facilita se esse for o caminho escolhido”, diz Vidal e Kelm, em relatório.

Segundo Vidal, até então, existia um consenso no mercado em relação ao pagamento de dividendos extraordinários ao fim deste ano de 2023. Embora a XP mantenha na análise este cenário de pagamento, o analista afirma que com as novas informações, os investidores “questionarão os fundamentos deste investimento com a probabilidade de não haver mais os dividendos extraordinários”.

Enquanto os analistas aguardam mais informações sobre essas mudanças, o cenário para a Petrobras em 2023 ainda é visto como positivo.

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Como ficam os dividendos?

Desde o início da guerra entre Israel e o Hamas, a cotação do petróleo no mercado internacional aumentou cerca de 10%, para pouco mais de US$ 90. No primeiro semestre do ano, o preço médio do barril foi de US$ 80.

“O contrato Brent ainda está em lateralidade no curto e médio prazo. O receio é o barril voltar a US$ 100”, diz Luan Alves, analista-chefe da VG Research. A preocupação é com questões macroeconômicas relacionadas a inflação e juros. Sobre investimentos, Alves escreve que “as petroleiras enxergamos como hedge no momento”.

A casa de análise espera que o lucro da Petrobras seja de R$ 95 bilhões ao fim de 2023, enquanto a Levante espera que chegue a R$ 100 bilhões. Entretanto, ambas esperam que o dividend yield do ano seja de 15%. Dividend yield é um indicador de pagamentos de dividendos em doze meses versus preço da ação.

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Vicente Falanga e Gustavo Sadka, do Bradesco BBI, afirmam que a criação da reserva de capital pela Petrobras era uma questão de tempo. “Se essa reserva não fosse criada, pela legislação societária brasileira, a Petrobras precisaria pagar cerca de 95% de seu resultado final”, algo inviável, segundo os analistas.

Para eles, a estatal deve seguir o modelo da reserva da Vale (VALE3), em que o volume guardado soma “até 50% do resultado final, limitado ao capital integralizado”. A expectativa é de que novas informações sejam divulgadas antes dos resultados do quarto trimestre de 2023, em fevereiro ou março do próximo ano.

Entretanto, Falanga e Sadka afirmam que veem espaço para bons pagamento e valores extraordinários em 2023 e 2024. Segundo eles, desde que a Petrobras cumpra seu programa de gastos de capital e permaneça com seus níveis de caixa acima dos níveis ótimos (que devem ficar próximos de US$ 10 bilhões), há espaço para pagamentos extraordinários.

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“Além disso, na perspectiva do Ministério da Economia, a Petrobras deverá manter o mais elevado nível de dividendos”, escrevem em relatório. “Nossa análise de sensibilidade mostra que há bastante liquidez, com bastante espaço para dividendos extraordinários.”

Alto retorno em 2023

As ações da Petrobras caíram 6% na segunda-feira (23) após as propostas de mudanças no estatuto. Mas, investidores da companhia não têm tido do que se queixar em 2023.

No primeiro semestre, a Petrobras foi a petroleira que mais pagou dividendos aos acionistas no mundo, segundo a Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet). O volume de proventos distribuídos entre janeiro e junho somou US$ 10,9 bilhões.

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Até 20 de outubro de 2023, antes da queda, isso conferia um dividend yield de 26,12% para as ações PETR4 no recorte de doze meses. O valor é menos da metade dos 68,3% verificados em 2022, segundo dados da Economatica, mas os retornos somando proventos e valorização ainda são mais positivos em 2023.

Em todo o ano de 2022, proventos e ações preferenciais da Petrobras deram um retorno de 47,23% aos acionistas, com os papéis fechando o ano com 13% de perdas.

Em 2023, até 20 de outubro, as ações haviam se valorizado 56,5%. Somadas aos proventos, o retorno no acumulado deste ano era de 94,39%, conforme dados da Economatica.

Na manhã desta terça-feira, o papel opera em alta na Bolsa.

Empresa  Ticker  Div Yield 12 meses
(Div + JCP)
Retorno
12 meses
(ações + DIV e JCP)
Div Yield 2022
(Div + JCP)
Retorno
2022
(ações + DIV e JCP)
Ações em 2022 Retorno
acumulado 2023
(ações + DIV e JCP)
Ações acumulado 2023
Petrobras PETR3 23,6% 44,1% 59,7% 48,9% -8,7% 78,9% 47,1%
Petrobras PETR4 26,1% 53,7% 68,3% 47,2% -13,1% 94,4% 56,5%

Fonte: Economatica. Dados até 20 de outubro de 2023. 

Entretanto, essa prioridade em remunerar os acionistas deve mudar até o encerramento do ano. Em agosto, a política de remuneração aos acionistas da estatal passou por mudanças. A nova proposta diz que serão distribuídos 45% do fluxo de caixa livre da empresa, não mais os 60% anteriores.