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O fortalecimento do dólar e o enfraquecimento histórico de moedas de outros países desenvolvidos nos últimos dias reforçaram as teses de fundos multimercados – especialmente os de estratégia macro – que mantêm posições em câmbio. Diante de uma desvalorização de cerca de 14% acumulada neste ano no euro (contra a divisa americana) e de quase 18% na libra, gestores têm olhado o mercado com cautela. Alguns gestores têm privilegiado as posições táticas, de curto prazo. Outros, têm optado por manter as alocações ou até realizar algum aumento.
“O movimento das moedas está respeitando os temas macroeconômicos”, diz Fábio Akira, economista-chefe da gestora BlueLine. “A partir do momento em que as preocupações inflacionárias se cristalizam, as autoridades monetárias se posicionam para combatê-las e há uma mudança na direção da liquidez global, ocorrem repercussões importantes do lado das moedas”.
O fundo macro da casa – o Blue Alpha – vem comprando dólar contra diversas outras moedas há alguns meses. A tese que embasa a posição parte de três direcionadores clássicos do fluxo global de capitais: a profundidade da política monetária de cada economia, os diferenciais de crescimento entre elas e, mais recentemente, os riscos relacionados às políticas fiscais.
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A valorização do dólar devido aos dois primeiros elementos, segundo Akira, era de se esperar. No lado da política monetária, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) vem dando sinais cada vez mais explícitos de que seguirá elevando os juros do país para conter a inflação – na última quarta-feira (21), a taxa básica americana chegou à faixa dos 3% a 3,25% ao ano. “Esse movimento fortalece o dólar contra moedas de bancos centrais que estão operando no sentido contrário, como o do Japão, ou que começaram a se movimentar tardiamente, como o europeu”, diz.
As dinâmicas de crescimento econômico também favorecem a moeda americana, já que o PIB dos Estados Unidos vem apresentando um desempenho melhor que o da Europa – onde as dificuldades de abastecimento de gás, majoritariamente comprado da Rússia (atualmente em guerra com a Ucrânia), aprofundaram consideravelmente o risco de uma recessão.
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A BlueLine já apostava no dólar contra o euro, a libra e o iene dado esse contexto. A novidade recente, que deu força à posição, foi a adição de preocupações em torno do risco fiscal de países desenvolvidos – como o Reino Unido. Na semana passada, enquanto o Banco da Inglaterra (BoE) elevava os juros ao nível mais alto desde 2008 para conter a inflação, que beira 10% em um ano, o governo do país anunciava o maior pacote de cortes de impostos em gerações para estimular o crescimento.
Os cálculos são de que o plano custará cerca de 45 bilhões de libras (US$ 50 bilhões) aos cofres públicos, que se somam aos 60 bilhões de libras (US$ 66,5 bilhões) referentes ao auxílio às contas de energia doméstica anunciados pela primeira-ministra britânica, Liz Truss, há poucos dias. Com a política fiscal em xeque, a libra despencou, atingindo as menores cotações históricas frente ao dólar – e na visão de alguns, encaminhando-se rumo à paridade.
“A decisão do Reino Unido [de lançar o pacote de redução de impostos] veio a favor da nossa posição, mas trouxe um tema a mais para discussão que não prevíamos, típico de países emergentes, e não desenvolvidos”, diz Akira. Em setembro, até terça-feira (27), o fundo Blue Alpha registra ganhos de 4,40%.
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Por ora, não há perspectiva de mudanças nas posições em moedas. O multimercado seguirá comprado em dólar contra a libra, que só se fortaleceria diante de uma reação mais agressiva de política monetária ou de uma correção de rota na política fiscal, na visão do economista; em dólar contra o euro, que segue padecendo dado o crescimento fraco esperado na Europa; e no dólar contra o iene do Japão, que, na última semana, manteve os juros negativos em 0,1%. No país, destaca Akira, a preocupação está centrada em segurar a inflação acima de zero, e não em reduzi-la.
No fundo XP Macro, as apostas compradas em dólar contra – principalmente – o euro também datam do início de 2022, mas foram sendo ajustadas com o passar dos meses. “Os Estados Unidos são claramente o país que mais vai elevar os juros e, naturalmente, tem uma situação de crescimento muito mais sólida que as demais economias. É um call clássico de dólar forte”, diz Julio Fernandes, co-gestor da estratégia.
Moedas não são a principal posição do multimercado, que tem dado preferência à exposição tomada em juros de países desenvolvidos (na expectativa de que sejam elevados) e vendida em bolsas americanas (dada a perspectiva de queda das ações). Mas passaram a complementar a carteira, proporcionando ganhos adicionais.
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“Dólar contra euro era uma posição pequena no início do ano, que começamos a aumentar a partir de março e abril, coincidindo com início do ciclo de alta dos juros pelo Fed”, explica Fernandes. Na mesma época, dólar contra libra também entrou no portfólio. “Chegamos a diminuir a exposição, mas voltamos a aumentar entre agosto e setembro”, diz o gestor. Nos últimos dois meses, a posição do fundo em moedas atingiu seu maior tamanho no ano.
Dado o movimento mais forte nesta semana, as posições em moedas foram reduzidas nos últimos dois dias – mas Fernandes afirma que as apostas serão mantidas daqui por diante. “Continuamos achando que o euro pode ir para US$ 0,90 e a libra, para a paridade com o dólar”, diz. O XP Macro tem ganhos de 2,29% em setembro.
Quem também tem uma visão negativa para o euro é Alfredo Menezes, sócio-fundador e diretor de Investimentos da Armor Capital, que manteve a posição vendida na moeda europeia contra dólar neste mês – ao defender que será preciso subir os juros na zona do euro, muito e lentamente, deixando o processo mais “doloroso”. “O ajuste do BCE [Banco Central Europeu] vai ser mais lento do que o do Fed. É muito ruim administrar uma política monetária com países distintos entre si”, pondera.
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Foco em operações de curto prazo
Alocações táticas em moedas de países emergentes também fazem parte da carteira do multimercado comandado por Menezes. Entre as posições está uma de prazo mais curto em que a gestora ganha com a desvalorização do real contra o dólar – o que deve ocorrer pelo menos até o fim de 2022, na visão do gestor.
Para o sócio-diretor da Armor, o Brasil deve ver um grande fluxo de dólares deixando o País no fim do ano, já que as filiais de multinacionais devem enviar remessas e dividendos para as matrizes estrangeiras que estarão precisando de caixa. Somado a isso, ele acredita que haverá um fluxo negativo da conta turismo, que corresponde aos gastos de brasileiros no exterior e às receitas obtidas aqui quando um estrangeiro visita o Brasil.
André Kitahara, gestor de portfólio macro da AZ Quest, também prefere seguir com algumas posições táticas em moedas. O especialista argumenta que há muitas peças em movimento no mercado de câmbio e que muitas delas são de baixa previsibilidade.
Nas últimas semanas, Kitahara diz que montou apenas uma opção vendida (que se beneficia da desvalorização) em dólar com vencimento muito curto focada nas reuniões de grandes bancos centrais na semana passada, mas já encerrada. “Não era um call [posição] estrutural de que o dólar vai ficar fraco. Era mais a respeito do comportamento dos BCs”, defende.
Na avaliação do gestor da AZ Quest, a tendência de curto prazo ainda deve ser de valorização da moeda americana, porque é bastante procurada em momentos de aversão a risco, caso de agora. “O mercado está em busca de proteção, de diminuição a ativos de risco. O dólar é a moeda mais fácil para se endividar no mundo. O pessoal se alavanca em dólar”, observa.
Mudanças em juros e Bolsa
As alterações nos portfólios, no entanto, não estão limitadas à parcela dedicada a moedas. Kitahara, da AZ Quest, explica que, até agosto, a casa possuía posições aplicadas (prevendo a queda) em juros nominais no Brasil.
O gestor observa que a taxa oferecida por papéis prefixados estava em outro patamar, em torno de 12,60%. Porém, com o recuo dos juros oferecidos pelos títulos, a gestora aproveitou para capturar os prêmios obtidos, zerar a posição e trocá-la por uma alocação que se beneficia da contração dos retornos entregues por títulos públicos atrelados à inflação (NTN-Bs).
Uma das justificativas está nas taxas. Ao fazer uma comparação entre os juros oferecidos no Brasil e em outros países emergentes, o executivo da AZ Quest avalia que não é possível conseguir retornos tão atrativos como aqui, que estão em torno de 6% ao ano do meio para o fim da curva. “Parece um nível de prêmio bastante elevado para aguentar desaforo”, observa.
Kitahara defende ainda que a aplicação em NTN-Bs é uma boa forma de proteção, já que o ambiente é de grande incerteza e a parte indexada à inflação representa uma exposição mais segura contra possíveis pressões inflacionárias.
Embora o cenário siga desafiador, dados melhores para a prévia da inflação oficial (IPCA-15) em setembro contribuíram para o fechamento (queda) dos juros e a expectativa é de que as taxas sigam em queda, corroboradas por simulações do Comitê de Política Monetária (Copom) vistas como “boas” pelo gestor da AZ Quest.
Atualmente, as projeções para inflação do Comitê estão em 5,8% para 2022, 4,6% para 2023 e 2,8% para 2024. “É um cenário em que o BC conseguirá cortar juros sem ser questionado”, defende.
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A expectativa de agentes financeiros de que os cortes de juros no ano que vem possam começar mais cedo foi reforçada por Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, na última quinta-feira (29).
Ao comentar o Relatório Trimestral de Inflação (RTI), o dirigente sinalizou que o BC está confortável com o início da redução da Selic a partir de junho 2023 – sendo essa a primeira declaração da autoridade monetária indicando uma data possível para o início do afrouxamento monetário.
Também houve mudanças nas alocações em Bolsa. Menezes, da Armor Capital, afirma que reduziu bastante a posição que se beneficia da alta da renda variável local após a virada do mercado no último mês. O gestor afirma que segue positivo com a Bolsa, mas que teve que praticamente zerar a posição por causa de controles internos da casa.
Na avaliação do profissional, a Bolsa local pode voltar a ter um bom desempenho com a melhora do exterior, especialmente de indicadores de inflação dos Estados Unidos, como o índice de preços ao consumidor (CPI), por exemplo. Para ele, a correção do S&P 500 está próxima de ocorrer depois que um dos principais índices da Bolsa americana recuou quase 30% desde o pico neste ano. “O grande movimento de ajuste já foi feito”, observa.
Entre os setores preferidos na Bolsa local estão o de bancos e o varejo mais voltado para as classes C e D, que poderia ser beneficiado por programas sociais em um eventual governo petista. Já posições em ações de incorporadoras, que estão bastante descontadas, devem seguir de fora do portfólio da Armor, já que Menezes defende que o juro do crédito imobiliário continuará alto.